Gabriel Plaza é um jovem espanhol de 18 anos. Neste mês de Junho foi notícia nos vários meios de comunicação social em Espanha por bons motivos: teve a melhor nota de acesso à Universidade, neste ano de 2022.
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O jovem, aluno da uma instituição pública (o colégio de S. João Baptista, de Madrid), obteve, ao longo do ensino secundário, uma média de 10 (a escala de classificação em Espanha é de 0 a 10) a todas as disciplinas, excepto a Educação Física, na qual teve um 9 no 1.º ano. Nos exames para acesso ao ensino superior obteve 10 a quase todas as disciplinas, só em Alemão não passou dos 9,75! Foi a melhor nota de ingresso, daí ter aparecido nas notícias, escritas e faladas, em vídeos, em conversas, em entrevistas várias (veja-se aqui, aqui, aqui, aqui. Os professores destacam a "sua forma de estar", "a sua inteligência", " o seu esforço e empenhamento".
Mas notícia foi, ainda mais, o curso que este brilhante aluno pretende seguir: não é medicina, nem engenharia, nem as mais modernas tecnologias. O jovem Gabriel quer seguir Humanidades, quer ingressar na Universidade Complutense de Madrid e estudar Filologia Clássica e, mais tarde, Filologia Hispânica.
Ora, foi este gosto tão “invulgar” por algo que parece não estar na moda, por uma carreira que não tem fama de ser lucrativa que espantou aqueles que o entrevistaram. Um jovem do século XXI, que não dispensa o seu tempo livre, que gosta de sair, de passear, de ouvir música, como qualquer outro da sua idade, afirma que a sua ambição é vir a ser professor de Latim, que do que mais gosta é de aprofundar os conhecimentos sobre a língua, e que foi esse gosto que o fez deixar as Ciências Sociais para entrar em Humanidades, porque adora traduzir textos de grego e de latim e aprofundar o pensamento filosófico. E, quando lhe perguntam por que razão quer seguir esse curso que “não tem saída”, responde que é melhor fazer aquilo de que gosta, porque a sua prioridade é “ser feliz”.
Então, numa época em que as Humanidades, o conhecimento da história e da filosofia, o pensamento crítico, a reflexão parecem fora de moda, num tempo virado para os valores económicos, o domínio da técnica, as declarações de Gabriel Plaza foram objecto de inúmeros comentários nas redes sociais. E Gabriel recebeu centenas de mensagens no twitter, centenas de comentários, muitos de encorajamento, de elogios, de felicitações.
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No entanto, neste mundo em que a educação parece estar ao serviço das empresas, em que se inculca nos jovens o gosto pelo sucesso a todo o custo, medido, essencialmente, pela posição social, pelos grandes ordenados, pelo empreendedorismo, Gabriel foi insultado, foi bombardeado com comentários que punham em causa as suas preferências pelo conhecimento, pelo estudo, pela reflexão.
Foram tantos e tais os comentários desagradáveis, que o jovem se viu obrigado e cancelar a sua conta no twitter, porque já não aguentava, porque entrara em ansiedade (ver aqui).
Isto devia fazer reflectir os que têm o poder e o dever de promover a educação dos nossos jovens, devia fazer pensar esses promotores de "técnicas" de aprendizagem que apelam ao mais fácil, à fuga ao esforço, "porque tudo está na net".
Até onde nos levará este desprezo pelo conhecimento, esta sociedade em que uma ignorância atrevida se arroga o direito de insultar os que querem sair dela, de considerar insensatos os que fogem da mediocridade e se afastam da torrente que pretende arrastar tudo e todos?
Tenhamos esperança em mais jovens como Gabriel Plaza, para que os sistemas educativos voltem a dar prioridade à formação humanística, a uma formação que ponha os valores humanos, a reflexão, o conhecimento à frente dos valores económicos e da sociedade de consumo.
2 comentários:
O trabalho de um professor, a função da escola pública (não confundir com escola em sentido amplo), a função de uma universidade, a função de um educador, de uma instituição de educação, religiosa, ideológica, científica, ainda são pensadas e entendidas e gizadas segundo moldes de proficiências providenciais, ou providenciadas, ou a providenciar, assentes em pressupostos que devem servir e reproduzir, porque é preciso trabalhar muito para que tudo continue na mesma, embora isto seja uma grande ilusão, porque nada continua na mesma.
Poderá um professor ensinar mais do que aquilo que sabe?
Ou um aprendiz aprender só aquilo que o mestre lhe ensina?
Nenhum aprendiz aprende só o que o mestre lhe ensina, nem tudo o que o mestre lhe quer ensinar.
A maior parte das vezes temos aprendizes que aprendem de inúmeros mestres.
Muitas vezes aprendem com os próprios pensamentos e com a própria sombra, com o eco dos próprios erros.
A questão é então sobre o que se pode e deve potenciar num processo que é inevitável porque é natural.
A base da educação e do ensino é a ideia de que se deve socializar e integrar o indivíduo num determinado sistema social e económico, político e religioso, de modo a torná-lo funcional e proveitoso para o sistema e para si próprio, evitando que ele possa vir a ser um problema para si próprio e para o sistema.
Parte-se da ideia geral e abstracta de que há princípios e valores em que todo o indivíduo deve ser educado e que, desde que os respeite, tem toda a liberdade para agir.
Entre esses princípios e valores estão a honestidade, o trabalho, o respeito, o jogo limpo, a solidariedade e o mérito.
Mas há toda uma casta de valores que, numa cultura de exacerbação da esperteza e da inteligência na viciação do jogo, para disso tirar proveito, não propriamente indevido, mas inacessível ao comum dos mortais, não fazem parte do cardápio de aprendizagens e de práticas institucionalizadas. Ou seja, a escola, a igreja, o tribunal, a catequista, o partido, o professor, o mestre-escola, as estruturas distribuidoras do sentido do dever, cumprem a função de ensinar e educar para as regras dos jogos, ou para as leis da natureza, mas dificilmente, ou nunca, ensinam e preparam para o jogo, para os negócios, para as posições de vantagens e como tirar desforço de um golpe do adversário.
O desfasamento da escola relativamente à vida é brutal quando de um lado da corda estão os mais nutridos e desinibidos traficantes/negociantes de milhões e do outro os anémicos e anacoretas alquimistas, ou lunáticos alfarrabistas.
E não estou a dizer que estes não sejam os activos realmente importantes para os negócios daqueles.
"Poderá um professor ensinar mais do que aquilo que sabe?"
Não. É impossível um professor ensinar aquilo que não sabe.
"Para ensinar há uma formalidade a cumprir - saber."
Eça de Queirós
No Portugal de Costa, Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues, a questão é toda outra:
O professor da escola EB1,2,3 + JI+ S, com Projeto Maia, está autorizado a ensinar?
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