Chegámos, hoje, dia 31 de Janeiro às 10.000 mensagens.
Chegámos a este simpático número porque os leitores nos acompanham.
Por isso, vos agradecemos.
A equipa do De Rerum Natura
sábado, 31 de janeiro de 2015
"Do aluno ao cliente, da lei à negociação"
Redes ou paredes: A escola em tempos de dispersão, livro publicado em 2012 (Rio de Janeiro, Contraponto) da autoria de Paula Sibila, antropóloga argentina que tem dedicado atenção ao sentido e funcionamento da Escola, como instituição social, é de grande interesse para quem se preocupa com os desígnios da educação formal e como eles estão a ser assumidos pelos Estados numa época marcada pelo neoliberalismo e pela tecnologia da informação.
Eis uma passagem do capítulo "Do aluno ao cliente, da lei à negociação", pp. 93-95.
Eis uma passagem do capítulo "Do aluno ao cliente, da lei à negociação", pp. 93-95.
"Ante os avanços da globalização e de certa ética «neoliberal», os diversos Estados nacionais parecem ter perdido boa parte de sua capacidade de articular simbolicamente (...) o conjunto de instituições que eles costumavam abrigar com firmeza, garantindo seu funcionamento concatenado, centralizado e hierárquico (...). Continua a haver escolas no século XXI, é claro: há milhões delas em todo o mundo, funcionando cotidianamente e afetando de modo directo as vidas de uma parte enorme da população planetária. No entanto, seu estatuto parece ser outro justamente, pois se esgotou o dispositivo que as insuflava (...).
Nessa metamorfose, muitas escolas deixaram de agir como aparelhos disciplinares, dedicados a produzir um tipo peculiar de corpos e de modos de ser, para se tornarem numa espécie de empresa cujo fim consiste em prestar um serviço - com diversos graus de sucesso ou de eficácia - entre os muitos outros oferecidos nos mercados contemporâneos. Seu objectivo é capacitar os clientes em vez de formar todos os alunos de cada nação.
Essa redefinição não se dá sem problemas, é claro, já que se trata de instituições concebidas para funcionar segundo a lógica estatal - que é estável por natureza (...) -, não segundo as condições mercantis - que são oscilantes e excludentes por definição.
A mega instituição que garantia a eficácia e o sentido de todas as demais, inclusive a escola, costumava ser o Estado. Agora que sua soberania se dissolve na liquidez do capital e dos fluxos informativos, qual terá sido a entidade que assumiu esse poder ante o declínio dessa? Uma possível resposta é quase evidente: o mercado, ou melhor, certa "ética empresarial" conjugada com o "espírito do consumismo".
Portanto, já não seria a lei - universal e idêntica para todos - o critério que organiza a contemporaneidade, e sim algo distribuído de modo desigual por excelência: o dinheiro. Ou, então, uma entidade ainda mais volátil: o poder aquisitivo, que também se quantifica em função do posicionamento individual nas cotações globais sob a roupagem de informação (...)
Quando a lógica mercantil passa a imperar sem nenhum tipo de cerceamento, os direitos e os deveres podem virar mercadorias ao alcance de alguns clientes, mas não de todos os cidadãos."
sexta-feira, 30 de janeiro de 2015
Debate sobre homeopatia na TVI
O debate que tive hoje na TVI com José Santos Lopes, presidente da Associação Portuguesa de Homeopatia, acerca de remédios homeopáticos.
CIÊNCIA NA ESCOLA
Artigo de opinião publicado no caderno de educação do Diário As Beiras, publicado a 21-01-2015
Vivemos numa
sociedade em que a aplicação do conhecimento científico é uma constante no
nosso dia-a-dia. Imersos em ciência, mesmo que disso não nos apercebamos, é
importante conhecê-la. Ter uma cultura geral científica é importante para
sermos melhores cidadãos, para podermos ter a nossa própria opinião crítica,
para podermos ser livres em democracia. Perceber o que é a ciência, ajuda-nos a
compreender melhor o mundo em que vivemos.
Neste
contexto, o papel da escola é indispensável enquanto instituição que garante o
ensino formal das ciências, permitindo que todos os cidadãos tenham acesso a
conceitos básicos sobre como a ciência permite entender o Universo em que
existimos.
O ensino da
ciência deve estar presente durante a maior parte da escolaridade e começar o
mais cedo possível, de preferência logo no pré-escolar. De facto, é desejável
ensinar princípios básicos da ciência na infância e dotar o pensamento das
crianças com as bases para uma melhor compreensão futura do conhecimento
científico. As crianças têm uma natural curiosidade para compreender o mundo em
que crescem e a ciência ajuda-as a despertar a sua inteligência para descobrir
a natureza e como ela funciona. Os comunicadores de ciência são agentes
importantes nesta apresentação da ciência às crianças.
O ensino da
ciência na escola não deve ficar só pelo ensino das matérias científicas. Deve
permitir que os alunos experimentem, saibam como é que a ciência se faz, compreendam
o método experimental científico. É importante que os alunos saibam como é que
a ciência funciona e avança. Neste aspecto, a escola deve promover o diálogo entre
alunos e cientistas. E estes devem estar abertos a divulgar de forma acessível
o seu trabalho científico e disponíveis para falar com os alunos sobre a sua
actividade. Este contacto dá sentido prático ao conhecimento científico que os
alunos aprendem na escola. Ao apresentarem a utilidade da sua investigação, os
cientistas fertilizam a curiosidade dos jovens, para além de os cativar e
incentivar para uma eventual profissão na ciência. A proximidade com os
cientistas torna a ciência real, mais humana e emotiva.
Os
comunicadores de ciência têm aqui um papel muito importante, uma vez que
apresentam um conhecimento de uma forma interdisciplinar e mostram a
importância das diferentes disciplinas para o avanço do conhecimento
científico. A comunicação do conhecimento científico é intrínseca à própria
ciência. Sem comunicação não há ciência. Também por isso, o ensino escolar da
ciência deve, para ficar completo, promover a comunicação entre cientistas e
alunos, como se disse. E o papel dos comunicadores de ciência nesta tarefa é
essencial, pois constrói a ponte entre as duas comunidades.
É que comunicar
ciência é uma actividade cívica.
António
Piedade
O SOL: UMA ESTRELA AQUI TÃO PERTO
No Ano Internacional da Luz, "O Sol: uma estrela aqui tão perto", com João Fernandes, Professor do Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra é a primeira do novo ciclo de palestras "À luz da Ciência", dinamizado pelo Bioquímico António Piedade.
