Com a devida vénia ao autor e ao jornal, transcrevemos o artigo do empresário Henrique Neto publicado no Diário de Coimbra em 18/11:
No recente debate no
Parlamento com o
Primeiro Ministro os
dois temas principais
em discussão, o salário mínimo e
a questão do insucesso escolar
introduzida por Rui Rio, deveriam ser tratados como um único
tema. Infelizmente, nem o Governo nem as oposições têm uma
estratégia global para o País e tratam os assuntos sem perceber as interações
existentes. Senão vejamos.
Sempre defendi o aumento do salário mínimo e sempre escrevi que a limitação posta
para esse aumento é a existência em Portugal
de uma economia dual, que não existe na generalidade dos outros países com os quais
concorremos, nomeadamente os da antiga
cortina de ferro. Por outro lado, há vinte anos
que tento explicar que a causa de metade da
economia portuguesa ser uma economia de
mera sobrevivência e não competitiva internacionalmente, resulta da baixa
qualificação de metade dos portugueses. Como ninguém no Parlamento usou esta formulação
para debater os limites do salário
mínimo, nem o Governo nem os
deputados compreenderam que
o insucesso escolar não tem solução, com ou sem passagens de
ano de forma administrativa,
porque o problema da ignorância só pode ser resolvido nas creches e no préescolar de qualidade, com alimentação, transporte e educadores qualificados.
No debate, foi aliás patética a forma como o
Primeiro Ministro defendeu a inexistência de
chumbos até ao nono ano, justificando-o com
os estudos internacionais existentes, sem perceber que nenhum outro país europeu tem níveis tão baixos de qualificações como Portugal. Ou seja, em Portugal o elevado insucesso
escolar resulta das crianças das famílias muito
pobres chegarem ao ensino obrigatório, aos
seis ou sete anos, com muito menos qualificações do que os seus colegas oriundos das famílias das classes média ou média alta e que
uma grande parte dessas crianças pobres fica
definitivamente marginalizada e a alimentar a
metade pobre da economia, sem fim à vista.
Temos portanto uma ligação umbilical entre os salários dos trabalhadores e o nível das
suas qualificações, em que na metade da economia mais competitiva o salário mínimo de
750 ou 850 euros é possível e desejável, mas
na outra metade da economia, que tem uma
mera função social, poderá colocar em risco
muitas pequenas empresas ou, no caso de
muitos trabalhadores por conta própria, o salário mínimo não tem qualquer significado
porque já ganham menos do que os
600 euros.
Trata-se de uma equação, em que os primeiros anos de vida das crianças são determinantes para interromper o círculo vicioso da ignorância, que passa de geração para geração,
como a forma idónea de no futuro todos os
portugueses terem as qualificações suficientes
para haver apenas uma economia e deixarmos de avaliar por baixo o salário mínimo.
É trágico que tanto o Governo como as oposições não compreendam esta realidade, ou
seja, a relação umbilical que existe entre a
educação nos primeiros anos de vida das
crianças, com o seu aproveitamento escolar
posterior, nomeadamente as suas qualificações à entrada do ensino oficial, o insucesso
escolar e o baixo nível de qualificações de entrada em todos os ramos de ensino de cerca
de metade da população portuguesa. Aliás, se
perguntarmos a um professor universitário
mais velho sobre as qualificações dos alunos à
entrada na universidade, a resposta é invariavelmente de que em média estamos pior do
que há quarenta anos. É fácil de compreender
a razão: há quarenta anos muito poucos alunos de famílias pobres chegavam à universidade e a média era formada pelos filhos das
famílias de maiores recursos.
Em resumo, o debate feito na Assembleia da
República sobre o ordenado mínimo passou
ao lado da verdadeira razão de Portugal ser
um dos países mais pobres da União Europeia
e com um dos mais baixos níveis de produtividade. A causa é que também somos o país
com o mais baixo nível de escolaridade, cuja
razão principal reside na pobreza e na ignorância de metade das famílias portuguesas.|
Henrique Neto
terça-feira, 19 de novembro de 2019
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1 comentário:
Somos pobres porque não soubemos investir convenientemente o muito dinheiro e ouro que nos passou pelas mãos nos séculos XVI e XVIII. O grande desígnio nacional, até há bem pouco tempo, era expandir a santa fé católica por todo o mundo. A baixa escolaridade não explica tudo. Um país pode ter um alto nível de escolaridade e ser economicamente atrasado. Também é necessário saber o que se ensina e aprende na escola. Admito que os Jardins de Infância, propostos por Henrique Neto, deem uma grande bagagem cultural às crianças pobres que se preparam para entrar na escola primária, mas sem realizarmos o resgate do ensino secundário das garras dos corifeus da escola da flexibilidade e do sucesso absoluto, acabaremos, no fim da escolaridade obrigatória, por dar com os burrinhos na água, permanecendo, portanto, na cauda da Europa.
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