Edgar Morin, sociólogo, filósofo, antropólogo, ensaísta francês esteve mais uma vez em Portugal. Na entrevista que a jornalista Márcia Rodrigues lhe fez nada disse sobre a educação escolar, mas o que disse tem tudo a ver com a educação escolar. Mais concretamente, sobre o pensamento dominante nas sociedades que a decidem e onde ela tem lugar, sociedades em profunda crise sob o ponto de vista de um pensamento humanista.
É importante que professores e outros educadores atentem nas suas palavras pois elas não podem estar mais distantes da interpretação política que se tem feito daquilo que defende, nomeadamente no livro Os sete saberes para a educação do futuro, que a tutela declara ser a base da reforma curricular em curso desde 2015 (cf. o documento estruturante da reforma: Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, 2017, pp 5-6).
Eis o essencial do que disse nessa breve entrevista:
"Crise de pensamento, crise da nova civilização que desenvolve características cada vez mais negativas em detrimento das suas características positivas. Crise da humanidade, se quiser. E o que faz a unidade de todas as crises é que o destino da humanidade é agora muito incerto e muito ameaçado.
(...)
O pensamento político esvazia-se de todo o conteúdo. Havia um pensamento político que animava a esquerda, os socialistas, os comunistas, que era a herança do pensamento de Marx. Tudo isso se desintegrou. A direita tem uma posição que era reaccionária mas a própria reacção já não tem sentido. É o pensamento de direita, a direita em benefício, evidentemente, da elite e dos ricos. Portanto, crise de pensamento político.
(...)
Vemos os sinais de uma democracia que perdeu os seus fundamentos. E as múltiplas revoltas que vemos hoje no mundo (...) vemo-las em regimes completamente diferentes. O que há de comum com essas revoltas? É que desde os anos 80, desde há 30 anos, instalou-se no mundo um sistema a que chamam neoliberal, que é um sistema baseado em economias massivas em prejuízo das populações e dos trabalhadores em benefício unicamente de uma elite financeira e económica.
(...)
Hoje a Europa é um esqueleto vazio. Claro que esse esqueleto deverá ser salvaguardado mas não creio que nas actuais condições possamos encontrar o grande projecto cultural e humanista que era o projecto inicial.
(...)
[A minha força vital], o bem mais profundo de mim próprio [é], antes de mais, uma curiosidade omnívora, que tenho desde criança. As forças da vida estão em mim e afastam as angústias da morte. É por isso que continuo, sem saber exactamente porquê."
4 comentários:
“Edgar Morin, sociólogo, filósofo, antropólogo, ensaísta francês esteve mais uma vez em Portugal. Na entrevista que a jornalista Márcia Rodrigues lhe fez nada disse sobre a educação escolar, mas o que disse tem tudo a ver com a educação escolar. Mais concretamente, sobre o pensamento dominante nas sociedades que a decidem e onde ela tem lugar, sociedades em profunda crise sob o ponto de vista de um pensamento humanista.”
Sobre a educação escolar, em Portugal:
O pensamento dominante sobre a educação escolar em Portugal é de esquerda e extrema-esquerda.
A principal função de uma escola, de qualquer escola, é ensinar. Evidentemente que, se um aluno entra na escola a morrer de fome, primeiro tem de se lhe dar de comer e beber, seja a escola de direita ou de esquerda, senão o aluno não vai conseguir aprender! Agora, partir desta evidência e concluir, à maneira esquerdista, que as escolas devem ser transformadas em hospícios, onde se acolhem ricos e pobres, doentes mentais e pessoas saudáveis, subalternizando a função de ensino-aprendizagem da escola, mas compensando todos os alunos com um belo diploma, que, à saída da escolaridade obrigatória, certifica um perfil de cidadão igual para todos, é um absurdo. Portanto, a escola inclusiva das aprendizagens essenciais e flexíveis, é absurda!
Na vertente do ensino-aprendizagem, a escola fascista de Salazar e Caetano tinha uma qualidade muito superior à escola de esquerda do “engenheiro” Sócrates e das doutoras Catarina Martins e Joacine Katar Moreira; só na vertente do apoio social, a escola esquerdista é melhor. Um grande apoio social, acompanhado por um desprezo do ensino-aprendizagem, está a matar a escola!
Estimado Leitor Anónimo
O pensamento dominante sobre a educação escolar em Portugal é o mesmo que domina em múltiplos países do mundo com regimes político-partidários de esquerda e de direita. Quem ter o poder de traçar os desígnios da educação escolar conseguiu um "modelo" que é supra regime. É um modelo económico-financeiro em que a justiça social, a igualdade, a dignidade e outros valores estimáveis estão arredados. E ninguém parece notar-lhe a falta.
Concordo inteiramente consigo quando diz que "a principal função de uma escola, de qualquer escola, é ensinar" (ensinar o que é da atribuição da escola, evidentemente), mas quem nos acompanha? Terá de concordar que cada vez menos pessoas nos acompanham. E, sim, é evidente que afirmar isto não é descuidar o cuidado (com o estado físico e psicológico dos alunos), mas isso é uma condição para ensinar, não é ensinar.
Estou convencida que o pior cenário da escola pública ainda não é este da autonomia e flexibilidade curricular, que vemos e que já estava em Portugal na reforma iniciada em 1996; o cenário evoluirá no sentido de reduzir a escola pública - usando palavras de Morin - a um "esqueleto vazio". Mas tenho a certeza de que a humanidade daqui a uns séculos conseguirá reedificá-la.
Cordialmente,
MHDamião
Cara Helena Damião,
A massificação do ensino em Portugal também já chegou ao professorado e aos educadores de infância. Já raramente nos tratam por doutores, e se ainda não somos considerados proletários, apesar de sermos mais de cem mil trabalhadores, é porque, num país muito pobre, como é Portugal, a maioria do povo é miserável.
Portanto não se admire que a palavra de ordem entre os professores, que são uns funcionários públicos como outros quaisquer, é obedecer e calar. O ministério diz:
- Os professores e os educadores de infância têm uma ideia muito errada do que é ensinar! Ensinar, com um espírito de flexibilidade e inclusão, já não é só transmitir conhecimentos e competências por meio do pensamento e da experiência; agora, é, sobretudo, preencher imensa papelada burocrática que, só por si e à falta de exames justos e rigorosos, justificam o sucesso escolar pleno, quer dizer, sem reprovações e altas classificações.
E os professores anuem, preenchendo a papelada...
E assim, as autoridades podem dar largas aos seus delírios educativos, negando a necessidade de ensino especial, propriamente dito, a alunos com manifestas deficiências mentais, uma vez que um plano de remediação, preenchido por um professor qualquer, garante a aprovação obrigatória prevista na lei. Aqui chegados, começamos a entrar na quinta dimensão!
Salve-se quem puder!
Cordialmente.
Sobre o sentido das coisas, um famoso poema em prosa de Baudelaire (O Estrangeiro):
- Quem é que tu amas mais, homem enigmático, diz: o teu pai, a tua mãe, a tua irmã ou o teu irmão?
- Eu não tenho pai, nem mãe, nem irmã, nem irmão.
- Os teus amigos?
- Usas uma palavra cujo sentido me é, até hoje, desconhecido.
- A tua pátria?
- Ignoro em que latitude fica.
- A beleza?
- Amá-la-ia de boa vontade, deusa imortal.
- O ouro?
- Odeio-o como vós odiais a Deus.
- Bom, o que é que tu amas, então, extraordinário estrangeiro?
- Eu amo as nuvens... as nuvens que passam... além... além... as maravilhosas nuvens!"
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