segunda-feira, 14 de julho de 2008

O pós-modernismo no seu esplendor

Há uns tempos folheava o Wall Street Journal e deparei com uma notícia que achei representar o pós-modernismo no seu esplendor. O artigo «Dartmouth's 'Hostile' Environment» conta-nos a história de uma professora de Darmouth, uma universidade Ivy League, que tentou processar os alunos porque, segundo alegou, o anti-intelectualismo dos caloiros que leccionava violou os seus direitos civis. O processo não foi para a frente porque era tão rídículo que nenhum advogado o aceitou mas vale a pena olhar para os detalhes da história.

Priya Venkatesan Hays, a docente em causa, escreveu para um jornal de Darmouth um artigo que levanta o véu sobre o que provocou o comportamento dos alunos que causou «intellectual distress» a Priya e motivou a sua saída de Dartmouth. O «Yin, meet yang» é um chorrilho de disparates pós-modernos que lembra o famoso «Transgredir as fronteiras: em direcção a uma hermenêutica transformativa da gravitação quântica» de Sokal, só que, contrariamente ao Sokal Hoax, este embuste foi escrito a «sério»:

«In graduate school, I was inculcated in the tenets of a field known as science studies, which teaches that scientific knowledge has suspect access to truth and that science is motivated by politics and human interest. This is known as social constructivism and is the reigning mantra in science studies, which considers historical and sociological understandings of science. From the vantage point of social constructivism, scientific facts are not discovered but rather created within a social framework. In other words, scientific facts do not correspond to a natural reality but conform to a social construct.

...

In many ways, social constructivism has been reframed as postmodernism, since both movements question the scientific realm's theory of truth—that is, that scientific facts mirror an external reality which does indeed exist. However, this reframing is unnecessary, since clear distinctions exist between social constructivism and postmodernism. Through my experience in the laboratory, I have found that postmodernism offers a constructive critique of science in ways that social constructivism cannot, due to postmodernism's emphasis on openly addressing the presupposed moral aims of science. In other words, I find that while an individual ethic of motivation exists, and indeed guides the conduct of laboratory routine, I have also observed that a moral framework—one in which the social implications of science and technology are addressed—is clearly absent in scientific settings. Yet I believe such a framework is necessary. Postmodernism maintains that it is within the rhetorical apparatus of science—how scientists talk about their work—that these moral aims of science may be accomplished.»

O artigo, embora numa linguagem mais «contida», continua as teses ocas que Priya Venkatesan desenvolveu no livro «Molecular biology in Narrative form», o mesmo título da sua tese de doutoramento. Este comentário ao livro na Amazon resume bem o livro: «Happily, the content of the text seems to be some remarkably well-disguised trippy-hippy post-modernist anti-establishment pseudo-feminist rant taken directly from protest speeches from the sixties.».

Aparentemente, as aulas de Priya resumiam-se a variações sobre a sua tese e esperava não só que os alunos aceitassem sicofantemente os disparates que debitava como nas avaliações a classificassem como a sumidade que ela se considera ser. Mas os estudantes não acharam piada nenhuma aos dislates pós-modernos com que Priya recheava as aulas nem ao facto de ela não admitir que meros alunos manifestassem as suas opiniões nas aulas e escreveram-no nas avaliações. De acordo com um dos alunos:

«Aside from the fact that I learnt nothing of value in this class besides the repeated use of the word "postmodernism" in all contexts (whether appropriate or not) and the fact that Professor Venkatesan is the most confusing/nonsensical lecturer ever, the main problem with this class is the personal attacks launched in class.

Almost every member of the class was personally attacked in some form in the class by either intimidation or ignoring your questions/comments/concerns. If you decide to take this class, prepare to NOT be allowed to express your own opinions in class because you have "yet to obtain your Ph.D/masters/bachelors degree". We were forced to write an in-class essay on "respect" (and how we lacked it) because we expressed our views on controversial topics and some did not agree with the views of "established scholars" who have their degrees.»