RESUMO:
O Sol é a estrela mais perto da Terra. Disso ninguém tem dúvida. Porém, por vezes, esquecemos que o Sol é ... uma estrela, pois associamos as estrela (só) aos "pontinhos luminosos" que à noite avistamos. O Sol, aqui tão perto, foi e é fundamental para evolução da Terra e da Humanidade. Nesta palestra, apresentaremos o Sol nas suas diferentes componentes (a estrela, o "centro" do Sistema Solar, a fonte de luz e calor, etc.), discutindo, em particular, as pontes entre o astro-Rei e o que hoje somos e sabemos.
Entrada Livre
Público-alvo: Público em geral
RESUMO:
O Sol é a estrela mais perto da Terra. Disso ninguém tem dúvida. Porém, por vezes, esquecemos que o Sol é ... uma estrela, pois associamos as estrela (só) aos "pontinhos luminosos" que à noite avistamos. O Sol, aqui tão perto, foi e é fundamental para evolução da Terra e da Humanidade. Nesta palestra, apresentaremos o Sol nas suas diferentes componentes (a estrela, o "centro" do Sistema Solar, a fonte de luz e calor, etc.), discutindo, em particular, as pontes entre o astro-Rei e o que hoje somos e sabemos.
Entrada Livre
Público-alvo: Público em geral
EUGÉNIO DE ANDRADE E A LUZ - 1
Diz homem, diz criança, diz estrela.
Diz homem, diz criança, diz estrela.
Repete as sílabas
onde a luz é feliz e se demora.
Volta a dizer: homem, mulher, criança.
Onde a beleza é mais nova.
Eugénio de Andrade
POR QUE NÃO UM SUDOKU?
Já tínhamos saudades de Vasco Pulido Valente. Nesta crónica no Público de hoje arrasa a incompetente prova que pretende avaliar os candidatos a professores. No fundo trata-se de uma prova de charadas e o IAVE, cuja competência não dá para mais, bem poderia pôr um sudoku ou palavras cruzadas, que o resultado seria semelhante. O resultado deste tremendo erro político de insistir numa prova absurda é o desprestígio, na opinião pública, não só dos professores como dos exames, que deveriam servir para seleccionar os melhores e melhorar o sistema e assim só servem para polémicas inúteis.
NUNO CRATO E OS PROFESSORES
Norberto Pires, cuja militância no PSD é conhecida, faz hoje no jornal As Beiras uma análise da política de Nuno Crato. Vale a pena ser conhecida de todo o país, pelo que a transcrevemos aqui com a devida vénia:
As alterações no sistema educativo e no ministério da Educação que Nuno Crato defendia antes de ser ministro da Educação, dos quais excluo neste artigo o ensino superior, centravam- se em três vertentes essenciais: as escolas, os professores e os alunos. Quando as apresentava Nuno Crato tinha normalmente larga percentagem de aprovação por parte de quem o ouvia ou lia. Por isso foi sem surpresa e com agrado que a generalidade do país, incluindo a comunidade educativa, recebeu a notícia da sua nomeação para ministro. Todas as medidas propostas tinham como ideias centrais a credibilização do ensino e dos professores, o reforço de autoridade, a necessidade de avaliação rigorosa, o reforço de autonomia e a responsabilização de todos os agentes envolvidos no processo educativo.
Nas escolas, dizia Nuno Crato, seria necessário estabelecer e alargar a autonomia, revendo o modelo de contratualização, deveriam ser lançados concursos públicos para contratualizar a oferta privada em situações de carência ou ruptura da rede de ensino público, a gestão da Educação deveria passar em grande medida para a esfera das câmaras municipais realizando um novo modelo de delegação de competências e o ensino privado deveria ver reforçado o seu funcionamento através de uma política de contratos de associação coerente. Relativamente aos professores as medidas eram também muito ambiciosas e centravam-se na simplificação do estatuto da carreira docente, na seleção inicial dos professores realizando uma prova de seleção, na reforma do modelo de avaliação dos professores tornando-o menos burocrático, na necessidade imperiosa de valorizar profissionalmente os docentes, através de ações de formação bem desenhadas, e no reforço da sua autoridade e estatuto social. Relativamente ao alunos, Nuno Crato defendia a generalização da avaliação nacional com provas no 4º ano, nos finais de ciclo no 6º e 9º anos e exames nacionais no 11º e 12º anos, reforço do ensino do Português e da Matemática, reforma curricular para reduzir a dispersão de matérias no 3º ciclo, reforma do Programa Novas Oportunidades no sentido de melhorar a sua credibilização, avaliação e reforma das atividades de enriquecimento escolar e promoção da qualidade do Ensino. Relativamente à estrutura e funcionamento do ministério da Educação, Nuno Crato defendia uma grande reforma chegando a dizer que era necessário “implodir o ministério” e, eventualmente, começar tudo de novo: “O ministério é uma máquina gigantesca que se acha dona da Educação em Portugal. Eu quero acabar com isso”, disse Nuno Crato durante a apresentação do programa do Governo em 2011.
A verdade é que apesar de ter realizado grande parte destes objetivos, Nuno Crato tem uma imagem muito negativa na comunidade educativa e, aparentemente, não vê reconhecidos os méritos daquilo que fez durante a sua passagem pelos ministério da Educação. E um bom exemplo disso é a forma como se envolveu em polémicas com diretores de escola, professores e alunos. Para mim é bem significativo disto tudo o caso recente da prova de avaliação de professores contratados. Perante os maus resultados, Nuno Crato afirma no parlamento que “não faz sentido nenhum que um professor dê 20 erros de ortografia numa frase”. Claro que não faz sentido nenhum, até porque não é possível. O que não faz sentido é que o ministro da Educação não perceba que não pode dizer isso dessa forma, pela simples razão que ao dizê-lo lança a vergonha sobre todos os professores, lança a inaceitável desconfiança sobre uma classe a quem Portugal deve tudo, ofende todos os professores e comete uma injustiça do tamanho do universo. E com isso compromete os objetivos que definiu como essenciais para a Escola e para os Professores, desde logo o reforço da sua autoridade e estatuto social, mas também tudo o que se relaciona com avaliação e autonomia que dependem fortemente de uma classe profissional valorizada e respeitada. É uma declaração muito infeliz que coloca em causa todos os objetivos definidos no início do mandato, pois uma declaração deste tipo demonstra incapacidade para gerir pelo exemplo a “máquina gigantesca” que é, de facto, o ministério da Educação e, acima de tudo, contribui para diminuir a autoridade dos professores ridicularizando a sua imagem perante o país.
