quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Fisiologistas do Exercício (2)

(Ramalho Ortigão e a Educação Física)

“A História é uma mediação entre o passado e o presente num círculo hermenêutico” 
(Paul Ricoeur, 1913-2005)

Ramalho Ortigão, membro da Academia das Ciências de Lisboa, em censura acerba aos políticos do seu tempo, dizia que “não eram homens de ciência, nem sequer homens do mundo, por não terem princípios nem ideias gerais”, justificando a sua opinião de forma corrosiva: “Pela sua cultura de espírito estão abaixo do mais corriqueiro leitor da ‘Revista dos Dois Mundos’ e do ‘Dicionário de Larousse’. Como cultura física, indigência igual à da cultura mental. Se falando metem os pés pelas mãos, calados metem os dedos pelo nariz. Não têm ‘toillete’, não têm maneiras, e têm caspa”.

Mas não se pense que esta crítica que faz a esta indigência sobre a cultura física se quedou por fortuita intervenção. Nada disso!
Ramalho foi a personagem do panorama literário português que mais e mais vigorosas páginas dedicou às práticas físicas da juventude, como prova, este pequeno naco de prosa, indiciador de uma defesa estrénua das actividades corporais: “Em Portugal, país de magricelas, de derreados, de espinhelas caídas, nada mais importante do que a educação física… e a ginástica não é uma questão de circo nem de barraca de feira, é uma alta e grave questão de educação nacional”.

Corria o ano de 1871. Ramalho, em apelo quase patético, desiludido com a ausência de medidas dos políticos em favor de uma educação integral dos jovens, pede, ou exige mesmo, uma tomada de posição por parte dos pais em defesa da formação completa dos filhos.


São passados quase dois séculos e meio. A sociedade hodierna é cada vez mais hipocinética. Segundo Alexander Berg, Professor de “Ciência Computacional”, da Universidade da Carolina do Norte, “a força muscular do homem e dos animais domésticos apenas produz 1% de toda a energia produzida e consumida na terra, quando, em meados do século XIX, era de 94%”.

Os jogos tradicionais que povoaram e alegravam a infância de há décadas atrás – v.g., “a macaca”, “a cabra-cega”, o pião – estão votados ao abandono e ao esquecimento. As casas passaram a ser cubículos, sem jardins ou quintais, em que mal cabem as mobílias. O jovem que corre para o autocarro num percurso pequeno resfolega, qual cavalo cansado, deitando os bofes pela boca.

As ruas passaram a pistas de automóveis , os passeios estão pejados de carros arrumados dificultando a simples passagem de peões, impedindo, assim, os jogos de futebol, das crianças  com bolas feitas de trapos ou de couro  dos mais abastados.

A obesidade, verdadeira pandemia dos nossos dias, tomou conta de um número assustador de crianças e adolescentes, sendo o prenúncio de doenças cardiovasculares, de patologias da coluna cifoses, lordoses, escolioses, dos ossos das articulações que rangem ao peso das “banhas”, de diabetes nas idades jovem e adulta, etc., etc.

De há muito, os tempos ecolares são passados sentados em posições viciosas, virados para os quadros em que os professores escrevem as matérias, relegando para plano secundário a prática dos exercícios físicos na escola. Ademais, a mocidade vive sob o peso de mochilas cada vez mais pesadas, tolhida num sedentarismo em que as horas de lazer são passadas ao computador, a olhar para a televisão ou, até mesmo, para as moscas.

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