quarta-feira, 8 de abril de 2020

LIDERANÇAS EM TEMPO DE CRISE


Santana-Maia Leonardo escreve sempre com muita inteligência e graça (as duas coisas combinam!) sobre a falta de liderança em tempos como a da actual crise. Transcrevo este passo da crónica dele nas Beiras de hoje:
"(...) Os medíocres são invencíveis porque são a maioria. Disso ninguém duvida. Em todo o caso, os medíocres, apesar de serem a maioria, dividem-se em dois grandes grupos: os inteligentes e os carapau-decorrida. Qual a diferença? É que os medíocres inteligentes valorizam as pessoas que são mais inteligentes do que eles, enquanto os carapaus-de-corrida têm-lhes um ódio de morte, desenvolvendo uma inveja doentia, ao ponto de ficarem mais satisfeitos com o mal dos outros do que com o bem próprio. Por esta razão, dizia Bernard Shaw, com uma certa graça, que “a democracia é um mecanismo que garante que nunca seremos governados melhor do que aquilo que merecemos.”  
E, se há alturas onde é essencial ser liderado pelos melhores (os dotados da sabedoria da coruja e da visão do falcão), é precisamente nas épocas de guerra, de grandes calamidades e de pandemias. Nem populares, nem populistas, precisamente os dois tipos de políticos que os carapau-de-corrida mais apreciam: os primeiros porque lhes dão palmadinhas nas costas e os carapaus-de-corrida tornam-se todos dengosos, quando algum senhor presidente do que quer que seja lhe dá uma palmadinha nas costas ou os elogia; os segundos porque têm a desfaçatez de dizer do alto do seu púlpito as atoardas que os carapaus-de-corrida dizem nas redes sociais e nas mesas de café. "
Conclui dizendo que dos líderes actuais só confia em Angela Merkel. Bem o percebo, pois, mostrando a formação científica que tem (é doutorada em Química Teórica), foi das poucas a avisar da possibilidade real de a epidemia apanhar milhões de pessoas. Certo é que a Alemanha realizou a devida preparação e deve ser em boa parte por isso que apresenta tão baixa taxa de letalidade.

Nem vale a pena falar de Trump e Bolsonaro: são ambos casos perdidos. São dois líderes profundamente ignorantes, que não se tornam credíveis por ir emendando a mão à medida que a epidemia avança. Nos EUA está a ser uma tragédia que podia ter ser sido em parte evitada e no Brasil ainda não é uma tragédia, mas pode vir a ser. O gesto da Casa Branca de encerrar o tráfego aéreo com a Europa sem dizer nada a Europa diz tudo sobre a má criação, que acresce à atrevida ignorãncia. Nem falo de Boris Johnson, que é um pouco diferente (por ter alguma formação), acima de tudo porque está agora numa situação pessoal difícil.

Mas falo da Europa e é óbvio que falta liderança na Europa. E essa falta não se revela apenas no caso das "coronabonds", que não sei se são a melhor solução, por pouco saber dos mecanismos da economia (parece-me claro que não há ponto sem nó, pelo que uma dívida mutualizada obrigaria,  bem ou mal, à perda da margem de autonomia dos estados). Mário Centeno à frente do Eurogrupo revela-se incapaz de obter uma solução concertada e rápida. É acima de tudo a incapacidade ou falta de vontade de solidariedade no terreno, a de colaboração prática nas situações mais críticas na Itália e em Espanha. Esta crise está a por à prova a Europa e não sei - ninguém sabe - qual via ser o resultado do ponto de vista político.

E em Portugal como vai a liderança? Perguntou-me outro dia um jornalista e eu respondi que confiava minimamente no governo e gostaria de confiar mais, pois estou muito longe de confiar ao máximo. Não falo do Presidente da República, que de início se revelou atrapalhado por ter falhado o grande meio de comunicação que ele tinha - os afectos - e que está ainda à procura do seu lugar na nova situação. Falo do governo, que é quem tem responsabilidades executivas. É natural que António Costa tenha subido nas sondagens depois de ter usado a palavra "repugnante" sobre a atitude de um ministro holandês. E subiu também, à custa dessa única  palavra, a sua cotação na Europa do Sul (na Europa toda, não sei). Como o discurso manda na política, essa palavra anulou internamente a sua boutade que no SNS não faltava nada e nunca faltaria, uma rotunda inverdade.  Mas o governo esteve bem no lockdown atempado - algumas Universidades como a minha foram nisso pioneiras (nisso o Reitor de Coimbra tomou a atitude certa  no momento certo) e ainda bem. E esteve muito bem na medida que tomou de acolher com plenos direitos os estrangeiros que já que estavam (teve um tremendo azar e da medida ter sido quase contemporânea do putativo assassinato no aeroporto de um ucraniano por inspectores do SEF, um acto que devia ter tido uma reacção mais enérgica do ministro respectivo). A pandemia em Portugal tem tido menor impacto devido às medidas preventivas, para além de factores naturais como a nossa posição periférica: temos 18 dias de atraso de Itália e 10 de Espanha, pelo que podemos aprender com eles e fazer os devidos preparativos.

