sexta-feira, 22 de novembro de 2019

ESTARÁ O HOMEM AMEAÇADO PELAS MÁQUINAS?


Meu artigo para o "As Artes entre as Letras":

O filme de 1982 do realizador norte-americano  Ridley Scott Blade Runner passa-se  em Novembro de 2019 numa Los Angeles utópica, em que há “replicantes” ou androides, um produto da bioengenharia, com propriedades humanas  procurados para eliminação. O filme, que é considerado uma das obras-primas da cinematografia mundial, baseia-se numa obra de ficção científica do escritor também norte-americano Philip K. Dick, Os androides sonham com carneiros eléctricos?, de 1968, e coloca a questão da identidade humana. Nele existe uma espécie de polígrafo que serve aos “caçadores” de androides como meio de identificação de criaturas artificiais inteligentes, distinguindo-as das naturais, que somos nós. A questão subjacente, que nos faz pensar, é: o que nos faz humanos?

A inteligência é, reconhecidamente, uma capacidade humana. Mas como definir inteligência? Inteligência é a capacidade que temos de interagir com o mundo à nossa volta, bem patente na fala, visão, movimento, manipulação. É, também, a habilidade para aprender e se adaptar. É, ainda, a capacidade de modelar o mundo e  raciocinar sobre ele. Nestes sentidos, pelo menos em partes deles, podemos falar de inteligência artificial. A nossa inteligência levou-nos a construir máquinas – computadores, robôs – que, colocados perante certos inputs do meio, conseguem outputs que parecem humanos. Já há máquinas que falam, vêem, movem-se, manipulam. Há máquinas que aprendem e se adaptam, mudando as suas respostas perante os estímulos recebidos. E há também primeiras tentativas de modelação do mundo por uma máquina, seja esta modelação do tipo científico ou artístico.

O chamado “teste de Turing”, do nome do matemático britânico Alan Turing (um dos maiores génios do século XX: há um filme sobre a sua vida) remonta a 1950. Diz que, para uma máquina poder ser chamada inteligente, tem de produzir respostas que são indistinguíveis das de um ser humano. O “polígrafo” que aparece em  Blade Runner assemelha-se a um teste de Turing.

A expressão “inteligência artificial” remonta a 1956, quando um grupo de engenheiros e outros cientistas se reuniram num workshop em Dartmouth, nos Estados Unidos, para trabalharam no estudo da inteligência, em particular na imitação do cérebro humano pelas chamadas “redes neuroniais”.  Três anos depois já havia um computador que jogava damas e que aprendia com a sua experiência. Passou-se a falar de “machine learning”, máquinas que aprendem. Com o extraordinário aumento do poder de cálculo ocorreram, a partir dos anos 90 do século passado, avanços na inteligência artificial que levou a feitos notáveis. O ano de 1997 foi um marco pois nesse ano o computador Deep Blue da IBM derrotou num conjunto de partidas o campeão do mundo de xadrez, o russo Garry Kasparov. Os 512 processadores do Deep Blue, trabalhando em paralelo, conseguiam analisar 200 milhões de exposições de xadrez num escasso segundo, uma capacidade que claramente excedia a humana. Hoje em dia qualquer um de nós perde contra um programa de xadrez  acessível na Internet. E a máquina já nos ganha no jogo mais complicado do go e, mais recentemente, no poker.

Mas, mais do que ganhar nos jogos, a máquina está, noutras tarefas, a adquirir as nossas competências e nalguns casos a ultrapassar-nos. Por exemplo, usando machine learning (programas que aprendem),  existem hoje sistemas, cada vez melhores, de tradução automática, de escrita a partir da fala, de conversa computacional (telefonamos a marcar um bilhete para um espectáculo ou a reservar um lugar num restaurante e podemos não saber se do outro lado está uma pessoa ou uma máquina). Os computadores melhoraram muito nos últimos anos – no reconhecimento de imagens, em particular no reconhecimento fácil, e existem promessas que parecem de viável concretização pois há bons protótipos de carros sem condutor. As previsões são sempre arriscadas, mas provavelmente daqui por uma década a maior parte dos veículos serão sem condutor, ou melhor com um condutor computacional, que irá guiar melhor do que muitos humano. Todos sabemos, de resto, que os aviões e navios, para não falar já de naves espaciais, funcionam hoje muitas vezes com pilotos automáticos. Por que não os carros?