A professora não gostou das avaliações (confidenciais) feitas pelos alunos e no email em que os avisava que os ia processar por discriminação, informou-os igualmente que iria publicar os comentários no livro que pretende escrever sobre o caso.

Os estudantes contaram ao jornalista do WSJ a sua versão dos factos, nomeadamente que os problemas nas aulas da senhora se deviam às prelecções incompreensíveis e às explosões que se seguiam às intervenções cépticas dos alunos depois de afirmações totalmente imbecis. Priya retorquiu que a discussão de ideias pretendida pelos alunos era na realidade «intolerância» e que os alunos questionavam «o meu conhecimento de forma muito pouco apropriada».

Depois de uns meses de tensão ... e de Lyotard (tanto que um dos alunos se lhe referia como o «moron»), o ponto de ruptura surgiu quando a docente resolveu falar de «ecofeminismo», uma patetada pós-moderna que afirma que o avanço científico é sexista e só beneficia os «patriarcas» - uma tese muito querida a algumas correntes pós-modernas que pretendem, por exemplo, que o pénis é equivalente à raiz quadrada de (-1), E=mc2 é uma equação sexista, o nome Big Bang é sexista e o Principia Mathematica de Newton é um manual de violação - Sandra Harding no «The Science Question in Feminism».

Este disparate total foi a gota de água para pelo menos um dos alunos que, de acordo com a docente, usou argumentos «irracionais» para a refutar no que classificou de diatribe aplaudida pelos restantes colegas. Os alunos não se converteram às palermices pós-modernas mesmo depois de a senhoraVenkatesan os ter informado que o seu comportamento era «demagogia fascista» e ... « intolerância de ideias e intolerância da liberdade de expressão»! Para além da óbvia ironia e contrasenso da acusação, acho sempre curioso confirmar ser com acusações congéneres que pós-modernos e os seus primos eduqueses rematam discussões em que as suas teses absurdas não são aceites.

A maioria dos professores que conheço ficaria deliciada se os seus estudantes refutassem o que estava a ser dito e iniciassem um debate sobre um tema abordado na aula. Aliás, esse deve ser o espírito de uma universidade que todos nós tentamos (a maioria das vezes infrutiferamente) despertar nos alunos. Os alunos em causa mostram-nos que o pensamento crítico na nova geração não está morto apesar da onda de imbecilização que permitiu que uma Universidade como Dartmouth considerasse que uma pessoa como Venkatesan tinha capacidades para ministrar aulas a caloiros.

Infelizmente demasiados departamentos alimentam o gibberish destes pseudo-intelectuais pós-modernos. Foi um excelente sinal que os alunos de Priya contestassem o lixo pseudo-intelectual com que esta os tentou doutrinar e reagissem como ilustrado pelo comentário de um dos alunos de Darmouth «Anyone who is an acolyte of the postmodernist theory is mentally ill, by definition: either terminally stupid, or sociopathic. Or both».

O pós-modernismo anda em Portugal de mãos dadas com o eduquês e, como já referiu o Carlos, «O pós-modernismo é uma verdadeira praga intelectual que aflige a pedagogia no nosso país (como em outros, mas nós temos piores defesas: não desenvolvemos anticorpos em tempo útil) e que tem consequências terríveis sobre a qualidade de ensino que se pratica.» Não sei assim se seria possível nas nossas salas de aulas uma reacção saudável como a que se verificou em Dartmouth...

13 comentários:

Vitor Guerreiro disse...

Multiplique-se as aulas desta senhora por 2 semestres com 5 cadeiras cada, e temos um ano num curso de filosofia na universidade de lisboa. Com gradações claro, e com algumas excepções, mas ainda assim... Quanto mais tempo passo longe do sítio mais compreendo o desperdício de tempo que fiz... e mais aprendo filosofia.

Anónimo disse...

"A maioria dos professores que conheço ficaria deliciada se os seus estudantes refutassem o que estava a ser dito e iniciassem um debate sobre um tema abordado na aula."

Eu conheço um que a Dra muita admirava que teve por várias vezes a atitude oposta. Outro que conheci que realmente tinha essa atitude salutar foi preterido por outros que a não tinham. Este sim, tem razões de queixa não esta Kristeva do outro lado do atlântico.