As alterações no sistema educativo e no ministério da Educação que Nuno Crato defendia antes de ser ministro da Educação, dos quais excluo neste artigo o ensino superior, centravam- se em três vertentes essenciais: as escolas, os professores e os alunos. Quando as apresentava Nuno Crato tinha normalmente larga percentagem de aprovação por parte de quem o ouvia ou lia. Por isso foi sem surpresa e com agrado que a generalidade do país, incluindo a comunidade educativa, recebeu a notícia da sua nomeação para ministro. Todas as medidas propostas tinham como ideias centrais a credibilização do ensino e dos professores, o reforço de autoridade, a necessidade de avaliação rigorosa, o reforço de autonomia e a responsabilização de todos os agentes envolvidos no processo educativo.
Nas escolas, dizia Nuno Crato, seria necessário estabelecer e alargar a autonomia, revendo o modelo de contratualização, deveriam ser lançados concursos públicos para contratualizar a oferta privada em situações de carência ou ruptura da rede de ensino público, a gestão da Educação deveria passar em grande medida para a esfera das câmaras municipais realizando um novo modelo de delegação de competências e o ensino privado deveria ver reforçado o seu funcionamento através de uma política de contratos de associação coerente. Relativamente aos professores as medidas eram também muito ambiciosas e centravam-se na simplificação do estatuto da carreira docente, na seleção inicial dos professores realizando uma prova de seleção, na reforma do modelo de avaliação dos professores tornando-o menos burocrático, na necessidade imperiosa de valorizar profissionalmente os docentes, através de ações de formação bem desenhadas, e no reforço da sua autoridade e estatuto social. Relativamente ao alunos, Nuno Crato defendia a generalização da avaliação nacional com provas no 4º ano, nos finais de ciclo no 6º e 9º anos e exames nacionais no 11º e 12º anos, reforço do ensino do Português e da Matemática, reforma curricular para reduzir a dispersão de matérias no 3º ciclo, reforma do Programa Novas Oportunidades no sentido de melhorar a sua credibilização, avaliação e reforma das atividades de enriquecimento escolar e promoção da qualidade do Ensino. Relativamente à estrutura e funcionamento do ministério da Educação, Nuno Crato defendia uma grande reforma chegando a dizer que era necessário “implodir o ministério” e, eventualmente, começar tudo de novo: “O ministério é uma máquina gigantesca que se acha dona da Educação em Portugal. Eu quero acabar com isso”, disse Nuno Crato durante a apresentação do programa do Governo em 2011.
A verdade é que apesar de ter realizado grande parte destes objetivos, Nuno Crato tem uma imagem muito negativa na comunidade educativa e, aparentemente, não vê reconhecidos os méritos daquilo que fez durante a sua passagem pelos ministério da Educação. E um bom exemplo disso é a forma como se envolveu em polémicas com diretores de escola, professores e alunos. Para mim é bem significativo disto tudo o caso recente da prova de avaliação de professores contratados. Perante os maus resultados, Nuno Crato afirma no parlamento que “não faz sentido nenhum que um professor dê 20 erros de ortografia numa frase”. Claro que não faz sentido nenhum, até porque não é possível. O que não faz sentido é que o ministro da Educação não perceba que não pode dizer isso dessa forma, pela simples razão que ao dizê-lo lança a vergonha sobre todos os professores, lança a inaceitável desconfiança sobre uma classe a quem Portugal deve tudo, ofende todos os professores e comete uma injustiça do tamanho do universo. E com isso compromete os objetivos que definiu como essenciais para a Escola e para os Professores, desde logo o reforço da sua autoridade e estatuto social, mas também tudo o que se relaciona com avaliação e autonomia que dependem fortemente de uma classe profissional valorizada e respeitada. É uma declaração muito infeliz que coloca em causa todos os objetivos definidos no início do mandato, pois uma declaração deste tipo demonstra incapacidade para gerir pelo exemplo a “máquina gigantesca” que é, de facto, o ministério da Educação e, acima de tudo, contribui para diminuir a autoridade dos professores ridicularizando a sua imagem perante o país.
OS ERROS DA FCT NA NEWSLETTER DO SNESUP
Da Newsletter do SNESup:
FCT - ERRO
RECONHECIDO?
Foi ontem
notícia o possível reconhecimento da FCT dos erros que afetaram o processo
de avaliação das Unidades de Investigação e Desenvolvimento. É algo que merece a
atenção do Ministério Público, porque demonstra que o SNESup tinha razão na sua
denúncia. Reconhecer seria positivo, mas não basta e o processo enunciado na
notícia não resolve o problema. De qualquer forma, parece confirmar-se a reunião
mantida entre a tutela e os reitores, que teve como pano de fundo a possível
intenção de várias unidades avançarem com ações judiciais relativas a esta
matéria. A tentativa de impedir que estas ações avancem demonstra a debilidade
óbvia de todo o processo de avaliação. A FCT e a tutela estão numa aporia,
acenando com os seis milhões que restam. O CRUP deve ter consciência do perigo
de assumir o papel de elo de transmissão da FCT, sendo que os reitores começam a
perceber que será difícil dar uma saída honrosa a quem se isolou em tal beco. O
autismo na avenida D. Carlos I continua a sonhar com uma soberania que toma os
demais por menos. Os diretores das unidades de investigação têm a palavra, na
defesa da dignidade. Repor a justiça vai passar por eles. Hoje, mais do que
nunca, o exercício da cidadania é feito de gestos. O verdadeiro heroísmo está
nas mãos de quem foi tomado como irrelevante.
_________________________
FCT - CONCURSO = ERRO +
REDUÇÃO
Como habitualmente nos últimos concursos da FCT mantêm-se os erros e
falhas. O processo faz recordar o personagem de uma célebre comédia britânica
que afirmava "Computer says no!". Algumas notas sobre as tendências apresentadas
neste último concurso e que vão para além da já costumeira ineficácia e polémica
nas apreciações.
