"Hoje é um marco muito importante no processo de descentralização», afirmou o Primeiro-Ministro António Costa na cerimónia de assinatura do acordo entre o Governo e Associação Nacional de Municípios Portugueses para a descentralização de competências nas áreas da Educação" (ver aqui).
O que o Primeiro Ministro de Portugal disse no dia 22 deste mês, em Coimbra, na formalização do acordo de descentralização de competências em matéria de educação (e saúde) é verdade: essa formalização é um marco importante no futuro da educação em Portugal.
Mas não é por ser verdade que devemos ficar descansados, muito pelo contrário, devemos, antes, ficar substancialmente preocupados. Lembro que, no Ocidente, o progresso na escolarização obrigatória deveu-se substancialmente à centralização. Como todas as medidas também esta serviu/tem servido interesses (e mais do que isso) políticos, nomeadamente de afirmação de identidades nacionais (uma história, um território, uma língua, uma moral, por vezes, uma religião). Porém, também obrigou a abrir as portas da escola ao que vai além do contexto próximo, aspirando, em situações mais favoráveis, ao universalismo, ao cosmopolitismo que se havia constituído como marca da educação iluminista, moderna.
Sobre a centralização caiu, contudo, um anátema: o currículo centralizado talvez tivesse sido o objecto mais visado. Porquê ensinar isto ou aquilo a todos os meninos de um país, se na localidade tal e tal essa não é a realidade dos meninos?! Para que a aprendizagem seja "significativa" é preciso escolher o que é do seu meio social, do seu ethos, só assim faz sentido no seu quotidiano, na sua vida. Mais, ensinar o que cai fora destes limites constitui uma imposição cultural: uma cultura com poder impõe as suas opções a todas as outras culturas destituídas de poder.
As correntes da sociologia inglesa dos anos sessenta e setenta deram fundamento científico para a afirmação dos movimentos libertários que também tocavam a educação. As noções de aprendizagem contextualizada e de aprendizagem autêntica são dois dos seus derivados. Em vez de se proporcionar aos mais jovens (que estão na escola pública) a abertura ao mundo, através do conhecimento escolar, fecham-se em guetos, nos seus guetos.
O triunfo do neoliberalismo nos sistemas de ensino veio robustecer o discurso da regionalização: cada região tem as suas especificidades a que a escola, através do seu currículo, tem obrigação de dar resposta, a fim de potenciar a economia, a entrada no mercado de trabalho, etc.
Sem verem outro sentido à educação que não este, e fazendo dele uma certeza, os autarcas (atenuo, muitos autarcas) "chegam-se à frente" em matéria de decisão curricular. São eles (atenuo, a população que representam) que sabem, porque conhecem a região e as suas "forças vivas", as pessoas reais, o que se deve ensinar nas suas escola (atenuo, nas escolas) da sua autarquia.
"apelou para que o PS olhe para a "segunda fase" da descentralização de competências e permita que os municípios possam decidir sobre as matérias curriculares, à exceção das "disciplinas nucleares" (...) como a matemática e o português".
"há matérias que têm de ter um plano nacional (....) outras têm a ver com os nossos territórios que não são idênticos (...) havendo matérias que sendo nucleares, há outras onde seria bom que se pudesse especializar (...) cada município poderia 'especializar' os estudantes."
"agarrados a matérias do século XX"
5 comentários:
Faço lembrar que no mundo há trinta cidades com mais de trinta milhões de habitantes. Portugal quando comparado com os países mais populosos e, acima de tudo, mais ricos do mundo, não passa de uma pobre região situada no extremo ocidental da Europa. Quando fomos grandes, nos séculos XV e XVI, a língua que andamos a ensinar pelos quatro cantos do mundo era o Português. Também ensinamos a doutrina cristã, na versão católica apostólica romana. Se a regionalização do Costa for para a frente, passando as escolas municipais a acolherem a divulgação e promoção das idiossincrasias linguísticas e culturais de cada terrinha, talvez um dia vejamos o mirandês ou o barranquenho serem adotadas como línguas oficiais das Nações Unidas.
Errata: onde se lê "trinta milhões", deve ler-se "dez milhões".
Tolero a ignorância de RM, não é especialista. Mas já não tolero, aliás, repudio, o facto de RM ser letrado e não ter adquirido a melhor aprendizagem de todas, a reserva sobre aquilo de que nada sabe. A ignorância é quase sempre atrevida e os filhos da ignorância são capazes de produzir formas mais sedutoras de ignorância. Com gente assim nos lugares de decisão imagino o que para aí virá.
A "educação caiu na rua" e, portanto, quem tem poder (político, económico-financeiro, popular ou outro...), no sentido que Michel Foucault lhe deu, fá-lo valer e impõe a sua visão, os seus interesses, a sua crença, o que seja... A racionalidade e a razoabilidade são excluídas mas de modo tão sedutor que dificilmente se dá conta disso. É, pois, preciso, estudar, procurar saber mais e... argumentar. Fraca solução, dirão muitos. Sim, mas é a que os que dedicam à educação têm.
"A educação caiu na rua"
Quer dizer, saber Física Quântica não é mais, nem menos, é igual a saber fazer bacalhau com broa. Dito assim, até parece verdade, só que este ensino regionalizado tem com consequência inevitável o desenvolvimento científico de países como os Estados Unidos da América, ou a República Popular da China, e o definhamento cultural e científico, passe o pleonasmo, de países, como o radioso Portugal ou a República Dominicana, condenados, pelos ricos, a serem somente destinos turísticos.
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