O facto é simples. A maior parte das chamadas humanidades são lixo intelectual e vivem de status académico que constroem com tretas. Isto não é de agora e tem séculos. Pelo menos as ciências a sério libertaram-se marginalmente disto.

Rui leprechaun disse...

Confusões jurídicas à parte, que aí os americanos são mesmo ridiculamente peritos, gostei muito desse artigo "Yin, meet Yang" onde não vi nenhum chorrilho de diparates... pós-modernos ou não, que isso já ultrapassa a minha compreensão. Seria interessante que a autora do post os demonstrasse, em vez de inutilmente copiar aquilo que pode ser consultado. Mas isso já seria esperar demais, certo?! Adjectivar é sempre fácil, argumentar é que dá um pouco mais de trabalho... ;)

Ora vejamos alguns pontos chave:

Scientific facts do not correspond to a natural reality but conform to a social construct.

Bem, substituindo "factos" por "teorias" e "social" por "matemática" obtemos uma frase verdadeira, ou seja, no fundo a ciência é incapaz de estudar a realidade em si mas limita-se a representá-la matematicamente de uma forma simplista e utilitária.

Veja-se só esta afirmação reveladora de Hawking no seu aclamado "Uma Breve História do Tempo":

As teorias da grande unificação não são teorias realmente completas, porque contêm um número de parâmetros cujos valores não podem ser preditos a partir da teoria, mas têm de ser escolhidos para se harmonizarem com as experiências.

Há um problema evidente com estas "habilidades" em que os modelos matemáticos se sobrepõem aos "físicos", que é o facto da simples manipulação dos números poder fazer ajustar qualquer teoria fantasista e meramente imaginativa aos dados da observação concreta. Basta acrescentar uma nova "constante" mágica... et voilà! Ou seja, a tal "realidade natural" é de facto escamoteada pela ciência, e essa é uma confissão patente de impotência da Física e Cosmologia modernas, por exemplo. Deste modo, tanto ao nível da realidade microscópica como da macroscópica permanecemos ignorantes dos fundamentos do Universo mas vamos fazendo contas e esperando que dêem certo... maybe sometimes they do.

É muito importante ter estes simples factos em conta, sobretudo quando nos curvamos de modo tão reverencial perante o altar da "santa" tecnologia, mormente aquela que é posta ao serviço da própria investigação. Assim, as avançadíssimas máquinas do CERN para o estudo das partículas elementares podem ser como "robots" endeusados, mas não nos fazem necessariamente avançar no conhecimento da realidade imanente deste Universo. É que a interpretação dos resultados de experiências tão sofisticadas está sempre dependente do seu tratamento matemático e apoia-se já nos dados prévios que se encaixam nesses mesmos modelos nos quais se pretende aprisionar a realidade.

Logo, ciência formal ou natural, qual delas traduz mesmo o real?!

...scientific knowledge has suspect access to truth and that science is motivated by politics and human interest.

Como corolário de tudo o que foi dito antes, adeque-se apenas esta frase ao actual "circo" mediático que rodeia toda a polémica sobre o "aquecimento global antropogénico", onde a ciência sofre tratos de polé e serve sem sombra de dúvida outros interesses que não os da verdade e do rigor, como qualquer pessoa bem informada naturalmente sabe.

Logo, pelo menos a este nível a jovem professora não pode ser contestada, e se é isto o tão falado "construtivismo social" não vejo onde e como possa ser assacada falta de rigor a uma tal disciplina, excepto pelo facto da exposição da verdade nua e crua ofender outros pudores que não os da total honestidade!

...an ethic of self-motivation that propels the scientific endeavor forward. I have found that this ethic guides the process of science itself.

Excelente descrição dos autênticos génios e visionários, ou seja, aqueles que fazem de facto avançar o conhecimento humano e não os meros funcionários da ciência, por muito que estes também sejam necessários, claro.

