“(...) tornar populações
economicamente úteis e politicamente dóceis
em relação aos interesses globais dominantes.”
L. Tikly, 2004, 174.
A medida de não "retenção" académica até ao 9.º ano de escolaridade, prevista no programa do actual Governo português, depois de forte, diversa e frequentemente "sugerida", para que os "agentes educativos" se habituem a ela, vai ser, de facto, implementada no sistema de ensino público, naquele que é (ou deveria ser) para todos.
A corroborá-la têm-se ouvido, no debate promovido pela comunicação social, pelo menos quatro argumentos:
1. As "evidências" científicas (face a "evidências" não há discussão!) fazem concluir que a "retenção" promove o insucesso académico em vez de promover o sucesso. Além disso, a "retenção" tem implicações psicológicas devastadoras;
2. Se motivados, atraídos, estimulados, acalmados... (não se trata de serem ensinados), todos os alunos têm sucesso em todos os momentos da sua vida escolar. Isto não me parece ser uma "evidência", é mais um desejo;
3. A OCDE "recomenda", a União Europeia "recomenda", a UNESCO "recomenda", até o Banco Mundial "recomenda"... isto ao nível das grandes e poderosíssimas organizações de âmbito macro, por cá, "recomenda" o Conselho Nacional de Educação, e muitas das entidades que nele estão representadas;
4. Nas entrelinhas, vai-se percebendo (e sabemos ser verdade) que se poupam milhões.
São, cada um à sua maneira, argumentos falaciosos (omito a explicação neste apontamento), que nada apresentam de novo (há mais de trinta anos que ouço o primeiro, o segundo e o quatro; o terceiro é mais recente). Mas, têm feito o seu caminho de afirmação e têm conseguido vingar, mais pela imposição do que pela razão. Estamos, não nos podemos esquecer, no campo político-financeiro destituído do sentido de justiça social, entre outros valores estimáveis.
Enquanto as pessoas comuns (como eu e, talvez, o leitor) discutem, para cá e para lá, medidas como esta, num patamar etéreo, elas vão-se consolidando em torno de um propósito global, muito bem pensado e melhor firmado, que nada tem a ver com o propósito da escola (melhor, com o propósito que alguns de nós ainda imputam à escola).
Temo que esse propósito seja o que Tikly, na senda de Foucault e de outros, enunciou em resultado da análise cuidada que tem feito a diversos sistemas de ensino públicos e que enunciei como entrada deste texto.
Enquanto as pessoas comuns (como eu e, talvez, o leitor) discutem, para cá e para lá, medidas como esta, num patamar etéreo, elas vão-se consolidando em torno de um propósito global, muito bem pensado e melhor firmado, que nada tem a ver com o propósito da escola (melhor, com o propósito que alguns de nós ainda imputam à escola).
Temo que esse propósito seja o que Tikly, na senda de Foucault e de outros, enunciou em resultado da análise cuidada que tem feito a diversos sistemas de ensino públicos e que enunciei como entrada deste texto.
Vale, pois, a pena ler o seguinte artigo deste autor: Tikly, L. (2004). Education and the new imperialism. Comparative Education. 40 (2), 173-198.
5 comentários:
Os quatro argumentos da "comunicação social", sejam eles falaciosos ou válidos, referidos por Helena Damião, em favor da "não retenção" até ao 9.º Ano, suscitam-me de imediato a questão:
- Porque não estender o sucesso educativo para todos aos ensinos secundário e superior, universitário e politécnico?
Indo mais longe do que a OCDE, António Costa, Primeiro-Ministro de um pobre país que outrora deu novos mundos ao mundo, abolindo para sempre todas as “retenções” académicas, entraria gloriosamente, com uma coroa de louros na cabeça, no Olimpo dos Deuses da Educação Universal. Na nova Universidade costista, passariam os que soubessem e passariam também os que não soubessem, chegando todos a doutores, atingindo-se assim a meta dos 100 % de sucesso académico, para bem de Portugal e dos portugueses, que dariam um grande salto em frente!
E porque não?!
A inserção das avaliações escritas e afins no programa de gestão não é nada inocente. Neste momento os directores já controlam bastante bem as reprovações , nem sei como há tantas. . Big brother .....
Enquanto as discussões sobre os problemas ocorrem sob a égide de uma suposta bondade estribada numa suposta racionalidade de uma suposta justiça classificativa e seriadora, não temos razões para pensar que aqueles que suspeitam de uma tramóia não sejam, no fim de contas, os mais devotos defensores dos princípios e do paradigma em que a mesma assenta.
Acaso alguma vez os sistemas de ensino, mesmo esquecendo a autocrática supremacia da Teologia, em tempos mais recuados, relativamente a todas as outras disciplinas, corporizaram os ideais de todos e a realidade de ninguém?
Sim, caro Leitor, porque não estender esta medida ao ensino secundário e ao superior? Saberá tão bem como eu que as insinuações se vão fazendo e não são de agora. Com isto, é evidente, que não estou a defender um sistema iníquo, de reprovações sem critérios, derivadas dos caprichos de professores da má vontade e com pior formação, mas há que pensar no que estamos a fazer em termos de formação das novas gerações, de igualdade de oportunidades sociais, e, não menos importante, de transmissão do conhecimento que está confiado à escola e de que o futuro precisa para que a civilização se mantenha e progrida.
Cordialmente,
MHD
Na verdade, não podemos ser inocentes ao ponto de pensar que as plataformas escolares com os registos de matrizes, testes, grelhas de correcção, pautas de avaliação, bem como a importação de dados para a administração central tem apenas e só intenções benéficas de apuramento de dados para melhorar o ensino e o sistema. O tratamento e a exposição dos dados podem, mesmo sem ser acompanhadas de qualquer interpretação, prestarem-se a interpretações consonantes com as políticas vigentes.
Cordialmente,
MHD
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