domingo, 31 de julho de 2022

A POSTERIDADE DE ALGUNS PRÉMIOS NOBEL DE LITERATURA

Por Eugénio Lisboa

Se alguma coisa Fernando Pessoa viu bem, nos portugueses com que veio encontrar-se, no seu regresso de Durban, foi o seu profundo e não radicável provincianismo. Somos provincianos a admirar e somo-lo a não sermos capazes de o fazer, quando disso seja caso. Um prémio dado lá fora, um elogio vindo de fora, criam um verdadeiro histerismo nacional, como se fôssemos, de repente, o povo eleito. 

Já muitas vezes comparei a sobriedade com que o galardão Nobel é anunciado, recebido e comentado, na grande imprensa inglesa. Entre nós, com Saramago, foi aquilo que se viu. 

Para quem seja minimamente adulto, do ponto de vista intelectual, e esteja razoavelmente informado dos bastidores e da durabilidade das reputações dos laureados, o espectáculo da fúria admirativa lusíada é realmente confrangedor. 

Nunca vi, em França ou na Inglaterra, falar-se no “nosso” Nobel André Gide ou T. S. Eliot. Até seria insultuoso pensar que fora o prémio que lhes dera prestígio e não o seu mérito. O grande dramaturgo George Bernard Shaw não precisava para nada do prémio, porque já era uma lenda viva, na altura em que lho deram: quem precisava do prestígio dele era o prémio. Visto isso, até se deu ao luxo de recusar o dinheiro, aceitando, só por cortesia, o diploma e a medalha. 

Por outro lado, se tivermos em conta os verdadeiros gigantes da literatura que o Nobel ignorou e as verdadeiras e esquecidas mediocridades que ele se tem fartado de galardoar, ficar-nos-á bem não andarmos com o Nobel permanentemente colado à figura de Saramago. 

Lembremo-nos de que foi a Teoria da Relatividade que deu fama ao grande Físico Einstein e que o Nobel que lhe conferiram só serviu para diminuir a estatura do prémio, visto que nem sequer foi atribuído à obra magna do cientista, mas sim a um seu trabalho secundário. 

O mais triste, entre nós, é que nem sequer é só a massa ignara que se porta mal. O nosso muito estimável Presidente Sampaio inaugurou um protocolo patusco, ao ir a correr a Estocolmo assistir à cerimónia de entrega do galardão a Saramago. Confesso que não sei de nenhum outro chefe de Estado que o tenha feito. E o festejadíssimo ensaísta Eduardo Prado Coelho, exultando naquela glória só equiparável à dos descobrimentos, avisou a comunidade crítica de que, de ali em diante, quem se atrevesse a criticar Saramago, “levava”.

Num Professor universitário veneradíssimo, numa jovem democracia que nos deu finalmente a liberdade, esta rejeição de qualquer crítica por causa de um prémio, explica muita coisa que aconteceu em Portugal, depois da queda da primeira república. Em vez de incentivarmos o saudável espírito crítico, promovemos a idolatria. 

Tem-se visto isso com os vários gurus de serviço, como foi, por exemplo, a vergonhosa figura feita pela nossa intelectualidade, durante toda a vida de Eduardo Lourenço e, particularmente, por ocasião da sua morte. Aquilo não era admiração, era pura adoração bacoca. Fazerem de um homem que nunca foi filósofo o mais genial deles, na história da nossa cultura, tem que se lhe diga. Mas poucos, em Portugal, apreciam o grito “o rei vai nu!” 

Vou terminar, propondo um exercício interessante, a ver se nos tornamos um pouco mais sóbrios. Vou dar uma lista de laureados com o Nobel de Literatura, que estão hoje completamente esquecidos. Se algum dos meus leitores tiver lido um livro de algum deles, agradeço que mo diga. 

SULLY PRUDHOME                           FRANCÊS,                       1901
BJORSTJERNE BJERNSEN               NORUEGUÊS                  1903
JOSÉ ECHEGARAY                            ESPANHOL                      1904
RUDOLPH EUCKEN                          ALEMÂO                          1908
PAUL VON HEYSE                             ALEMÂO                          1910
WERNER VON HEIDENSTAM         SUECO                              1916
KARL ADOLPH GJELLERUP            DINAMARQUÊS             1917
HENRIK PONTOPPIDAN                  DINAMARQUÊS              1917
CARL SPITTELER                              SUÍÇO                               1919
WLADISLAW REYMONT                 POLACO                           1924
SIGRID UNDEST                                NORUEGUESA                1928
ERIK AXEL KARLFELDT                 SUECO                              1931
FRANS EEMIL SILLANPAA             FINLANDÊS                     1939
JOHANNES VILHELM JENSEN      DINAMARQUÊS              1944
NELLY SACHS                                   ALEMÃ                             1966
EYVIND JOHNSON                           SUECO                              1974
HERTA MULLER                               ALEMÃ                              2009
DUAS NOTAS: ter dado o Nobel a BJERNSEN, passando por cima de IBSEN foi uma das enormes gaffes deste famigerado galardão. Hoje ninguém encena BJERNSEN e IBSEN faz parte do repertório de todas as grandes companhias. A segunda nota: quando presidia à Comissão Nacional da UNESCO, fui à Finlândia. Passando por Helsínquia, fui a livrarias procurar livros do nobelizado em 1939: ninguém sabia quem era. 