Actualmente a inteligência artificial está omnipresente: por exemplo, nas pesquisas de informação  na Internet (de algum modo o pesquisador ajusta-se à nossa situação e experiência), nos assistentes artificiais como o Siri da Apple (a Google acaba de lançar um em português europeu) e nas escolhas em plataformas de conteúdos na Internet como o Netflix ou a Amazon (os sistemas computacionais adivinham as nossas preferências, parecendo que nos conhecem). E já há robôs que interagem connosco como a Sophia, que veio já duas vezes à Websummit em Lisboa. Os avanços nalguns domínios têm sido muito rápidos: por exemplo no reconhecimento de imagens para diagnostico médico. As máquinas e os robôs terão decerto um lugar nos hospitais futuros.

A questão que atemoriza muitos de nós é: as máquinas melhores virão a ser melhores do que nós? Poderão elas ter emoções ou sentimentos? Serão capazes de fazer escolhas morais? Viremos a tornar-nos servos em vez de danos? Este é o problema do alinhamento das máquinas com os nossos interesses, um problema que devemos desde já debater. Num carro automático uma questão que se coloca é a da possibilidade de dilemas éticos. Já se discute a “ética artificial”, o conjunto de deveres dos robôs. Curiosamente a palavra “robô”, que significa “trabalho,” surgiu na literatura, pela pena do escritor checo Karel Capek em 1921. E, não menos curioso, o bioquímico e escritor norte-americano de origem russa Isaac Asimov introduziu as suas três leis da robótica da coletânea de contos de ficção científica “Eu Robô” de 1950. Já aí há limites para a acção dos robôs.

Há quem pense que daqui por uns 30 ou 40 anos as máquinas terão a capacidade do cérebro humano. Será o ponto chamado de “singularidade” em que a inteligência artificial poderá ultrapassar a natural. Existe muita especulação sobre isto. Há decerto que ter cuidado. Mas, não há que ter medo, pois o medo é o maior inimigo do futuro.

3 comentários:

marina disse...

a ciência o que irá fazer é dar natureza de máquina ao homem, e rapidamente , com a genética e tira dali põe daqui tira tristeza mexe no cérebro arranja acolá , todos iguais, e pronto , adeus natureza humana , vivam as máquinas "homem" saídas da fábrica de montagem genética. que mundo mais triste e monótono a burra ciência constrói.

Carlos Ricardo Soares disse...

As máquinas, a IA não são apenas uma ameaça, porque as duas últimas guerras mundiais podem ser qualificadas como guerras industriais, ou da indústria. Elas são a esperança. A esperança de que o homem deixe de ser a máquina em que, durante milénios, se transformou. Uma máquina obsoleta, portanto. A esperança de que as indústrias sejam mais insensíveis e menos emotivas do que o homem e de que isso evite, ou impeça as guerras. A esperança de que a IA seja mais inteligente (afinal o homem descobriu que a Inteligência pode ser um produto, talvez o que de mais valioso se pode produzir). A esperança de que a IA tome conta de nós, como já acontece, em quase todos os domínios da nossa vida, desde a saúde à defesa, passando pelas diversões e por todo o tipo de trabalhos que, sem IA, ser-nos-iam impossíveis. O que é impossível para o homem, não o é e não será para a IA.
Estou ansioso e acredito que a IA substituirá, com incomensurável vantagem, por exemplo, a Assembleia da República e o Governo.

Máquina disse...

Inteligência é o ... Amor.
Tudo o resto é estúpido.

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