Por um lado a redução sistemática do número de bolsas atribuídas, em
particular ao nível das bolsas individuais de doutoramento (BD), mantendo-se a
tendência que teve em 2013 um ano dramático, com uma redução de 66%. Esta
tendência de redução encontra-se também presente nas bolsas de pós-doutoramento
(BPD), que apresentam valores perto de metade dos que existiam no período
pré-crise em 2007. Por outro lado, o decréscimo do número de candidatos, quer ao
nível de Doutoramento, quer ao nível de Pós-Doutoramento. Nesta questão era
necessário compreender melhor a forma como o descrédito e a desilusão podem
estar a produzir efeitos de desencorajamento ao ingresso em carreiras
científicas e de investigação. Trata-se de algo que terá custos no médio e
longo-prazo, com os problemas de rejuvenescimento do sistema científico
nacional, bem como de um fenómeno de progressiva frustração geracional.
Note-se que este é um declínio que atravessou toda esta fase de governação.
Uma nota importante para o futuro, porque temos de estruturalmente inverter um
dos períodos mais negativos da história recente da ciência em Portugal.
quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
Governo recua na avaliação dos centros de investigação
Não há dúvida que o Presidente da FCT foi completamente desautorizado pelo primeiro-ministro. Escreve a jornalista Madalena Queirós no Diário Económico de ontem:
"Entidade independente deverá analisar o processo de forma a fazer uma nova avaliação para que possam ser corrigidas algumas das situações mais gritantes detectadas no processo.
A onda de críticas ao processo de avaliação das unidades de investigação científica levou o governo a recuar e a pedir uma sindicância aos processos de avaliação levada a cabo pela European Science Foundation (ESF), apurou o Económico. Um processo de avaliação que tinha sido encomendado pela Fundação para Ciência e Tecnologia a esta entidade internacional sediada em Estrasburgo.
Agora uma entidade independente deverá analisar o processo de forma a fazer uma nova avaliação para que possam ser corrigidas algumas das situações mais gritantes detectadas no processo. Esta decisão foi tomada na sequência de uma reunião de representantes do Conselho de Reitores (CRUP) com o primeiro-ministro e depois de contactos com o presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia e com a tutela. O processo não é reiniciado mas serão analisados os casos em que foram denunciados erros grosseiros.
Recorde-se que os reitores tinham enviado ao ministro da Educação e Ciência, em Outubro passado, uma carta em que denunciavam erros crassos no processo de avaliação desenvolvido por esta entidade internacional e que foi, também, fortemente criticado por uma investigadora num artigo publicado na revista "Nature".
Também o Sindicato Nacional do Ensino Superior avançou com uma acção em tribunal contra este processo por "conter erros". O Ministério da Educação e Ciência diz, apenas, que "poderão haver alguns ajustes no âmbito das audições prévias", sublinhando que o processo está praticamente concluído e que os financiamentos estão praticamente definidos. Mas os reitores garantem ter recebido a garantia que o processo iria ser reavaliado.
Desde o início do processo que a avaliação dos 322 centros de investigação do país recebeu fortes críticas ao ser divulgado que uma das regras estabelecidas era excluir metade dos centros na passagem à segunda fase de avaliação. Outro ponto criticado foi o facto de a primeira fase de avaliação ter sido feita à distância e se basear na avaliação de documentação.
"Já sabíamos, e apontámo-lo desde o início, que uma primeira fase de avaliação sem contacto presencial era potencialmente muito frágil, mas demos o benefício da dúvida à afirmação repetidamente feita pelos responsáveis de que o sistema seria robusto", refere a carta do Conselho de Reitores que, na altura, foi enviada ao ministro da Educação e Ciência. Na carta podia ainda ler-se que "apesar de ter sido chamada a atenção para inúmeros erros de avaliação, muitos deles inteiramente factuais, diversos painéis desculparam-se de diversas formas para não retirar daí consequências, mantendo avaliações inexplicáveis.
"A avaliação não presencial de unidades de investigação é, no nosso entendimento, um falhanço pleno. Este processo de avaliação não tem a necessária qualidade. É uma oportunidade perdida para uma política nacional de promoção do conhecimento avançado e está a resultar numa grave perda de confiança no sistema de avaliação, com a desconsideração quase total dos pareceres das universidade". O CRUP criticava assim todo o processo que conduziria à situação inaceitável da "morte de quase 50% do tecido científico português". "Este resultado, já previsível a partir dos termos em que o contrato entre o Estado português e a ESF foi redigido, prevendo a passagem à segunda fase apenas de cerca de 50% das unidades, mostra um enviesamento que não podemos aceitar", acrescenta a mesma carta dos reitores.
Este processo de avaliação iria determinar o dinheiro a atribuir aos centros para despesas de funcionamento durante cinco anos. No final da segunda fase, no final do ano passado, determinou-se a atribuição de 70 milhões de euros às unidades classificados com "Excepcional", "Excelente", "Muito Bom" e "Bom" de 2015 a 2020. Cerca de 66% do financiamento destina-se a 63 unidades com as classificações mais elevadas. Apenas 3% foram consideradas "Excepcionais", 16% "Excelentes" e 32% com "Muito Bom". Das 90 consideradas "boas", cerca de 52 foram elegíveis para aceder ao Fundo de Reestruturação Estratégica que previa cerca de seis milhões de euros. Mas na área das ciências sociais nenhum centro foi considerado excepcional."
quarta-feira, 28 de janeiro de 2015
Elizabeth Bishop
Do livro “Poemas de Marianne Moore e Elizabeth Bishop”, editado pela
editora Campo das Letras, escolhi dois poemas de Elizabeth Bishop com
referências às ciências físicas. Ela foi, com Marianne Moore, Hilda Doolittle e
Sylvia Plath, uma das quatro grandes poetisas americanas do século vinte. Muitos dos poemas de E. Bishop são só
compreensíveis se soubermos dos vícios, da doença e das escolhas afetivas— o alcoolismo, a vida nómada (viveu em três continentes), a depressão, o aneurisma e a homossexualidade— da
senhora que ficava encantada com a curiosidade dos cervídeos em contato com o progresso.
A Vivacidade de Espírito
“Esperem, deixem-me pensar um
minuto,” disseste.
E de imediato Eva e Newton cada
um com uma maçã,
E Moisés com a Lei,
Sócrates, que coçava a cabeça
encaracolada,
E muitos outros da Grécia,
Todos chegam agora apressados,
Trazidos pela tua fronte
enrugada.
Mas a seguir fizeste um
trocadilho brilhante.
