segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Einstein, António Gião e o Ano Internacional da Astronomia


Do mensário de Reguengos de Monsaraz (na figura a Câmara Municipal), A Palavra de 13 de Março último transcrevemos, com a devida vénia, o artigo de Ana Paula Amendoeira (especialista em património cultural), sobre António Gião, o físico natural daquela terra alentejana que de lá se correspondeu com Einstein:

“Sabia que, dos Estados Unidos, Einstein trocou correspondência científica com um físico português que vivia em Reguengos de Monsaraz, chamado António Gião?”

Esta era uma das perguntas feitas para atrair o interesse do público na visita a uma exposição organizada em Coimbra, em 2005, por ocasião do Ano Internacional da Física, intitulada Einstein entre nós. A exposição mostrava a forma como o Nobel da Física tinha sido divulgado e recebido em Portugal, nas duas vezes que por cá passou. Vários e curiosos episódios figuravam nessa exposição, dando conta da forma como as ideias de Albert Einstein tinham sido difundidas em Portugal. Desde as primeiras discussões sobre a teoria da Relatividade pelo filósofo Leonardo Coimbra da Faculdade de Letras de Lisboa (anos 20 do século XX), até ao Almirante Gago Coutinho que assistiu às palestras de Einstein no Brasil, em 1925. Antes de ir para o Brasil, Einstein passou por Portugal, esteve em Lisboa, visitou os Jerónimos e o Castelo de São Jorge e escreveu as suas impressões no seu diário (guardou excelente lembrança das varinas
de Lisboa!).

Ao que parece, o único português que manteve correspondência científica com Albert Einstein, foi António Gião. Sim, o nosso António Gião.

Einstein recebeu, na Universidade de Princeton, a primeira carta de Reguengos de Monsaraz em 16 de Janeiro de 1946, assinada por António Gião, um físico nascido nesta então vila alentejana, na rua Dr. Francisco de Salles Gião, em 1906. A carta propunha uma teoria das forças fundamentais, assunto que na época, preocupava o cientista reguenguense (informação dos Profs. Carlos Fiolhais e Tiago de Oliveira). Essa correspondência está hoje no Arquivo da Universidade Hebraica de Jerusalém, embora também existissem alguns exemplares de cartas na sua casa de Reguengos, hoje propriedade da Sociedade Portuguesa de Autores.

António Gião foi, desde os anos 40 e até à sua morte em finais de 60 a figura central da Relatividade e da Cosmologia em Portugal. Era Professor da Faculdade de Ciências de Lisboa e alto responsável do Instituto Gulbenkian de Ciência e tinha feito já uma grande parte da sua carreira científica e universitária em Estrasburgo e Paris. Para além desta correspondência mantida com Einstein, António Gião publicou vários artigos sobre Relatividade e Cosmologia em revistas de grande prestígio internacional como a norte americana Physical Review. Foi o primeiro português a publicar na prestigiada revista Nature, quando tinha apenas 20 anos! Em 1963 organizou uma reunião da NATO sobre Cosmologia em Lisboa onde participaram figuras cimeiras da ciência mundial. A notoriedade internacional que atingiu valeu-lhe um convite para professor do MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos Estados Unidos. Entre o agravamento da sua doença que o levou à morte, e o 25 de Abril de 1974 houve quase um vazio nestas áreas da ciência em Portugal.

Não é novo, sabemos todos há muito da importância da figura de António Gião e do pioneirismo e precocidade da sua obra na área da Ciência. Mas continua ainda hoje a ser uma personalidade misteriosa, devido ao seu carácter introspectivo e distante que lhe vinha de uma dor de alma que nunca conseguiu ultrapassar e que tinha a ver com as suas origens maternas. Nunca fez escola, não deixou seguidores. Por isso, Carlos Fiolhais lhe chamou “um eremita científico”. Não aceitou convites importantes a nível internacional. Chamava-se simplesmente António Gião. Não tinha o apelido da mãe, que de resto nunca conheceu. Esse trauma nunca o abandonou ao longo da sua vida e talvez o tenha sempre impedido de explorar plenamente o seu talento e a sua genialidade científica… Houve sempre uma espécie de bloqueio emocional que o impediu de ir ainda mais além. É importante conhecer o Homem para compreender a Obra.

Neste ano de 2009 declarado pela ONU (Organização das Nações Unidas) Ano Internacional da Astronomia em homenagem aos 400 anos da observação das estrelas através de um telescópio, por Galileu Galilei, passam também 40 anos da morte de António Gião. Dado o seu pioneirismo em matérias científicas relacionadas com a Astronomia, penso ser uma excelente oportunidade para aproveitar o nome e a obra deste reguenguense em prol de uma maior educação e cultura científica que tanta falta faz à nossa sociedade, a começar pelas crianças e jovens. Seria um excelente pretexto para falar de António Gião entre nós, como Coimbra fez com Einstein.

Voltaremos ao Ano Internacional da Astronomia para falar de estrelas em Monsaraz."

Ana Paula Amendoeira
(anaamendoeira@hotmail.com)

3 comentários:

André disse...

Não fazia ideia que Gião se tinha correspondido com Einstein. Muito interessante. Mas se ainda forem a tempo, p.f. alterem a fotografia pois essa imagem não é de Reguengos de Monsaraz, mas sim de Monsaraz que pertence ao concelho. Continuem com o bom trabalho.

De Rerum Natura disse...

A figura já foi emendada, obrigado.
Carlos Fiolhais

Anónimo disse...

Já agora mais um comentário para esclarecer o que fiz ao poster sobre António Gião aqui afixado em 25 de Agosto de 2008. Gião terá trabalhado muito isoladamente, o que não era invulgar no seu tempo: afinal Einstein também assinou sozinho, sem co-autores, os seus trabalhos sobre a relatividade! Por trabalhar assim sem co-autores e por não deixar discípulos podemos, à luz da actualidade, chamar-lhe eremita da Ciência. Mas não por trabalhar em Reguengos! Ia lá todos os fins-de-semana, quando viveu em Portugal, e terá passado lá férias, mas a sua cidade era Paris: até o seu automóvel, um topo de gama que, se bem me recordo, era um Citroen (um bico-de-pato, como então se chamava àqueles carros) tinha matrícula parisiense. E até conservar a matrícula de Paris era para ele um símbolo de alto estatuto social. Nos anos 60 do século passado, uma matrícula automóvel francesa não tinha as conotações que muita gente lhe dá hoje…

J. M. S. Simões Pereira

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