sexta-feira, 29 de julho de 2022

"As pessoas ficam demasiado tempo no sistema educativo. Chegam muito tarde ao mercado de trabalho"

Por Gonçalo Coimbra
(Estudante de Doutoramento em Ciências da Educação)

Uma fundação recentemente criada, com sede em Portugal, que reivindica "responsabilidade social" na educação (mais uma!) apresentou, neste ano um relatório cujo título é nada menos que: "Estado da Nação". Concretizo: "Estado da Nação: Educação, emprego, competências".

Não poderemos dizer que o título seja modesto, como modesto não foi o convite para entrevistar ao Director para a Educação e Competências da "Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico" (OCDE). O título da entrevista é esclarecedor:

"Uma educação nunca é apenas uma missão governamental"

Não é subtil a proposta de afastamento do Estado na educação escolar pública em favor... da participação de fundações (ancoradas em empresas), como é o caso.

Para se perceber melhor o sentido do título, transcrevo a mencionada entrevista, conduzida pelo presidente executivo da fundação e sublinho os aspectos que me parece de maior relevo.

Pergunta: É muito importante a sua presença para discutirmos o Estado da Nação e também o que Portugal pode fazer para aumentar o nosso posicionamento em termos de educação e aprendizagem ao longo da vida. Uma das coisas que concluímos com o nosso relatório é que, com a Covid-19, houve perdas na educação que podem impedir ou dificultar muito a transição para o mercado de trabalho. O que tem visto noutros países e quais seriam as suas recomendações de coisas que devemos fazer aqui em Portugal para superar essas dificuldades? 

Resposta: Portugal não está sozinho. Temos visto em todos os países que os jovens que não tiveram acesso aos conteúdos ou que aprenderam por eles próprios, jovens que não tiveram acesso a meios digitais alternativos, outros que talvez não tenham tido um grande sistema de apoio em casa para os ajudar com os estudos, todos esses jovens ficaram muito para trás durante a pandemia. Portanto, esta pandemia aumentou muito as desigualdades já existentes nos nossos sistemas educativos, mas também acelerou uma verdadeira inovação. Jovens capazes, alunos criativos, que criaram estratégias de aprendizagem eficazes, que encontraram os seus próprios recursos de aprendizagem. Temos visto muita inovação tecnológica na educação. Entendemos que a aprendizagem não é um local, mas uma actividade, que as pessoas podem ganhar mais autonomia e poder de decisão sobre o que aprendem e como aprendem e quando aprendem e onde aprendem. Mas em geral as disparidades aumentaram entre os países. O mais importante agora é ajudar aqueles que perderam aprendizagens, para recuperar o atraso. Pode existir um suporte adicional, uma tutoria, mas também oportunidades de um ensino mais personalizado. A pandemia mostrou-nos que uma abordagem única para todos não está de acordo com as necessidades de muitos alunos. (…) Devemos ter como objectivo uma abordagem individual e mais personalizada à aprendizagem. Talvez também tenhamos de pensar em locais de aprendizagem diferentes. Estamos fixados na escola ou na universidade. Acredito que temos de pensar numa gama mais ampla de oportunidades e ambientes de aprendizagem. Isto é crucial, se perdermos esses alunos por muito tempo, eles não voltarão. Acho que temos uma janela de oportunidade limitada para fornecer esse apoio. 

Pergunta: Uma das coisas que concluímos é que a transição para o mercado de trabalho durante a pandemia de pessoas que estão agora a terminar a sua formação em escolas ou universidades diminui em Portugal. Portanto há mais pessoas que não conseguem emprego após três anos de formação. Viu esta tendência noutros países? E o que deve ser feito para mostrar às pessoas que a educação é fundamental para o seu futuro? 

Resposta: A pandemia provavelmente apenas acelerou esse desenvolvimento. O mercado de trabalho está a tornar-se mais complexo em todo o lado. Exige um conjunto mais amplo de conhecimentos, competências, atitudes e valores. A pandemia acelerou essa transição, tornando ainda mais difícil para os jovens que não podem competir em experiência, que não têm uma boa rede de contactos. Mas isto significa que temos de redobrar os nossos esforços para dar um melhor apoio aos nossos jovens, para que eles possam entender as oportunidades do mercado de trabalho. O mercado de trabalho é complexo hoje. Temos de dar melhor apoio às carreiras, uma melhor orientação profissional, para construir essa ligação entre o conjunto de competências que as pessoas trazem com elas e as oportunidades que existem. 

Pergunta: No que concerne à aprendizagem ao longo da vida assistimos a uma evolução positiva em Portugal, em termos de indicadores, mas há uma lacuna que está a aumentar. Isto é, as pessoas menos qualificadas estão a apostar menos na aprendizagem ao longo da vida e por outro lado as pessoas mais qualificadas são as que estão a investir mais na sua formação. Ainda temos um país que, apesar dos bons desenvolvimentos em termos de redução de pessoas pouco qualificadas no mercado de trabalho, tem muitos desafios pela frente. Qual é o papel das empresas e o que deve ser feito em Portugal para aumentar a capacidade para proporcionar a aprendizagem ao longo da vida aos nossos cidadãos? 