Demos uma gargalhada estrondosa.
Desconcertados, os que vieram
ajudar-te desapareceram;
E por entre os intervalos da
conversa, depois,
Captámos, — lá para trás, lá para
trás,
Longe, longe, — o reluzente
aniversário de uma estrela turbulenta.
Soneto
Surpreendida — a bolha
No nível de
bolha de ar,
Uma criatura
dividida;
E a agulha de
marear
Oscilando e
vacilante,
Indecisa.
Liberto — o
mercúrio
Do termómetro
quebrado
A fugir;
E o pássaro,
arco-íris
Do estreito
bisel
Do espelho
vazio,
Voando para
onde
Lhe apetece,
feliz!
HAJA LUZ
Na abertura de Ano Internacional da Luz, no passado dia 19, na sede da UNESCO em Paris, o arquitecto mexicano Gustavo Avilès afirmou: “A luz é o acto sexual entre o Céu e a Terra.” A luz, fenómeno físico ao qual se deve a vida na Terra (sem a energia que as plantas recebem do Sol, não haveria a biologia tal como a conhecemos), possui uma carga metafórica notável. Vem no Génesis: “Disse Deus: haja luz. E houve luz. Viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as trevas.” Não é apenas na cultura cristã, mas também em muitas outras que à luz é atribuído o tremendo poder do início.
Sem luz, seja a luz que os nossos olhos vêem porque evoluíram para aproveitar ao máximo a luz que o Sol emite em maior abundância, seja a luz invisível como as microondas que usamos para comunicar por telemóvel, pouco saberíamos do mundo. Graças ao progresso no nosso conhecimento da luz, hoje afastamos facilmente as trevas. Paris chama-se “cidade luz” por, no século XIX, ter sido a capital dos candeeiros a gás. Hoje, merece ainda o nome porque a torre Eiffel, muito próxima do edifício da UNESCO, brilha à noite. Para além da sua iluminação por projectores internos de sódio, oferece um feérico espectáculo de hora a hora graças a vinte mil lâmpadas que piscam ao acaso. E o cimo da torre emite constantemente luz invisível, ao suportar antenas de rádio e televisão que irradiam sinais.
Paris fica no continente com mais luminosidade nocturna, como podemos verificar observando fotografias de satélite. Em grande contraste, a África mostra-se escuro. Aí, tal como noutras regiões menos desenvolvidas, a luz artificial é, para muitos habitantes do planeta, um verdadeiro luxo. Em sítios sem rede eléctrica, ainda se usam candeeiros de querosene, que são poluentes e perigosos, para além de caros. Uma solução já apareceu, mais uma vez vinda da ciência. As lâmpadas LED, que estão a generalizar-se (a invenção dos LED azuis deu o último Nobel da Física), consomem tão pouco que podem usar a energia solar que é recolhida por um pequeno painel fotovoltaico e guardada numa bateria. Existem ideias engenhosas: o projecto “Um litro de luz”, exibido na abertura do Ano Internacional da Luz, aproveita garrafas de plástico contendo água para, de dia, canalizar a luz do Sol para o interior de uma casa e, de noite, difundir a luz de um LED à custa de energia armazenada. Com o ano dedicado à luz, as Nações Unidas, que tutelam a UNESCO, pretendem aumentar a consciência sobre o modo como as tecnologias ópticas promovem o desenvolvimento sustentável e oferecer soluções aos desafios mundiais nas áreas da energia, educação, agricultura, comunicações e saúde. Não se trata apenas de fazer da noite dia, permitindo a muitos jovens estudar mais horas, trata-se também, por exemplo, de fornecer boa visão a quem a não tem: um projecto de uma ONG intitulado “Óculos a um dólar” desenvolveu uma armação leve e robusta, que é feita dobrando simplesmente um fio metálico, numa máquina que nem precisa de ligação à corrente. E trata-se, outro exemplo, de curar doenças: uma dermatologista vietnamita que trabalha num hospital de Boston viaja à sua terra natal, equipada com um laser, cuja luz usa para apagar manchas congénitas da pele em crianças.
A luz está omnipresente no dia-a-dia. O espectro electromagnético, cuja descoberta faz agora 150 anos, é hoje quase todo aproveitado, das ondas de rádio, que nos permitem ouvir no carro a nossa estação preferida, aos raios gama, que servem para tratar tumores cancerosos, passando pelos raios infravermelhos, tão úteis para mudar de canal televisivo, e pelos raios X, que descobrem doenças escondidas. Para já não falar da luz visível, que confundimos com a energia eléctrica quando falamos em “pagar a conta da luz”. Os lasers estão hoje por todo o lado, num vulgar leitor de CD ou na caixa de um supermercado. E as fibras ópticas, inventadas há 50 anos, trazem os sinais de TV por cabo, Internet ou telefone a nossas casas quase à estonteante velocidade da luz (num segundo, a luz pode dar oito voltas à Terra). A luz, para além de fenómeno físico, é fonte de arte, seja esta pintura, fotografia ou cinema. A luz tem também, como foi dito, uma forte carga simbólica: O século XVIII foi, em França, o século das Luzes, pois a luz significa razão, entendimento, verdade. Na religião cristã, a luz significa transcendência: “a luz não é Deus, mas Deus é luz”, afirmou em Paris o cardeal Gianfranco Ravasi, que preside ao Conselho da Cultura do Vaticano.
Celebremos a luz no ano dela. Portugal junta-se aos outros países para melhor conhecer e aproveitar a luz. É uma oportunidade única para educar, inspirar e ligar à escala global. Múltiplas iniciativas a propósito da luz vão aparecer no sítio português www.ail2015.org . Quem tiver alguma ideia luminosa é convidado a juntar-se à grande festa da luz.
terça-feira, 27 de janeiro de 2015
As mães
Hoje, setenta anos 70 anos depois da libertação de um dos campo de concentração onde mais pessoas foram mortas, lembram-se essas pessoas e as que sobreviveram desfeitas, como Primo Levi.
Primo Levi (imagem encontrada aqui) |
"Cada um despediu-se da vida da forma que lhe era mais própria. Alguns rezavam, outros beberam para além do normal, outros inebriaram-se com a última nefanda paixão. mas as mães ficavam acordadas para preparar com amoroso cuidado a comida para a viagem e lavram os filhos, e fizeram as malas, e de madrugada os arames farpados estavam cheios de roupas de crianças estendidas a secar ao vento; e não se esqueceram das fraldas, dos brinquedos, das almofadas e das cem pequenas coisas que elas bem conheceram, e das quais os filhos smpre precisaram. Não fariam o mesmo? Se amanhã esperassem ser mortos com o vosso filho...?"