Postmodernism also challenges scientific realism with its claim that reality is always mediated through a language scientists must appropriate.

Excelente, absolutamente excelente!!! Mas discutir esta correctíssima afirmação levar-nos-ia agora demasiado longe, talvez noutro contexto tal se possa explorar com mais profundidade e vagar. Mas é claro que não se trata de nenhuma ilusória "realidade" mediada pela linguagem matemática e o Real não pode ser descrito em termos finitos, seja qual for a simbologia empregue para uma tal tradução sempre imperfeita.

...question the scientific realm's theory of truth – that is, that scientific facts mirror an external reality which does indeed exist.

Uma consequência óbvia de tudo quando foi dito antes. A ciência é uma mera aproximação à realidade natural, tendendo para ela o mais possível mas sem a poder abranger na sua totalidade. O simplicíssimo facto de a mesma só poder ser traduzida a partir da consciência do próprio observador é já mais do que suficiente para pôr em causa essa "realidade externa", claro. Logo, o que é que existe mesmo, indesmentivelmente?!

...while an individual ethic of motivation exists, and indeed guides the conduct of laboratory routine, I have also observed that a moral framework – one in which the social implications of science and technology are addressed – is clearly absent in scientific settings.

Esta é uma afirmação maravilhosamente corajosa e, infelizmente, traduz mesmo a dura realidade de muitos cientistas independentes que não curvam a cerviz a outros ditames e interesses que nada têm a ver com a ética de que a autora fala. De novo, vide "global warming" e o modo como fraudulentamente se manipulam dados para os encaixar numa teoria alarmista preconcebida, com as tais "implicações sociais" que saem muito fora do âmbito da mera ciência.

Logo, talvez se a cientista indiana fosse um pouco mais pacífica, à Ghandi, se safasse algo melhor, pois o que ela diz merece ser discutido!

Anónimo disse...

Professora Palmira Silva

Li o seu artigo com bastante interesse e fiquei culturalmente enriquecido. Descobri uma palavra nova: sicofantemente. Como sou um indivíduo bastante curioso resolvi consultar o dicionário. Não encontrei sicofantemente mas vi "sicofanta" que significa o seguinte:

do Lat. sycophanta + Gr. sykophántes

s. 2 gén., dizia-se, em Atenas, do denunciante de quem exportasse figos por contrabando;
s. m., delator, velhaco e caluniador.

Não me parece que "sicofantemente" faça sentido no contexto em que utilizou a palavra. Pode elucidar-me, por favor?

Muito obrigado.

Anónimo disse...

http://en.wikipedia.org/wiki/Sycophant

Julgo que realmente não existe em português.

Unknown disse...

Manel

Não ligue ao António Parente :) Ele está só lixado com o post da hóstia e como não pode ventilar a raiva como fazia no DA (parecido com o hate mail que o PZ Myers está a receber) anda à procura de minudências para implicar.

Unknown disse...

Sobre o post, é giro como os extremos se tocam, neste caso como são tão iguais as posições anti-ciência da extrema-direita beata e da extrema-esquerda pós-moderna.

A parte que chateia é que é gentinha como esta fulana que desacreditam o feminismo. Há de facto discriminação das mulheres mas neste caso não há nem amostra disso. aliás, como a pós-moderna se queixava, eram do sexo feminino os alunos que mais a desrespeitavam.

Unknown disse...

esqueci-me das aspas em "desrespeitavam". A senhora tem-se em tão alta consideração que achava que os alunos se deviam curvar à sua passagem...

O artigo no Dartmouth Review é bestial. Não percebo como a foram contratar depois do monte de lixo que foi a tese de graduação dela.

"Over a decade before she taught at Dartmouth, Priya Venkatesan was an undergraduate at this beloved institution; Ms. Venkatesan graduated from the College in 1990 as a comparative literature major. It was only a matter of time before one of the self-proclaimed “post-modern” feminists sowed during the Freedman/McLaughlin years was finally hired by Dartmouth College. Though the Review is always wary of the potential damages these liberal fanatics can cause the College, it seems the administration was blissfully unaware until this recent debacle.

