sábado, 23 de novembro de 2019

Portugal, o país da diplomocracia

A diplomocracia analisada filosoficamente, presta-se ao riso. 
Mas infelizmente é ´uma das características estruturais 
da sociedade portuguesa.
(António José Saraiva)

Na antiga URSS o operariado ganhava mais e usufruia de benesses maiores, comparativamente a quem se afobava em ter um curso universitário.

Curiosamente, logo após o 25 de Abril, indivíduos de fato macaco, só com saber de experiência feito, sentados de cravo ao peito, na Assembleia da República, lançaram os operários,cursados pelas escolas técnicas industriais para o fosso do descrédito em defesa de uma diplomocracia que tornasse todos os portugueses doutores, em inspiração dos nossos “hermanos”, em que um indivíduo engravatado é tratado por "dom" mesmo que não se evidencie por qualquer dom por menor que ele seja. Na chamada cidade dos doutores, em reminiscência de ser o único templo do saber universitário, quando o simples caloiro descia na estação de caminho de ferro, de capa e batina vestido, logo acorria pressuroso bagageiro que lhe transportava a bagagem, tratando-o por "senhor doutor" na intenção de engordar a gorgeta.

No Porto e Lisboa,  este simples uso e costume foi plantando e criando raízes também em  escolas superiores extramuros universitários. Entretanto, conviviam em harmonia e em respeito pelos respectivos estatutos os ensinos liceal e  técnico, quando foi extinto o antigo ensino técnico, defendido “à outrance”, em textos por mim subscritos e publicados, quando a  esquerda da Esquerda, já aburguesada por um sindicalismo tomado em suas mãos ávidas, ajoelhada à diplomacracia de “doutores da mula ruça” , de um dia para outro, em benefício próprio, ou de seus amados familiares, em apadrinhamento com pós de perlim-pim-pim, pelo Ministério da (des)Educação que transmutou um diploma de ensino médio, num bacharelato, ou não mesmo em doutoramentos, em universidades estrangeiras sem credibilidades e nacionais de vão de escada que proliferaram, quais cogumelos em terreno húmido, em desdenho de classes sociais anteriormente valorizadas por mérito próprio. Por exemplo, mecânicos que nos consertam o automóvel, carpinteiros que faziam as cadeiras em que nos sentamos, electricistas que nos iluminam o lar para não andarmos aos tropeções em noites em que os fusíveis se vão abaixo permitindo-nos continuar leituras interrompidas, etc, etc. 

E desta forma, a título de mero exemplo, passou a haver engenheiros formados por universidades no desemprego e diplomados pelos antigos e extintos cursos técnicos em empregos bem remunerados pela excelência do seu “know-how”! Isto em nome de estatísticas que nos colocassem a par de diplomas de ensino superior de países que paulatinamente se posicionarem em lugares de destaque académico sem o empurrão do facilitismo de um futuro venturoso para cábulas antes de serem tomadas medidas sérias que os não tornasse em “cadáveres adiados que procriam” (Fernando Pessoa).

O seja, gerações de analfabetos diplomados, segundo Francisco de Sousa Tavares, em crítica corrosiva, "dantes Portugal era um país de analfabetos, hoje de burros diplomados”. E num mundo sem chumbos no ensino básico, para diminuir as despesas do erário público, eu proporia que os pais dos recém-nascidos que se dirigem à conservatórias do registo civil para registarem os filhos que, simultaneamente, fossem outorgados aos seus rebentos uma carta de licenciatura para prosseguimento de estudos de forma a que, quando fossem capazes de ler a antiga cartilha maternal avançassem para o doutoramento em escassos meses, através de “Novas Oportunidades”.

Que diacho! Porque motivo complicar a vida dos jovens,  e  mais tarde menos jovens, gastando com o ensino básico e novos  oportunismo  dinheiros da fazenda pública retirando-o do âmbito de escolas sérias e a sério? Por vezes, o que é barato sai caro, mormente, quanto está em jogo a formação escolar dos jovens, homens de amanhã!

2 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

A diplomacracia, em Portugal, começou por ter os contornos de um poder e de um status que eram conferidos por uma espécie de "divindades" iluminadas cujo saber absoluto só era distribuído (não aleatoriamente) a conta gotas como um raro privilégio destinado a ser invejado e idolatrado pela esmagadora maioria dos ignaros, leigos e gentios dependentes das migalhas da soberba da sapiência.
Mas foram aparecendo uns tipos mais interessados em humanidade do que em vaidade, uns poetas e uns vencidos da podridão da vida venal, enraivecidos e revoltados contra a hipocrisia de uma ignorância arvorada em classe, virtude e divindade, que rejeitaram a sapiência por aspersão divina, como se houvesse mais do que um tipo de chuva, para além da que molha.
A instituição da diplomacracia não deve ter tido um grande sucesso, porque a democracia tratou de mostrar que há outros poderes.
Neste aspecto, o 25 de abril de 1974, foi o mais traumatizante para qualquer crânio formatado pelo Estado Novo.
Aqueles que nos tinham habituado a ir à escola e a considerar todos os outros analfabetos, iletrados, impreparados, rudes, labregos, perderam o poder e os novos "senhores" mandaram, com muita condescendência, os diplomas para as prateleiras dos museus e os diplomados para a reciclagem de um sistema que não sabe como reciclar diplomados, quanto mais analfabetos.
Na realidade, o que se mantém inalterável é a "cracia".
Já a composição por aglutinação... É do mais camaleónico que há.

Rui Baptista disse...

Obrigado por este seu comentário ( e outros) que me obriga a reflectir sobre pontos em que possamos discordar ou não; nunca gostei de ser do tipo Maria/Manel que vai com as outras.
E se Budas nos diz que "há uma ferrugem pior do que todas. chama-se: ignorância". Julgo eu que pior do que a ignorância é a petulância dos ignorantes que querem passar por crânios, crânios de escafandros muito grandes por fora, mas sem nada por dentro.

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Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...