Em defesa da ciência, a união dos cientistas
Meu artigo no n.º 51, que acaba de sair, da revista do SNESUP:
A
ciência não é apenas o conhecimento do mundo, é também o método através do qual
se adquire esse conhecimento. E a ciência é ainda o conjunto de valores que
preside à aplicação desse método. No exercício da ciência, o conhecimento novo
emerge por aplicação de um método bem conhecido, no quadro de um sistema de
valores consensual. A comunidade científica deve velar para que o método seja
bem aplicado e para que os valores comuns sejam respeitados. A chamada
“avaliação por pares” serve para apurar a validade dos resultados da ciência.
Mas serve também para assegurar o melhor desenvolvimento da ciência, por
exemplo atribuindo bolsas de doutoramento ou pós-doutoramento aos melhores
candidatos e apoiando as unidades de investigação de acordo com a sua
comprovada produtividade científica. Para que a ciência possa florescer, é
preciso que a sociedade apoie os cientistas e as suas instituições, sendo a cultura
científica o cimento que permite ligar os cidadãos aos cientistas e à
investigação.
Nos
últimos 20 ou 30 anos a ciência ganhou uma escala nunca vista em Portugal.
Graças a um forte impulso no investimento, muitos jovens talentosos vieram para
a ciência, com o apoio de bolsas, e estabeleceu-se um sistema de avaliação
internacional dos centros de investigação, baseado em visitas aos centros. A
cultura científica foi-se difundindo. No entanto, aprendemos todos nos últimos
anos, decerto com mágoa, que o desenvolvimento da ciência em direcção aos
padrões europeus que se vinha a verificar não era um dado adquirido. As bolsas
diminuíram inesperadamente e a avaliação de unidades passou
incompreensivelmente a ser mal feita. O inimaginável aconteceu: o apoio à cultura
científica foi interrompido. Tudo isto se passou devido à interrupção na aposta
na ciência que vinha a ser feita por vários governos. Apesar de ter havido
alguma reacção na comunidade científica contra esse novo estado de coisas,
causado por políticas obscurantistas que visaram a contracção da ciência (o
primeiro ministro e o ministro da Economia apontaram o dedo à falta de
utilidade da ciência que era feita), o certo é que essa comunidade,
relativamente recente, não teve a força suficiente para enfrentar o poder
político quando este começou a maltratar a ciência. Os cientistas nacionais não
conseguiram ainda organizar-se em defesa da ciência, designadamente juntando
representantes de várias disciplinas em torno de objectivos comuns. A ciência tem
que consolidar o seu sistema de gestão, de modo a assegurar a sua estabilidade
ao longo dos vários ciclos políticos, colocando-a ao abrigo de flutuações extremas
e arbitrariedades da tutela. É certo que, sendo a ciência financiada
publicamente, têm de existir políticas públicas de ciência, mas essas políticas
têm de ser propostas, decididas e aplicadas em colaboração com os cientistas e
não contra eles. Os cientistas têm de ser parceiros e não adversários.
A
comunidade científica portuguesa foi desconsiderada no ano de 2014. O ano
começou com os jovens cientistas a virem para a rua em justo protesto contra a
diminuição drástica das bolsas de investigação e o ano acabou com uma avaliação
catastrófica das unidades de investigação, que motivou muitos protestos,
apoiados pelos reitores das universidades e presidentes dos politécnicos, que
denunciaram de um modo muito claro uma avaliação que em rigor não merece esse
nome.
Em
primeiro lugar, deixou de ser reconhecida pela FCT – Fundação para a Ciência e
Tecnologia a enorme relevância da formação de recursos humanos no progresso da
ciência. Cortando abruptamente o número de bolsas, não existindo a necessária
renovação do corpo docente nas escolas superiores e rareando as oportunidades
de emprego científico no mundo empresarial, aos jovens altamente qualificados,
a quem os cidadãos nacionais com os seus impostos pagaram as qualificações, não
lhes resta outra perspectiva que a de abandonarem o país. Muitos o têm vindo a
fazer, na esperança de melhorarem a sua situação pessoal, mas deixando o país
indiscutivelmente mais pobre. Em segundo lugar, e na mesma linha de
encolhimento do esforço em prol da ciência, a FCT encomendou à European Science
Foundation um corte de 50 por cento das unidades de investigação, destruindo de
uma penada um sistema que tinha levado anos a ser construído. Foi uma operação,
disfarçada com o nome de “processo de avaliação”, que mais não pretendia do que
concentrar nuns poucos, escolhidos de um modo pouco transparente, o que antes
estava distribuído numa rede plural e diversificada. Não se olhou a meios para
cumprir objectivos pré-estabelecidos à revelia da comunidade científica, pelo
que os protestos choveram, não só dos institutos e laboratórios directa ou
indirectamente atingidos, mas também, das escolas superiores, das sociedades
científicas, dos sindicatos e das associações de investigadores, dos partidos
políticos e dos órgãos de comunicação social. O mais espantoso é que, apontadas
de um modo muito claro na praça pública as numerosas irregularidades
(ilegalidade do processo de quota de pré-eliminação de metade, atropelo pela
FCT às normas fixadas por ela própria e a deficiente habilitação de muitos
“avaliadores”), em vez de ter havido a necessária humildade para analisar os
defeitos apontados, num diálogo com a comunidade científica, como seria de
esperar, todos os protestos foram ignorados. A ciência que era acarinhada como
um bem comum de alguma forma ficou refém de um pequeno grupo
circunstancialmente no poder. E o que estes fizeram foi a política do “quero,
posso e mando”, ao completo arrepio do que são os valores da comunidade
científica, que não teve até agora a capacidade necessária para se afirmar. A
opinião pública, alertada pelos media, percebeu que os gestores de ciência, de
nomeação governamental, tinham perdido a confiança dos seus antigos colegas,
mas, num quadro político em que os sintomas de desagregação se multiplicam,
aceita isso como um facto normal.