If only someone in the College had had the presence of mind to read Ms. Venkatesan’s thesis, he might have been able to bypass the hiring of this unstable Writing 5 teacher. In her senior year of 1989-1990, Ms. Venkatesan wrote an Honors Thesis entitled “Montaigne and Macbeth: Rebellion, Gender and Patriarchy in the Renaissance.” After reading this document, it comes as no surprise that this alumna is causing so much trouble almost two decades later."

É pena só publicarem um pequeno excerto e comentarem o resto, gostava de ler o foco " ad nauseam on the “rhetoric of the son,” a phrase of her creation which she upholds encompasses both the anti-patriarch and the anti-woman."

Mas o bocadinho que usaram para ilustrar é um mimo :)

“The Renaissance is a period characterized by many scholars as a critique of medieval and religious scholaticism [sic] that concerned itself with the study and revision of certain aspects of ancient civilization in the realm of art, literature, law, historiography, and political theory.”

Anónimo disse...

Querida Rita (permita-me tratá-la assim, de tio para sobrinha)

Não estou "lixado" com o post sobre a hóstia consagrada. Vi os seus enormes esforços para chamar os católicos à "luta" e reparei como foram em vão. Por acaso, até penso se há aqui alguém "lixado" com a situação é a Rita e não o António Parente... :-)

Não conte comigo para alimentar o "debate".

Um abraço do tio que gosta muito de si,

Anónimo disse...

Manel

Obrigado pelo link para wikipedia. Agora faz sentido o "sicofantemente". Em português o equivalente é a bajulação e a adulação. Em calão, costuma-se dizer "dar graxa". Tenho uma sobrinha virtual especialista nessas artes... :-).

JSA disse...

Já faltava o leprechaun a dizer disparates.

Vamos a eles:
«Scientific facts do not correspond to a natural reality but conform to a social construct.

Bem, substituindo "factos" por "teorias" e "social" por "matemática" obtemos uma frase verdadeira, ou seja, no fundo a ciência é incapaz de estudar a realidade em si mas limita-se a representá-la matematicamente de uma forma simplista e utilitária.»

Isto é o equivalente a dizer que Os Lusíadas não descrevem alguns factos reais só porque o autor quis respeitar métrica e estrutura dos cantos.

A matemática serva para compreender as teorias, não as forma. O leprechaun confunde completamente equações empíricas (típicas da engenharia e que apenas são adequadas em intervalos de operação muito bem delimitados) com equações, digamos, "naturais". Constantes não mudam em nada uma teoria, bem pelo contrário. No máximo mudam velocidades de variação (não se leia neste "velocidades" o termo usual que denota distância por espaço de tempo). Esta afirmação sobre as constantes vem provavelmente da famosa polémica sobre a constante cosmológica de Einstein, que tem andado aos saltos permanentes. A teoria da relatividade geral não foi minimamente afectada por esta guerra da constante, bem pelo contrário. A guerra surge precisamente porque a teoria tem sido provada vezes sem fim.

«a interpretação dos resultados de experiências tão sofisticadas está sempre dependente do seu tratamento matemático e apoia-se já nos dados prévios que se encaixam nesses mesmos modelos»: mais uma afirmação sem sentido. Se os cientistas revêm as suas posições, teorias e modelos, lá vêm falar em fragilidade da ciência. Se não o fazem porque os resultados se ajustam às previsões, vêm dizer que a interpretação está enformada de um pecado original. Qualquer coisa serve para atacar o que não se compreende.

«scientific knowledge has suspect access to truth and that science is motivated by politics and human interest»: esta parte demonstra claramente que a autora não faz a menor ideia das diferenças entre ciência e tecnologia. Demonstração simples: a teoria da gravidade foi desenvolvida para explicar o movimento de corpos celestes e de nada servia em termos práticos. A ciência, portanto, surgiu por curiosidade pura. Já o uso da mesma teoria, aquilo que se chama de tecnologia, por exemplo em balística, surgiu, esse sim, por interesse.

