Foi publicada hoje, nas Cartas ao Director, no jornal Público, esta minha carta que reproduzo textualmente:
"Segundo Eça, “fora da observação dos factos e da experiência dos fenómenos, o espírito não pode obter nenhuma soma de verdade”.
Por esse motivo não posso deixar de estranhar que este historiador fundamente uma mera opinião no testemunho de Vasco Lourenço, que disse tê-lo conhecido bem, assegurando que ele (Marcelino da Mata) “cometeu crimes de guerra” como se a Guerra do Ultramar tivesse sido uma troca de galhardetes, de boas maneiras e de bouquets de rosas. É bem certo que a visão dos acontecimentos depende da óptica de quem os observa.
Assim, por exemplo, o 25 de Abril coincidiu com o facto de os oficiais saídos da Academia Militar serem preteridos por oficiais milicianos nas respectivas promoções [ em acrescento meu, em perspectiva diferente, para pôr fim à guerra colonial].
Limitei-me a narrar alguns factos que vivenciei, testemunhados por milhares de pessoas: as mortes de civis moçambicanos barbaramente assassinadas depois de 25 de Abril perante a passividade do nosso exército que tinha ordens superiores para não intervir em defesa de cidadãos indefesos.
Ou seja, cada moeda tem duas faces: a minha face não tem a responsabilidade de quem está habilitado a fazer história, apenas a de quem relata factos referenciados com testemunhos pessoais".
7 comentários:
Transcrevo o Testemunho Esclarecedor do médico dr. Adão Cruz, publicado no blogue "Jardim das Delícias":
https://jardimdasdelicias.blogs.sapo.pt/marcelino-da-mata-adao-cruz-1106711
"Gostaria de ser o mais sucinto possível. Ninguém me fale da guerra se a não viveu. Todos sabemos que uma boa parte dos enviados para o dito Ultramar foram passar um período de férias, conhecendo a guerra apenas pelo que ouviam. Mesmo na Guiné. Quem, como eu, esteve sempre na frente e no coração dos conflitos, apesar de correr menos riscos pelo facto de ser médico, tem direito a uma palavra sobre esta polémica dificilmente tragável.
Nas terras onde estive, tornei-me amigo de toda a gente, desde os militares às milícias nativas agregadas ao exército português e às populações locais. Eu amava aquela gente e sei que me amavam. Quem me conhece sabe, através da minha escrita e dos meus testemunhos públicos e privados que isso é verdade. Eu amava aquela gente e aquele povo, que não era a minha gente nem o meu povo, mas a gente e o povo de Marcelino da Mata. Não vou aqui relatar as provas por muitos amigos conhecidas, do afecto com que aquele povo me retribuiu o amor que lhe dei e que ainda hoje é uma força vital que me enche o peito e nunca morreu.
As milícias negras locais, como todos sabem, faziam parte das nossas Companhias e lutavam ao lado do exército português, como Marcelino da Mata. Fui amigo de muitos deles, tratei-os e tratei as suas mulheres e filhos com todo o carinho. Um deles, que me lavava a roupa e limpava o quarto, foi sem dúvida um dos meus maiores amigos da Guiné. Muitos deles eram soldados intrépidos e corajosos, mas eu não os admirava. Tinha pena deles, pela sua incapacidade de reconhecerem quem era o seu verdadeiro inimigo, tinha pena deles por não os ver ao lado de Amílcar Cabral, Titina Silá, Nino Vieira e tantos outros que lutavam pela mais justa das causas que era a libertação do seu povo. E tinha pena dos nossos militares, não só dos que nada sentiam de patriótico ao saberem que foram para ali empurrados para defenderem uma coutada da Cuf e da Casa Gouveia, mas também daqueles que cometiam atrocidades e andavam com colares de orelhas ao pescoço, e ainda daqueles que arriscavam corajosamente a vida por um dever que lhes fora inculcado na cabeça, a defesa da soberania.
Eu não queria que os nossos homens morressem. Sofri muito com as perdas dos nossos soldados e oficiais, alguns meus grandes amigos, incluindo o meu colega de quarto, mas nunca fui capaz de culpar os guerrilheiros. Sempre culpei Salazar e o Estado Português. E confesso que também sofria e ficava muito triste quando havia perdas do lado do “inimigo”. Ansiando sempre que não houvesse mortos e feridos nas diversas operações, quer de um lado quer de outro, o meu coração triste lá ia sorrindo à medida que eu me ia convencendo de que a guerra estava mais do que perdida.
Eu amei muito e ainda amo a gente e o povo que não era a minha gente e o meu povo, era a gente e o povo de Marcelino da Mata, a gente e o povo que Marcelino da Mata matou e atraiçoou. Nem mesmo retirando-lhe, se possível fosse, as chacinas e atrocidades que cometeu, mais monstruosas do que as de muitos brancos, se poderia pensar em chamar-lhe herói. Deixo à vossa consciência as conclusões que quiserem retirar desta minha pura e sincera confissão.
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por Augusta Clara às 13:48
Todas as moedas têm duas faces, logo as opiniões sobre Marcelina da Mata não são coincidentes. Na altura era ele português lutando por um causa em que acreditou como acreditam os que creem na sua folha de serviço como aqueles que a põem em dúvida. Aliás a historia é plena de contradições. O seu testemunho, que respeito, como respeito os outros testemunhos são muito recentes e como se sabe a história, e não estórias, precisam do cadinho do tempo para se cimentarem. Se é se algumas se virão a cimentar. Haja em vista, a mero exemplo, a História de Portugal, vista sob a óptica de José Hermano Saraiva e de Fenando Rosas!
"Num" vale a pena comentar tão desconexada resposta!...
Pela óptica de M- Pinto, e de outros que por aí andam a «agredir» M. da Mata depois de falecido, D, Nuno foi um traidor e os seus irmãos é que estavam certos e os Filipes é que tiveram razão e todo o direito de serem o I, II, III!....
Quanto a «Todos sabemos que uma boa parte dos enviados para o dito Ultramar foram passar um período de férias, conhecendo a guerra apenas pelo que ouviam», estou em pleno acordo.
Eu estive LÁ (65-68), mas nunca gozei férias!
Cordialmente
Luís Henrique Fernandes
Há mais faces neste "debate" em torno de Marcelino da Mata do que as duas da moeda. É essa visão redutora, chamemos-lhe assim, que inquina a conversa.
Quando Marcelino da Mata esteve preso e foi torturado pelo MRPP em 75 foi Dinis de Almeida, segundo comandante do RALIS e membro do COPCON (que equipara à PIDE) que o "safou" da situação. Não há ópticas diferentes, há pessoas, que como tal vivem as mais variadas situações que, em grande medida, escapam ao seu controle.
"Tudo vale a pena quando alma não é pequena" Quando alma é pequena, (em citação sua)"não vale a pena comentar tão desconexa resposta". Assim seja, portanto, mas é pena!!!
Aliás, é bem certo que as situações variam conforme a óptica com que são vistas! Quanto mais polémicas, elas são mais susceptíveis de serem percepcionadas! Por mais que se queira elas são assim e assim continuarão!
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