Até
quando? Pois estou em crer que a ciência, fundada num sólido sistema de valores
(onde as manigâncias da pequena política não deviam, por isso, ter lugar),
saberá resistir. Não estando entre nós ainda madura, a ciência já cresceu
suficientemente para resistir a sérias provações como aquelas a que tem vindo a
ser sujeita. A comunidade científica acabará por tomar consciência do grande
papel que lhe cabe na sociedade, de modo a que o seu destino não fique nas mãos
de grupos restritos. A cultura científica continuará a fazer o seu caminho, unindo
pessoas e instituições. A seu favor tem o facto de ser cada vez mais claro que os assuntos da ciência interessam não só aos cientistas mas também aos
cidadãos em geral. O exercício livre e responsável da ciência pelos cientistas,
liberto de interferências da politiquice, mas sempre em diálogo com a
sociedade, é a condição de um futuro melhor para todos.
CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM PORTUGAL: MÉTRICAS E IMPACTO (1995-2011)
Extracto do meu livro, escrito a meias com Armando Vieira, com o título de cima, que acaba de sair, com acesso livre na versão digital, do prelo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (na imagem, o Biocant, em Cantanhede):
"De 1995 a 2011, desde que em Portugal
foi criado o Ministério da Ciência e Tecnologia (hoje, com a Ciência ligada
à Educação, designado por Ministério da Educação e Ciência) até ao último ano
sobre o qual há estatísticas consolidadas, as actividades relacionadas com a
ciência e a investigação conheceram em Portugal um extraordinário incremento
tanto do ponto de vista qualitativo como quantitativo. Por exemplo, o
investimento nessa área passou de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), um valor
muito inferior ao da média da União Europeia (UE), a 17 países, que era de 1,8%
em 1995, para 1,5%, um valor bem mais próximo da média da UE, que era em 2011
de 2,0%. Num fenómeno acelerado de convergência com a UE, que dificilmente
encontra paralelo noutras áreas, este indicador-chave passou de cerca de um
terço para três quartos da média europeia.
Levando em conta um conjunto de inputs e de outputs, o presente trabalho pretende, explicitar essa
transformação por meio de vários indicadores que medem a actividade
científico-tecnológica e apurar o impacto que essa transformação teve na
sociedade portuguesa, em particular na actividade económica. Apresentaremos, para alguns indicadores, um benchmarking com alguns países europeus a fim de se compreender
melhor o nosso lugar no contexto europeu em que nos inserimos. Entre esses
países incluímos três que, como Portugal, se situam no Sul da Europa e têm
padecido, como o nosso, de sérios problemas financeiros e económicos (Espanha,
Itália e Grécia), dois outros de dimensão inferior à nossa e também com costa
atlântica, mas situados no Norte da Europa e claramente mais desenvolvidos
(Irlanda e Holanda), e um outro ainda situado no Centro da Europa que tem não
só um nível de desenvolvimento mas também um perfil científico semelhante ao
nosso (República Checa). No final, procuraremos caracterizar o estado actual do
sistema de ciência e tecnologia em Portugal, ensaiando uma percepção global dos
seus principais pontos fortes e fracos.
De facto, nos referidos 16 anos,
Portugal aumentou consideravelmente o seu investimento em investigação e
desenvolvimento (I&D): contribuiu para essa “explosão” o crescimento do
financiamento público nesta área entre 1995 e 2011, que passou de 0,3% para
0,7% do PIB.. Mas contribuiu ainda
mais o crescimento do financiamento privado, embora este tenha sido em parte
ajudado pelo Estado, que passou de 0,2% para 0,8% do PIB, isto é, estava abaixo
do sector público e ultrapassou-o, imitando o que aconteceu há algum tempo em
países mais desenvolvidos. O crescimento do investimento privado em I&D
nesse sector foi maior do que o crescimento do investimento público: com a
ajuda de uma valorização por via fiscal de alguns indicadores relativos a
I&D das empresas, esse investimento mais do que quadruplicou entre 1995 e
2011. Em 2011, num panorama de crise financeira e económica, o investimento em
I&D apenas tinha baixado ligeiramente em relação ao máximo atingido no
período considerado, que foi de 1,6% em 2009 (note-se que o PIB desceu na
primeira década do século XX, de modo que os dinheiros aplicados em I&D têm
vindo a diminuir em valor absoluto). O crescimento do investimento em I&D
foi interrompido nos últimos anos, mas a diminuição foi relativamente pequena, não modificando a imagem global de um enorme
crescimento.
Sendo certo que o valor português do
investimento em I&D, considerando tanto o investimento público como o
privado, ainda está distante dos países europeus mais desenvolvidos, não é
menos verdadeiro que ele representa, ainda assim, um grande esforço nacional
para um país sem grande tradição científico-tecnológica. Em resultado desse
esforço, e também porque partia de uma situação de grave deficiência no cotejo
internacional, Portugal exibiu progressos notáveis no número e
qualificação da sua mão-de-obra científica: o número de novos doutorados por
cem mil habitantes aumentou de 5,7 para 17,5 (cerca de três vezes) entre 1995 e
2011, tendo o número de investigadores, em Equivalente de Tempo Integral - ETI,
também aumentado de 2,4 para 9,0 por cem mil habitantes, no mesmo período
(também mais de três vezes). Os recursos humanos em I&D são normalmente
medidos em ETI, ou seja, a percentagem de tempo dedicado por uma pessoa à
investigação: por exemplo, se um professor universitário dedicar 33% do tempo à
investigação, conta como 0,33 ETI. Note-se, porém, que a definição portuguesa
de investigador, usada para fins estatísticos, tem mudado ao longo do tempo,
sendo ainda hoje alvo de controvérsia: ela difere decerto da definição adoptada
noutros países. Todo este investimento traduziu-se, como era de esperar, num
aumento significativo da produção científica, medida pelo número de publicações
científicas: este passou de 0,25 por mil habitantes em 1995 para 1,62 em 2011
(mais de seis vezes!). Isto é, os investigadores portugueses não só aumentaram
em número como passaram a produzir bastante mais.