Mas o governo não está bem em tudo. O estado de emergência não impede de modo nenhum a liberdade de opinião. É óbvio para praticamente todos que a ministra da Saúde marta temido não incute confiança. Já não incutia antes e agora muito menos. Vai dizendo umas coisas num tom que não leva minimamente  à empatia e adesão. O seu discurso, particularmente em entrevistas, é bastante frouxo para não dizer pobre. O  secretário de Estado da Saúde, que é médico, faz melhor serviço, pelo menos fala com maior conhecimento de causa, embora sempre com excessivo tacto político. A Directora Geral de Saúde  Graça Freitas também tem algum conhecimento de causa, mas percebe-se que fala com excessivos cuidados políticos: o seu discurso, sempre cuidadoso, foi evoluindo a partir de uma quase minimização do problema. Os boletins de situação deveriam ser mais claros. Deveria haver recomendação de máscaras ptambém curioso como o discurso das autoridades de saúde chame a atenção para umas coisas e ignore outras, bem mais evidentes.

E é também curioso que quase nunca ninguém responsável admita falhas e peça desculpas.  E houve falhas graves, como a da duplicação dos números do Porto. Não percebo porque é que os participantes em conferências de imprensa não respondem cabalmente às questões dos jornalistas. Por que é que estes não replicam quando as perguntas objectivas ficam objectivamente por responder ?

Os outros ministros estão mais ou menos desaparecidos. A estrela das finanças Mário Centeno está internamente decadente, pois o seu sonho de um superavit desvaneceu-se da noite para o dia assim como provavelmente o seu sonho de ir para o banco de Portugal, O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que já andava apagado, agora apagou-se ainda mais. Vai a reboque dos acontecimentos, desde o fecho das universidades até à realização de testes por uma rede da comunidade científica e ao fabrico por impressoras 3D dos necessários equipamentos de segurança. Ninguém percebe o que o ministro anda a fazer: há uma comunidade científica em Portugal que não está a ser devidamente aproveitada. Os cientistas pediram dados sobre as vítimas do COVID, depois de devidamente anonimizados, e ainda hoje estão à espera.

Quanto a lideranças locais: sobressai o Presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, que ajudou na logística da testagem, preparou rapidamente um hospital de campanha no pavilhão Rosa Mota e falou forte quando a DGS colocou espuriamente a necessidade de um cordão sanitário no Porto (que, embora muito diferente, fez lembrar a reacção popular aos cordões sanitários na peste bubónica  no Porto em 1899).  Mal, muito mal, tem estado o Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Manuel Machado, que impede a participação por teleconferências nas reuniões municipais. O executivo de Coimbra, uma geringonça mal amanhada entre o PS e o PCP, está ainda na Idade da Pedra quando à sua volta o mundo já vai na Sociedade do Conhecimento. A Câmara de Coimbra tentou montar um centro de testagem junto ao rio Mondego e falhou rotundamente: existe um sítio sinalizado, mas nem funciona nem se sabe ao certo quando vai funcionar. A incompetência da Câmara é tanta que ela, pela voz dos seus dois maiores responsáveis, sacode a água do seu capote, dizendo que a culpa da falta de testes é do ministério da Saúde, curiosamente da sua própria área política (mais, a ministra da Saúde é de Coimbra!). Quer dizer o PS de Coimbra diz que o PS nacional é incompetente, sendo claro para todos que a sua incompetência é a maior de todas. Em Coimbra existe conhecimento na  Universidade (e também no Politécnico), mas a cidade revela-se, por falta de liderança política, incapaz de o levar às populações.

Razão tem Santana-Maia Leonardo. O mundo está cheio de medíocres, uns minimamente inteligentes -  que reconhecem que são medíocres - e outros meros carapaus-de-corrida. Em Portugal vemos, infelizmente, demasiados medíocres e, dentro destes, demasiados carapaus-de corrida. Salvador Dali dizia aos jovens pintores:
"Se sois medíocres, mesmo que vos esforceis por pintar muito, muito mal, notar-se-á que sois medíocres". 

1 comentário:

+++ disse...

https://www.youtube.com/watch?v=LCQjrW0ofRE

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