quinta-feira, 21 de novembro de 2019

"Platão em tempos de whatsapp"

Imagem recolhida aqui
No mais recente documento curricular para a Filosofia do Ensino Secundário, publicado em 2018 e designado por Aprendizagens Essenciais (10.º ano e 11.º ano), não consta a Alegoria da Caverna nem sequer se faz menção a Platão, seu autor. No Programa, homologado em 2001, o texto já não constava, mas Platão sim, pelo que muitos professores, seguindo uma certa tradição (penso que se pode chamar tradição) de ensino, exploravam-no. Têm-me dito que são cada vez menos esses professores e que o futuro não é promissor. 

Tenho dificuldade em entender o afastamento da escolaridade obrigatória (um longo percurso de doze anos) deste texto fundador da Filosofia, área de saber matricial do modo de pensar do Ocidente. É que, sem uma análise própria da Escola, mesmo que alguém com curiosidade leia a Alegoria, muito dificilmente compreenderá o seu sentido. Melhor, os seus sentidos, que ela tem vários: filosófico, político e pedagógico, pelo menos.

Em termos pedagógicos, sobressai o inestimável valor do conhecimento verdadeiro, bem como o esforço e a coragem que a sua busca necessariamente implica. O caminho para esse conhecimento é "rude e íngreme", diz Sócrates. Mas é o caminho que devemos ("devemos" no sentido de obrigação ética) percorrer. E, uma vez percorrido, mesmo com perigos e ameaças, devemos ajudar outros a percorrê-lo. Este é, pois, o desígnio do ensino, a tarefa dos professores.

E esta tarefa é tão premente na contemporaneidade como o era na antiguidade. Os meios que aprisionam o pensamento vão mudando (são, sem dúvida, diversos) mas o resultado é o mesmo: a alienação da pessoa e, de modo mais lato, das sociedades. 

3 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Hoje encontrei Platão, por acaso, ao falar de representações, a propósito de representações sociais, ao buscar um exemplo. De um cego a quem era pedido que descrevesse a mesa que eu estava a ver. A mesa. Um objecto físico, concreto e definido. Como outra coisa qualquer. A seguir, iria pedir-lhe que descrevesse um cego.

Anónimo disse...

Atualmente, em Portugal, e por imperativo legal, a "tarefa dos professores" é equivalente à tarefa dos educadores de infância. Assim, e como, muito provavelmente, a alegoria da caverna, de Platão, já foi abordada no Jardim de Infância, para quê reter e maçar os alunos do ensino secundário com aprendizagens essenciais já lecionadas em anos anteriores?!
Até pode ser que ainda não se estude Platão no Jardim de Infância, mas que lá se ensina que o Universo começou no BIG BANG, porque é fácil, não tenho dúvidas!
O sistema de ensino pode ser comparado à galinha que põe ovos de oiro. O facilitismo, assumido ou escondido atrás da flexibilidade, está a matar a galinha; sem galinha, não há ovos; sem ovos, não se faz dinheiro!

Helena Damião disse...

Agradecendo os comentários dos leitores, noto uma coisa extraordinária: ao mesmo tempo que desaparece a Filosofia no ensino secundário (perda de tempo lectivo e de conteúdos) cresce o entusiasmo pela "filosofia para crianças". Em muitas escolas portuguesas foi integrada essa componente curricular no ensino básico. São vários os professores de Filosofia do ensino secundário que, por terem ficado sem horário, passaram a leccioná-la.
Cordialmente,
MHDamião

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...