segunda-feira, 11 de novembro de 2019

O que é que tens na cabeça?

A frase que dá título a este texto utilizamo-la muitas vezes, especialmente quando queremos questionar algum feito ou ideia de outra pessoa. Conforme a entoação, ela pode simplesmente pedir um esclarecimento para algo que o nosso interlocutor expõe, mas que ainda não percebemos bem (= qual é a tua ideia? Diz lá!), ou levar já em si uma crítica a algo que foi feito e com o qual não concordamos (= mas o que é que te deu, para fazeres isto? O que é que tu tens na cabeça?!) 

Partimos, portanto, do pressuposto que a pessoa a quem nos dirigimos tem alguma ideia e não apenas uma “cabeça oca”. 

Por vezes “perdemos a cabeça”, com aquele “cabeça-no-ar” que põe tudo “de cabeça à roda”, por ser uma “cabeça de alho chocho” que só faz coisas “sem pés nem cabeça”. 

A cabeça serve para pensar, ouvimos muitas vezes, quando éramos repreendidos por fazer algo um pouco à toa.

No entanto, na actualidade, parece que já nada se sabe “de cabeça”, quer dizer, nada se fixa, nada se sabe “de cor” (ou de coração), a memória já não é exercitada. 

Vem tudo isto a propósito do título do mais recente livro do filósofo francês Denis Kambouchner, Quelque chose dans la tête, uma publicação da Flammarion, dada à luz no mês de Agosto de 2019. 

Trata-se, portanto, de ter alguma coisa na cabeça e não uma “cabeça oca” ou de “alho chocho”. 

Diz Kambouchner, professor de filosofia na Universidade de Paris 1 Panthéon-Sorbonne, que:
“ter alguma coisa na cabeça não é ser devorado pela ambição, nem conceber um projecto gigantesco. Na cabeça é necessário um equilíbrio e uma vontade de equilíbrio. É preciso que cada coisa esteja no seu lugar, ou antes, que procuremos para cada coisa o seu lugar, e que os nossos projectos sejam irrepreensíveis”. 
No resumo do seu texto podemos ler: 
“ter alguma coisa na cabeça, algo claro e sólido não é um luxo...” Procurando os seus exemplos nos modelos do passado, na literatura, na filosofia, nas artes, mostra como a reflexão sobre esses modelos se impõe para pensar o presente e o futuro”. 
Por isso, Denis Kambouchner coloca-nos questões várias sobre a educação, sobre a escola, sobre o ensino que aí se ministra: 
“Queremos que as nossas crianças sejam bem educadas, mas será que lhes falamos como deve ser acerca da cultura? Se a reduzimos a uma questão de herança e nos contentamos com a ideia de “a cada um sua cultura”, falta-nos esta evidência: toda a inteligência exige uma cultura que não se herda se não a procuramos”.
“Dirigindo-se a leitores jovens, usando termos correntes, Kambouchner discute estas questões com clareza...” — diz-se na apresentação da obra — explicitando “o que caracteriza a cabeça humana ao mesmo tempo bem construída e livre. Não é uma questão de dom... trata-se de aprendizagem e de exercício” pois “uma cabeça ágil e limpa é o resultado de uma educação e de uma cultura, as quais permanecem estéreis quando não são intensivas. Aprender muito, exercitar-se muito, eis a chave. Este exercício não enche a cabeça de informações, nem a sobrecarrega com conhecimento acumulado. Uma cabeça que funciona é, ao invés, constituída de ideias claras. A clareza impede a cegueira do ódio. Está ligada à seriedade e à atenção e sabe alimentar-se do que é belo.”, afirma este filósofo para quem, à semelhança de Erasmo, “a cultura é a experiência do admirável”. 
O segundo ensaio da obra dirige-se aos adultos e trata da escola e da educação. Discute o que deve ser transmitido, afirmando que:
“o trabalho principal é “dar as palavras”. É através das palavras postas à sua disposição que permitimos a cada um aprender, criar, pensar, crescer.” 
Mais informações aqui e aqui.

Isaltina Martins

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