terça-feira, 19 de novembro de 2019

O DEBATE DA IGNORÂNCIA

Com a devida vénia ao autor e ao jornal, transcrevemos o artigo do empresário Henrique Neto publicado no Diário de Coimbra em  18/11:

No recente debate no Parlamento com o Primeiro Ministro os dois temas principais em discussão, o salário mínimo e a questão do insucesso escolar introduzida por Rui Rio, deveriam ser tratados como um único tema. Infelizmente, nem o Governo nem as oposições têm uma estratégia global para o País e tratam os assuntos sem perceber as interações existentes. Senão vejamos.

 Sempre defendi o aumento do salário mínimo e sempre escrevi que a limitação posta para esse aumento é a existência em Portugal de uma economia dual, que não existe na generalidade dos outros países com os quais concorremos, nomeadamente os da antiga cortina de ferro. Por outro lado, há vinte anos que tento explicar que a causa de metade da economia portuguesa ser uma economia de mera sobrevivência e não competitiva internacionalmente, resulta da baixa qualificação de metade dos portugueses. Como ninguém no Parlamento usou esta formulação para debater os limites do salário mínimo, nem o Governo nem os deputados compreenderam que o insucesso escolar não tem solução, com ou sem passagens de ano de forma administrativa, porque o problema da ignorância só pode ser resolvido nas creches e no préescolar de qualidade, com alimentação, transporte e educadores qualificados.

No debate, foi aliás patética a forma como o Primeiro Ministro defendeu a inexistência de chumbos até ao nono ano, justificando-o com os estudos internacionais existentes, sem perceber que nenhum outro país europeu tem níveis tão baixos de qualificações como Portugal. Ou seja, em Portugal o elevado insucesso escolar resulta das crianças das famílias muito pobres chegarem ao ensino obrigatório, aos seis ou sete anos, com muito menos qualificações do que os seus colegas oriundos das famílias das classes média ou média alta e que uma grande parte dessas crianças pobres fica definitivamente marginalizada e a alimentar a metade pobre da economia, sem fim à vista.

Temos portanto uma ligação umbilical entre os salários dos trabalhadores e o nível das suas qualificações, em que na metade da economia mais competitiva o salário mínimo de 750 ou 850 euros é possível e desejável, mas na outra metade da economia, que tem uma mera função social, poderá colocar em risco muitas pequenas empresas ou, no caso de muitos trabalhadores por conta própria, o salário mínimo não tem qualquer significado porque já ganham menos do que os 600 euros.

Trata-se de uma equação, em que os primeiros anos de vida das crianças são determinantes para interromper o círculo vicioso da ignorância, que passa de geração para geração, como a forma idónea de no futuro todos os portugueses terem as qualificações suficientes para haver apenas uma economia e deixarmos de avaliar por baixo o salário mínimo.

É trágico que tanto o Governo como as oposições não compreendam esta realidade, ou seja, a relação umbilical que existe entre a educação nos primeiros anos de vida das crianças, com o seu aproveitamento escolar posterior, nomeadamente as suas qualificações à entrada do ensino oficial, o insucesso escolar e o baixo nível de qualificações de entrada em todos os ramos de ensino de cerca de metade da população portuguesa. Aliás, se perguntarmos a um professor universitário mais velho sobre as qualificações dos alunos à entrada na universidade, a resposta é invariavelmente de que em média estamos pior do que há quarenta anos. É fácil de compreender a razão: há quarenta anos muito poucos alunos de famílias pobres chegavam à universidade e a média era formada pelos filhos das famílias de maiores recursos.

Em resumo, o debate feito na Assembleia da República sobre o ordenado mínimo passou ao lado da verdadeira razão de Portugal ser um dos países mais pobres da União Europeia e com um dos mais baixos níveis de produtividade. A causa é que também somos o país com o mais baixo nível de escolaridade, cuja razão principal reside na pobreza e na ignorância de metade das famílias portuguesas.|

Henrique Neto

1 comentário:

Anónimo disse...

Somos pobres porque não soubemos investir convenientemente o muito dinheiro e ouro que nos passou pelas mãos nos séculos XVI e XVIII. O grande desígnio nacional, até há bem pouco tempo, era expandir a santa fé católica por todo o mundo. A baixa escolaridade não explica tudo. Um país pode ter um alto nível de escolaridade e ser economicamente atrasado. Também é necessário saber o que se ensina e aprende na escola. Admito que os Jardins de Infância, propostos por Henrique Neto, deem uma grande bagagem cultural às crianças pobres que se preparam para entrar na escola primária, mas sem realizarmos o resgate do ensino secundário das garras dos corifeus da escola da flexibilidade e do sucesso absoluto, acabaremos, no fim da escolaridade obrigatória, por dar com os burrinhos na água, permanecendo, portanto, na cauda da Europa.

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