quarta-feira, 2 de julho de 2008

EU ACUSO


Com o título de cima publicou o "Diário de Coimbra" de hoje um artigo de opinião de João Silva, ex-deputado da Assembleia Municipal de Coimbra, sobre a anunciada especulação imobiliária que a Câmara Municipal de Coimbra aparentemente prepara para os terrenos da Penitenciária de Coimbra, em vez de aprofundar a ideia, que propus em devido tempo e que recebeu apoio de muita gente, de usar aquele espaço público para a "Casa do Conhecimento", complexo de Biblioteca e Arquivos modernos de que a cidade tanto carece. O problema não é regional pois, como já referi (por exemplo aqui), Coimbra tem espólio para uma das maiores bibliotecas nacionais, que pode mesmo ter dimensão internacional. E a especulação imobiliária - ver os casos do EUA e de Espanha - já deu noutros lados o que tinha a dar... Mas ela, entre nós, ainda é desenfreada e poderá também tomar conta do espaço da Penitenciária de Lisboa, num sítio nobre da cidade e, tal como em Coimbra, perto de um notável jardim.

"Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice
."
Émile Zola

"Permitam-me que comece invocando as palavras de Émile Zola no seu magistral artigo sob o caso Dreyfus, publicado em Janeiro de 1898, sob a forma de carta dirigida ao Presidente da República Francesa, mas a verdade é que com as devidas distâncias e proporções também eu não quero ser cúmplice pelo silêncio do que vai acontecer a Coimbra e em Coimbra com o processo de reconversão das instalações da Penitenciária.

Já escrevi, mais do que uma vez, que vai ser cometido um erro colossal se for avante o processo de transformação da Penitenciária tal como protocolado pelo presidente Carlos Encarnação com a ex-ministra da Justiça Celeste Cardona e hoje, quando se anuncia o desenvolvimento da reforma do parque prisional e a construção de novas cadeias, não quero deixar de o reafirmar.

Coimbra sofreu um dos maiores atentados urbanísticos com a transformação da sua Alta no tempo de ditadura. Foi um atentado que nunca foi devidamente reparado porque Coimbra nunca o soube reivindicar e porque não terá havido oportunidade para tal, pelo que hoje, perante o cenário da libertação dum espaço emblemático no seu coração, seria o bom momento para se bater por essa reparação.

A reconversão das instalações da Penitenciária representa uma oportunidade única para a Cidade, podendo assumir a visão e as ambições dos cidadãos que nela vivem neste princípio do século XXI e constituir um legado às gerações vindouras.

Sabemos das carências de espaços e de instalações, por exemplo, para a Biblioteca Geral da Universidade, como repetidamente tem sublinhado o seu Director – o professor Carlos Fiolhais –, sabemos da importância para as cidade de assumirem edifícios simbólicos como motores de atracção e desenvolvimento e sabemos da importância de desenvolvimentos arquitectónicos paradigmáticos do rejuvenescimento das cidades.

Sabemos isto e muito mais e, por isso, também já mais do que uma vez apontei o exemplo do parque de La Villette, em Paris, como um exemplo do que poderíamos e deveríamos considerar para as referidas instalações. Lembremos que La Villette resultou de um processo de transformação das instalações dum antigo matadouro, com um projecto do arquitecto Bernard Tschumi elaborado em consonância com o filósofo Jacques Derrida.

As instalações da Penitenciária são um verdadeiro diamante que, com um projecto ambicioso e devidamente equacionado, poderiam permitir congregar muitas coisas, levando-nos a edificar ali uma UniverCidade como síntese do passado e proposta para o futuro de Coimbra.

Lamentavelmente a ausência de visão e a falta de coragem dum presidente titubeante levaram à assinatura dum protocolo que, no essencial, vai permitir especulação imobiliária para o Governo pagar as novas instalações, como se a cidade, mais uma vez, não merecesse ficar, sem reservas, com aquele espaço para si e de lhe traçar o destino que entendesse.

Sabemos que, para envolver o processo, com o tal manto diáfano da fantasia, se fala num corredor verde a construir na zona, mas do que verdadeiramente se tem a certeza é de que vai haver construção imobiliária – um novo EuroStadium.

Como o tempo vai provar o que verdadeiramente aconteceu foi termos um presidente de Câmara que se colocou de cócoras perante o Governo e que, por isso, não posso deixar de acusar como primeiro e principal responsável por um erro de lesa Coimbra que vai inevitavelmente acontecer naquele espaço.

Claro que do julgamento na história, que um dia será feito deste processo, também não sairão isentos partidos, forças políticas e organizações cívicas que não foram capazes de reagir a inverter a situação, bem como todos aqueles que clamando tantas vezes contra o centralismo e a realização de investimentos brutais em Lisboa e no Porto se calaram perante mais uma discriminação negativa de Coimbra.

Não tenho pretensões a uma proposta definitiva para a reconversão do espaço da Penitenciária, mas tenho a convicção profunda do erro que vai ser cometido e lamento que Coimbra, mais uma vez, não tenha a força, o nervo cívico e a capacidade de se mobilizar para evitar esse erro.

Não podia deixar de o dizer."

João Silva

4 comentários:

Armando Jorge disse...

Muito bem levantada esta questão. Não vale a pena dizer mais do que a minha total concordância com o que foi dito.
Mas fica o desabafo: nesta cidade, já nada disso me espanta. Sofre da expressão máxima do pior "provincianismo": só copia das grandes metrópoles o pior dos mundos.

A.G.M. disse...

Porquê não fiquei surpreso?

Se aquele espaço fosse aproveitado para espaço público para a "Casa do Conhecimento", é que eu ficava espantado.
Criar uma Biblioteca com aquela dimensão e seus Arquivos à escala nacional e europeia
não faz parte destes políticos incultos e trapalhões.

Angélique disse...

Uma biblioteca desse tamanho seria o paraíso e dava cá um jeito! Mas claro não seria nada lucrativo! Nunca é o conhecimento o beneficiado! Quanto mais burro for o povo e menos cultura melhor assim podemos pagar e talvez desejar mais mega obras!

Graça disse...

Estranhamente, o vereador da Cultura foi presidente de uma associacao de defesa do patrimonio: o GAAC, de que fui socia fundadora em finais dos anos 70...

E a Biblioteca e o Arquivo do ex-IPA (Instituto Portugues de Arqueologia) sem instalacoes, nao tarda... Um importantissimo espolio a espera de destino!!!...

(perdao, o meu teclado esta sem acentos e cedilhas...)

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