E, MAIS, ao fazer esta lista, fui generoso: cabiam nela muitos mais.

Eugénio Lisboa

8 comentários:

c.eliseu disse...

É claro que li a poesia de Nelly Sachs, encontrável há 35 anos a edição portuguesa. Já Sully Prudhome achei em brasileiro nas velharias.

c.eliseu disse...

"Funcionários do irreal". Penso que na veneração a E. Lourenço pesou mais no tempo a coorte que incensou o discurso dele, anti-situação, no 1º Congresso Escritores 1975, com presença do Vasco Gonçalves. A partir de 07:54
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/1o-congresso-dos-escritores-portugueses/

Ildefonso Dias disse...

8 Julho de 1993 (Cadernos deLanzarote
)
"... o que muito me divertiu na longa lista dos compromissos que me esperam foi a informação de que «o pessoal da Embaixada Portuguesa está convidado» . Ora, o mínimo que se poderá dizer desse « pessoal» é que não se vê que tenha feito grandes coisas em benefício da cultura portuguesa, lá nas britânicas terras onde nos representa (ou rejeitam essas terras as urtigas lusitanas?). Enfim, esta viagem oferece-me, a par do resto, uma ocasião excelente para, sem abrir a boca, dar ao conselheiro cultural Eugênio Lisboa a resposta à pergunta que me consta ele ter feito, ainda não há muito tempo, a Alexander Fernandes, que foi ou continua a ser professor da Universidade de Estocolmo: « O que é que o Saramago tem andado a fazer depois dos poemas que escreveu?» Quando em Londres nos encontrarmos, Eugênio Lisboa não conseguirá fugir a ler nos meus olhos aquilo que durante todos estes anos não quis saber: « Andei a ganhar o prémio do Independent, senhor conselheiro...»"

Nota: Eugénio Lisboa nunca leu um livro do nosso Nobel Saramago. O «pessoal» a quem o nosso Nobel se refere é, Seixas da Costa, Lisboa, Rui Knopfli.

Eugénio Lisboa disse...

Não se deve citar, de um autor, os textos que o envergonham. Saramago, ao nunca ter pedido desculpas públicas, pelas atoardas que escreveu no texto citado pelo seu embevecido adorador, mostrou a falta de carácter que lhe era peculiar.. Mentia e,, depois de publicamente provado que tinha mentido, não era capaz de ter a hombridade de dar a mão à palmatória. Não há prémio nenhum no mundo que faça de um cobarde e de um mentiroso um HOMEM. Este senhor Ildefonso Dias, subserviente lacaio de senhores que nunca respeitei, também nunca teve o escrúpulo mínimo de ir ler as páginas 437 a 442, do 4º volume das minhas memórias, ACTA EST FABULA, que se encontram à venda nas boas livrarias. No capítulo intitulado O CASO JOSÉ SARAMAGO está lá a história inteirinha, que nunca foi desmentida. A boa justiça faz-se, ouvindo as duas partes e não só uma delas. Para a vergonha de Saramago ser completa, nem faltou a infamiazinha de insinuar que a embaixada de Portugal em londres não tinha "feito grandes coisas em benefício da cultura portuguesa" O que ele queria dizer é que eu não gastava o meu tempo todo a promover exclusivamente a obra dele. Mas, se fosse honesto, teria reconhecido que, embora eu não fosse um grande admirador dele, nunca lhe faltei com apoio e que até uma vez, depois de o King's College se ter recusado a recebê-lo para ali fazer uma conferência, a embaixada, para que Professor Luís Rebelo, que tinha feito o convite, não ficasse mal colocado, organizou, em poucas horas, com o apoio empenhado e eficaz do Conselheiro Seixas da Costa,, o evento na ampla sala de visitas da embaixada. Isto, para dar só um exemplo. Saramago também se esqueceu de muitas outras coisas. Felizmente, tive outros e melhores juízes do meu trabalho de dezassete esforçados anos, tanto do lado português (MNE, Ministério da Cultura e Fundação Gulbenkian), como do lado inglês: à minha frente, numa recepção dada pelo embaixador, um membro qualificado do Foreign Office declarou ao Ministro João de Deus Pinheiro que este tinha, em mim, o melhor conselheiro cultural, de todas as embaixadas acreditadas em Londres. Fica dito. Ao Sr. Ildefonso Dias, que tem passado a sua vida a pôr-se em bicos de pé, à minha custa, termino, dizendo, talvez com alguma pouca elegância motivada pelo cansaço, que a diferença entre um idiota e um idiota persistente é a persistência. Vá cantar para outra freguesia, escreva os seus próprios textos, se for capaz e deixe os meus sossegados, sem serem constantemente conspurcados pelos seus patéticos comentários.
Eugénio Lisboa .



