quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Fisiologistas do Exercício (3)

(Segundo e último texto meu sobre Ramalho Ortigão e a Educação Física )

Prossigo na minha admiração por Ramalho, tratado por Eça, por “Ramalhal figura”, “compagnon de route” na autoria de ambos de “As Farpas”, esse monumento de crítica contra “a velha estupidez humana que tem cabeça de touro”. Daí farpearam-no com pena mordaz! 

Como pontificou Albert Einstein, ”época triste a nossa em que é mais difícil quebrar um preconceito de que um átomo”. Um conceito enraizado em sagrada ignorância, mesmo em indivíduos que rescendem a falsa intelectualidade, faz com que a destreza e a força físicas continuem a viver em resquícios de euzebiozinhos  retratados pela crítica social do imortal Eça, em “Os Maias”, embora Ramalho Ortigão ter dedicado uma vastíssima obra de inegável valor literário em defesa das práticas corporais, por ele próprio seguidas, quando, por exemplo, escreveu: “Creio que nasci para homem de forças, para Hércules de feira”. 

Um conceito enraizado em sagrada petulância de indivíduos que rescendem a falsa intelectualidade ( em simples consultas ao “mestre” Google), faz com que a destreza e a força físicas continuem a viver em resquícios de euzebiozinhos retratados pela crítica social do imortal Eça, em “Os Maias", pese embora, Ramalho Ortigão, seu contemporâneo ter dedicado uma vastíssima obra de inegável pujança  em defesa das práticas corporais, por ele próprio seguidas, quando, por exemplo,  escreveu: “Creio que nasci para homem de forças, para Hércules de feira”.

Em tempos mais chegados, Almada Negreiros, tido por Bigotte Chorão, “talvez, como a personalidade mais completa e complexa e fascinante da cultura portuguesa do século XX”, escreveu: “É preciso criar a adoração dos músculos". E os exemplos estão bem de se quedarem por aqui!

Continuo em companhia de Ramalho de que colho páginas de grande prazer em desforço para com uma sociedade de pseudointelectuais que se refugiam, hoje,  numa caixa craniana vazia de massa cinzenta. Lamentava-se ele: "Nós fomos educados assim. Vede o que estamos sendo! Vede os homens que deitámos. Vede o país que fizemos e a sociedade que construímos! Possam os nossos filhos reclamar a felicidade a que seus pais não têm direito, apresentando-se ao futuro com merecimentos que nós não podemos invocar! Suspensão de veemências e de ironias! Trata-se da infância. Não nos dirigimos aos políticos. Conversamos honrada sinceramente contigo, leitor amigo, leitora honesta.Pesa sobre vós uma responsabilidade tremenda. No estado em que se acha a sociedade portuguesa, a família é um duplo refúgio – do coração e do espírito. A família é dos pouquíssimos meios pelos quais ainda é lícito em Portugal a um homem honrado influir para o bem no destino do seu século. Querido leitor! O modo mais eficaz de seres útil à tua pátria é educares o teu filho. Consagra-te a ele”.

Ainda que a “ramalhal figura” (tratamento de fraternal amizade dado a Ramalho por Eça, (“falso amigo”, segundo Campos Matos, 2009) tenha dito que “em Portugal, país de magricelas, de derreados de espinhela caída, nada mais importante do que a Educação Física”, em contraponto  à  Educação Física e Desportiva nas escolas de hoje que tem sido  tratada como parente pobre das cadeiras ditas intelectuais, que disputam, entre si, a primazia -o Português e a Matemática - , ambas sobranceiras na sua declarada e reconhecida importância, assumindo-se, em revanche, a Educação Física ultrajada e ofendida, por ser, inquestionavelmente uma questão de Saúde Pública”!

Pelo facto de, ao nos debruçarmos sobre a história dos acontecimentos, podermos avaliar a  influência da pena corrosiva  de Ramalho Ortigão na sua denodada “Campanha Alegre”, em prol dos exercícios físicos dos jovens ao chamar  a atenção da Câmara dos Pares para um estudo ter demonstrado que os exercícios ginásticos são úteis não só ao desenvolvimento físico, porque nas escolas inglesas em que se introduziu a ginástica os alunos aprenderam mais e em menos tempo do que naquelas em que a ginástica não existiu.

Passado quase um século, trabalhos de investigação, levados a efeito, na década de 50, em França (Vanves, Tourangeau, Montabaun) e na Bélgica (Bruxelas), confirmaram a influência benéfica da Educação Física no rendimento escolar, quer sob o ponto de vista físico, quer de aprendizagens cognitivas,e não só.

O próprio Dr. Fourestier, responsável pela experiência de Vanves, não se exime em declarar entusiasmado: “Com métodos pedagogicamente novos não criaríamos apenas uma raça fisiologicamente nova. Faríamos, possivelmente, homens moralmente novos, e mais fraternos uns com os outros”. Desta forma,  foram eles percussores do trabalho, citado por mim (INEF/1963), a que foi atribuído o segundo lugar do Prémio Pfizer.

Aliás, é para esse “homem moralmente novo” que vai também o apelo de C. S. Lewis, professor de Cambridge: “Fabricamos homens sem coração e esperamos deles virtudes e magnanimidade. Rimo-nos da honra e surpreendemo-nos se há traidores entre eles.”

No decurso do ano de 1969, Olivier Guichard, ao tempo ministro gaulês da educação, justificava a necessidade de haver seis horas semanais para a prática física dos alunos do ensino primário com o argumento de “o horário de então reflectir uma concepção intelectualista dando prioridade à matéria ensinada”. Ou seja, como sentenciaram  os romanos: “Nihil novi sub sole”!


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