Resposta: Essa tendência também não é exclusiva de Portugal. Vemos nos países da OCDE que os indivíduos com maiores habilidades, mais competências, na verdade continuam a aprender muito mais intensamente. Enquanto que aqueles que realmente precisam dessa aprendizagem ao longo da vida, geralmente não recorrem a ela. Este é um padrão geral, mas as empresas podem fazer muito. Bons locais de trabalho devem ser sempre bons locais de aprendizagem. E a economia favorece as empresas que investem na formação contínua dos seus funcionários. Não se trata de prolongar os estudos. Aliás, eu diria que esse é um dos problemas de Portugal. As pessoas ficam demasiado tempo no sistema educativo. Chegam muito tarde ao mercado de trabalho, em vez de verem o local de trabalho como um local de aprendizagem contínua, onde continuo a normal progressão da minha carreira. No longo prazo, eu diria que as pessoas em vez de acumular diplomas, deveriam receber um budget para poderem decidir o que aprender, onde aprender melhor e qual o melhor momento da sua vida para apostar na formação. (…) 

Pergunta: Isso é uma perspectiva importante. O nosso país é muito pressionado em termos de produtividade, e a produtividade das nossas empresas até aumentou um pouco nos últimos anos, mas estamos a divergir da média da EU. Portanto, no Estado da Nação também fizemos um estudo sobre a relação entre educação, ou os níveis mais altos de educação, e a produtividade e não verificámos os efeitos de ter uma população mais qualificada, em termos de jovens, e esse mesmo impacto na produtividade do país. Tem visto esses paradoxos noutros países da OCDE? Tem alguma ideia de como podemos resolver este problema? 

Resposta: A produtividade está sempre relacionada com duas questões: as competências que cada um tem e quão bem a economia extrai valor dessas competências. Ou seja, tornar as melhores competências em melhores empregos e consequentemente em melhores vidas para as pessoas. E não é, reafirmo, uma questão de diplomas formais. Trata-se de ter as competências certas. As competências que realmente transformam as economias e as sociedades. Portugal ainda é um país muito focado nas habilitações e diplomas, acumulados em formações abstratas de longa duração. O que importa para a produtividade é saber as competências que realmente podem transformar as realidades e ter empresas que efectivamente são capazes de transformar competências em bons empregos. Esta combinação é extremamente importante para a produtividade. É uma questão de construir esse CAPITAL HUMANO e investi-lo bem e usá-lo bem. Portugal ainda pode aprender muito nestes dois aspectos. Não resolve por ter mais pessoas a estudar por mais tempo. 

Pergunta: E a produtividade é fundamental para ter salários mais altos e, como tal, ter mais qualificações, mais educação, compensa. Em Portugal verificamos que os salários não aumentaram na última década, excepto para pessoas muito pouco qualificadas. Qual é a sua mensagem para isto? O que é que as pessoas precisam de estudar? Pois essa é a única maneira de aumentar o elevador social em países como Portugal. Qual a sua opinião quanto à redução dos retornos da educação em países como Portugal? 

Resposta: Sim, os salários são sempre o resultado da produtividade. Não se pode aumentar os salários sem melhorar a produtividade. (…) Vimos em muitos contextos a estagnação da produtividade. Existem algumas empresas que são realmente muito boas na linha da frente, reconhecendo o potencial humano e as competências, resultando numa grande produtividade. Por outro lado, existe ainda um vasto universo de empresas que não mudaram a sua maneira de operar. (…) As economias precisam de melhorar e escalar esta vertente. Mas não vão consegui-lo sem ter como base as competências certas. Os salários são a consequência disso e não a causa. 

Pergunta: Mas os salários são fundamentais para que as pessoas entendam que adquirir as competências certas lhes permitirá uma vida melhor no futuro. 

Resposta: Sim, isso é uma conclusão geral que retiramos em toda a OCDE. A ligação entre competências, salários e emprego é muito forte. Quando assistimos a uma quebra dessa ligação, como no caso de Portugal, temos de nos questionar se as pessoas estão a aprender as coisas certas. Por vezes acumulam diplomas que na verdade não têm um efeito concreto no mercado de trabalho. 

Pergunta: E isso significa também que não é apenas uma responsabilidade dos governos, mas também das empresas e de todos nós como indivíduos. 

Resposta: Sem dúvida. Como governo questionem-se se estão a apostar na duração dos estudos ou se estão a aumentar o valor das competências, se estão a fornecer o tipo de conhecimento e competências que realmente importam para os resultados económicos. Como empresas questionem-se se estão a tirar o máximo partido do talento que possuem. As pessoas estão efectivamente nas posições onde podem usar o seu potencial máximo? Juntando estas duas coisas verão que as pessoas com melhores competências receberão melhores salários. Onde não existe essa ligação entre educação e salários, geralmente algo está errado com a educação ou com o local de trabalho que não usa o talento da melhor forma.

1 comentário:

Anónimo disse...

A questão central deveria ser:
Ensinar e aprender o quê?
Quando havia alguma lógica na organização dos serviços educativos, antes e depois do 25 de Abril, ensinava-se o que era necessário aprender para se poder vir a ser ser médico, advogado, engenheiro, arquiteto, entre outras profissões de topo, ou então ser professor do liceu, a saída profissional mais vulgar e garantida por defeito a todos os licenciados de todos os cursos universitários.
Atualmente, arredou-se a lógica da organização dos serviços educativos e, consequentemente, eles passaram a prescrever que não é necessário ensinar, basta aprender um bocadinho, para poder vir a ser médico ou advogado, e acabaram com os professores do liceu, equiparando-os a educadores de infância, por força da extinção legal da função profissional de ensinar.

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