Ildefonso Dias disse...

Se daqui a mil anos alguém tropeçar no nome de Eugénio Lisboa é porque estará a ler os Cadernos de Lanzarote.
Essa imortalidade é uma dívida impagável de Eugénio Lisboa para com José Saramago.
Sim, há um problema, é que Eugénio Lisboa está numa posição que não é invejável, e que ganhou essa dimensão de imortalidade com o Nobel da literatura do nosso Saramago.
Digo "nosso" porque José Saramago é povo.
Eugénio Lisboa não é povo.
Bento Caraça escreveu e cito de memória "Não se é povo ou elite consonte o berço em que se nasce".
Bento Caraça ensinava o que eram as falsas e deturpadas elites, essas que é onde se encontra Eugénio Lisboa.






Eugénio Lisboa disse...

Bento Caraça ensinou várias coisas que ID morrerá sem perceber. Lopes Graça, também. Marx, também (a maior parte dos comunistas portugueses ou nunca leu Marx ou leu-o travestido pela cartilha soviética).
Quanto aos Cadernos de Lanzarote são do mais insignificante e narcísico que há na literatura portuguesa. Eu teria vergonha de escrever um diário assim.
Eu sei que não sou imortal, mas isso não me apoquenta. Porém, prefiro ser esquecido a ser lembrado à boleia de um homem que me parece, em muitos e importantes aspectos, tão desprezível. Como escritor nobelizado, terá o destino de tantos outros como ele.. Só desejo que toda esta feira provinciana à volta do "nosso único Nobel", tenha a vida curta. Será sinal de que o nosso provincianismo está a diminuir. . Admiradores servis são a vergonha de qualquer meio intelectual que se queira adulto.. O Sr. ID devia aprender a argumentar, com cabeça própria, em vez de apenas citar argumentos de autoridade, que a lógica elementar considera despidos de validade. O seu mal é o de tantos autodidatas: metem os pés pelas mãos. Parafraseando o maroto do Gualdino Gomes,, eu diria que também fui autodidata, mas curei-me.
Eugénio Lisboa

Luís Fernandes disse...

Não conheci pessoalmente o tal Saramago.
Não conheço pessoalmente o sr. Eugénio Lisboa.
De ambos conheço o suficiente para saber quem desejo ter por companhia.
A baixeza, direi até falta, de carácter do «nobèlista» faz-me fugir dele com mais rapidez e para maior distância que o diabo da cruz!
Se a Eugénio Lisboa não lhe querem reconhecer a inteireza e nobreza de espírito que o caracterizam, basta a sinceridade e a lealdade com que cumpre a sua vida para eu o admirar e querer ter em companhia.
Com Eugénio Lisboa já somos dois a não perder tempo a ler saramaguices «nobèlizadas».
Dou-me melhor com a integridade do que com a perversidade.
E se alguma vez estou em desacordo com alguma parcela dos escritos de Eugénio Lisboa é pela saudável circunstância de se aumentar o conhecimento, também, pela controvérsia.
Hoje, subscrevo por inteiro o Post(al) de Eugénio Lisboa e os seus comentários.
M., dois de Agosto de 2022
Luís Henrique Fernandes

Eugénio Lisboa disse...

Caro Sr. Luís Fernandes, muito grato pelas suas palavras compreensivas e amigas. Não faz mal nenhum discordarmos uma ou outra vez, desde que estejamos de boa fé. A discordância é o melhor motor de arranque do conhecimento. Não a discordância pérfida, por razões ocultas de ideologia, mas a saudável discordância de espíritos que se estimam, mesmo quando divergem. Quando escrevo, nunca tenho andares baixos de segundas intenções ideológicas e vou direito ao que penso. O caracolear político dos profissionais das segundas intenções sempre me afrontaram,: tanto por razões éticas como estéticas.
Continuemos a fazer o melhor que soubermos, mesmo quando nos ponham no caminho pedras traiçoeiras , visando fins pouco claros. A clareza, como disse o filósofo, é a boa fé de quem pensa e a falta dela é a má fé de quem odeia o pensamento.
Fraterno abraço do
Eugénio Lisboa

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