«Postmodernism also challenges scientific realism with its claim that reality is always mediated through a language scientists must appropriate»: que afirmação pateta. Os cientistas têm de explicar realidades completamente não-intuitivas e para isso têm que se socorrer de expressões novas, as quais recebem explicação. Nada de diferente da filosofia, portanto. O que se passa é que, tal como um livro de, por exemplo, Derrida, não vai explicar o significado de "arquétipo" (para dar um exemplo simples), também o cientista não tem que explicar a expressão "electrões de valência" (outro exemplo simples). Quem queira compreender a linguagem, que a estude. Curiosamente, os cientistas fazem-no muito mais relativamente às ciências humanas do que os humanistas em relação à ciência.

«O simplicíssimo facto de a mesma [realidade] só poder ser traduzida a partir da consciência do próprio observador é já mais do que suficiente para pôr em causa essa "realidade externa"»: mais outra afirmação ridícula. Se existisse um só cientista em todo o mundo com a função de criar a ciência para toda a humanidade, então estaria completamente correcta. Como um cientista tem que se explicar perante outros e tem que os convencer que está correcto, tendo depois os seus resultados examinados perante colegas e competidores, então a afirmação é completamente errada. Eu até posso apresentar uma interpretação subjectiva dos meus dados, mas o meu supervisor, o meu mentor, os meus revisores da revista científica onde eu tento publicar o meu trabalho e o júri da minha tese de doutoramente têm que avaliar aquilo que escrevo. Não por acaso, os artigos científicos têm frequentemente 3 ou mais autores, mas os humanísticos têm apenas um.

«I have also observed that a moral framework – one in which the social implications of science and technology are addressed – is clearly absent in scientific settings»: mais uma vez se demonstra a ignorância da autora sobre o que é ciência e o que é tecnologia. Só falta falar da bomba atómica. Dizer oq ue ela disse é o mesmo que criticar Einstein por ter escrito E=mc2 por causa de esta equação ter sido fundamental para a construção da bomba atómica. Curiosamente, os pensamentos morais são precisamente aquilo que permite diabolizar "o outro" (e uso esta expressão no sentido mais lato possível) e que acabam por justificar qualquer acção. A relatividade restrita não continha qualquer moralidade, mas mil histórias foram tecidas em torno do lançamento da bomba atómica, todas elas moralmente justificadas.

Anónimo disse...

"Não ligue ao António Parente :) Ele está só lixado com o post da hóstia e como não pode ventilar a raiva como fazia no DA"

O que é o DA?

Anónimo disse...

Infelizmente a grande maioria das pessoas não compreende bem o que é o pós-modernismo ou mesmo o construcionismo social (ver, Kenneth Gergen - realities and relationships: Soundings on social construccionism)... Não digo que sou a favor ou não desta perspectiva epistémica, mas o que quero frisar é que a aplicabilidade do construcionismo social (mesmo apesar das suas graves falhas) terá de ser enquadrada apenas em certos domínios do conhecimento (ainda que esse enquadramento tenha os seus erros, que derivam do próprio corpo epistémico do construcionismo social em si). Por outras palavras, o cruzamento entre ideias oriundas de diferentes ramos da ciência terá de ser efectuado criticamente e com prudência. Não podemos simplesmente aplicar o princípio da incerteza de Heisenberg às teses acerca da Personalidade ou às causas da decadência dos povos peninsulares... Muita gente pensa que o pós-modernismo permite este tipo de interdiscipinariedade. Há diferentes níveis de explicação para os fenómenos, níveis esses limitados pela ciência, é claro. Já dizia Einstein: "Gravity explains the falling of objects, but gravity cannot explain why people fall in love"... Concluindo, as teses do construcionismo social deverão ser mantidas dentro das áreas das ciências socias. Deixem a repolarização e polarização das membranas citoplasmáticas da biologia molecular dentro do domínio da física, da química e da biologia e não tentem introduzir ingredientes a mais na solução, sob o risco desta se saturar de disparates. Interdisciplinariedade sim, mas com cuidado e crítica.

João Fernandes

Sociedade Civil

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