São decerto razões para abonar a
auto-estima nacional. Contudo, estes números não nos devem iludir. Portugal
continua abaixo da média da União Europeia não só no investimento em I&D mas
também em aspectos fundamentais da sua actividade científica, tais como a
quantidade e qualidade da sua produção científica e tecnológica. Por exemplo, o
número médio de novos doutorados em toda a União Europeia em 2011 por cem mil
habitantes foi de 22,9, claramente superior ao nosso. E, em parte por termos
nominalmente um número de investigadores per
capita superior à média europeia, em resultado da definição portuguesa de
“investigador” usada para fins estatísticos, a sua produtividade, medida em
número de publicações, é bastante inferior à média europeia. Por outro lado,
uma das pechas nacionais tem sido a ainda deficiente transmissão dos
conhecimentos e capacidades científicos-técnicas ao tecido económico. Este
último aspecto é bem visível por exemplo, não apenas no reduzido número de
patentes portugueses (este número é praticamente insignificante no contexto
europeu), mas também no insatisfatório crescimento dos negócios das empresas
portuguesas que se baseiam em conhecimento científico-tecnológico. Houve,
decerto, alguns bons exemplos de criação e desenvolvimento de empresas baseadas
nesse tipo de conhecimento, mas não se pode dizer que eles tenham sido uma
regra generalizada, de modo a constituírem-se em motor da economia nacional. A
economia portuguesa ainda parece ser dominada por sectores mais tradicionais,
que só nalguns casos (o calçado ou os vinhos, por exemplo) conheceram um forte impulso
de modernização.
Neste trabalho vamos apresentar o
sistema científico e tecnológico nacional apresentando os principais números
relativos, por um lado, ao investimento, aos recursos humanos e às
infra-estruturas (inputs) e, por
outro lado, à formação de pessoas, à produção científica e à transferência de
tecnologia (outputs), de modo a
proporcionar uma visão de conjunto desse sistema e dos efeitos que ele tem tido
no país."
AJUDEMOS A CASA DAS CIÊNCIAS
Texto primeiramente publicado na imprensa regional.
A Casa das Ciências, o Portal Gulbenkian para Professores,
foi criada em 2008 e apresentada no ano de 2009, mas é um projeto ainda assim desconhecido
por muitos professores de ciências, o seu público-alvo. O seu acesso é gratuito
e só requisita um registo. Este é um projeto muito interessante e que surgiu
dentro da lógica de apoio da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) à educação em
Portugal, tanto na elaboração de conteúdos como no apoio a docentes.
A Casa das Ciências é um espaço virtual, um
repositório de recursos educativos digitais (vídeos, animações, simuladores,
apresentações, guiões, etc.) com uma característica única em Portugal: os
recursos publicados passaram por uma revisão por pares, tanto na sua componente
científica como pedagógica.
A Casa das Ciências tem três vertentes, representadas no
Portal em três secções diferentes: Materiais, Banco de Imagens e WikiCiências. Acolhe ainda a
publicação da Revista de Ciência Elementar.
Na secção dos Materiais os utilizadores encontram recursos
educativos digitais que podem ser usados pelos professores de ciência. É
objetivo primordial do Portal oferecer aos professores das diferentes áreas
científicas, desde o ensino básico até aos primeiros anos do ensino superior,
ferramentas digitais de qualidade e em português. Nesse sentido, todos os
materiais submetidos pelos utilizadores passam por um processo de avaliação por
pares, tanto a nível científico como pedagógico, como já se disse, mas convém sublinhar.
No Banco de Imagens é possível a qualquer utilizador submeter
imagens que pense serem relevantes para o ensino das ciências e que passam
depois por uma revisão editorial feita por um cientista da área em questão.
Depois de publicadas, as imagens ficam disponíveis para download com uma
licença Creative Commons (uso com atribuição da autoria). Quanto à
WikiCiências, esta pretende ser uma enciclopédia online de referência para a
consulta de termos relacionados com a ciência, em português e, claro, com
validação por especialistas de cada uma das áreas científicas representadas.
A
Revista de Ciência Elementar, já com cinco número editados, inclui artigos de
cariz enciclopédico, mas também notícias e artigos de opinião.
Reforço, uma vez mais, o caráter gratuito de todas as
valências da Casa das Ciências!
Desde
a sua criação já foi visitada mais de 2,5 milhões de vezes. Possui 15 mil
utilizadores registados, sendo maioritariamente utilizada por professores de
ciências.
Até
2014, este projecto foi exclusivamente financiado pela FCG. Mas agora, este excelente projecto, único em Portugal, está
num impasse, uma vez que o apoio da FCG cessou. Assim, os promotores deste
projecto estão actualmente à procura de meios de financiamento alternativo para
que a Casa não feche. Decorre neste momento uma campanha de crowdfunding que visa suportar
financeiramente a Casa das Ciências nesta fase de transição. Agradece-se a
todos a melhor e possível contribuição para não deixar morrer esta Casa.
A coordenação deste projecto é feita a partir da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto pelos professores Maria João Ramos, Alexandre Magalhães e Pedro Alexandrino Fernandes.
A coordenação deste projecto é feita a partir da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto pelos professores Maria João Ramos, Alexandre Magalhães e Pedro Alexandrino Fernandes.
António Piedade
segunda-feira, 26 de janeiro de 2015
“Será o aquecimento global apenas uma flutuação natural gigantesca?”
Dia 30 de Janeiro de 2015, pelas
18:00 horas no auditório do Exploratório CCVC, em Coimbra
“Será o aquecimento global
apenas uma flutuação natural gigantesca?”
Prof. Shaun
Lovejoy (McGill Univ., Montreal)
SUMÁRIO
Estudos do clima têm-se dedicado a
provar que o aquecimento global observado na Terra no
período pós-industrial tem, em grande parte, causa
humana, tendo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC) alterado, o ano passado, a sua
avaliação dessa teoria de "provável" para "extremamente
provável". No entanto, os chamados “céticos” têm
continuado a defender a teoria alternativa de que o
aquecimento global é simplesmente uma flutuação natural
enorme, decorrente da variabilidade climática.
Recentemente um estudo independente apresentou à
comunidade científica uma refutação desta teoria,
baseada em argumentos simples, que dá a causa
antropogénica como a única possível para o aquecimento
global. Esta argumentação será apresentada de forma
sumária nesta palestra, sem se recorrer a modelos
complicados. Espera-se contribuir, assim, para o debate
científico sobre o aquecimento global, que conduz a
mudanças climáticas, com potenciais impactos negativos
para o Homem e o Ambiente.
Numa segunda parte da palestra
discutir-se-á o que poderá ainda ser feito para, no
futuro, diminuir a taxa de aumento da temperatura do ar
e o que pode ser feito para lidar com as alterações
climáticas (exemplos: eventos extremos de temperatura,
precipitação, mais intensos e frequentes; aumento do
nível médio da água do mar).
A resposta às questões levantadas
envolve medidas económicas e políticas de fundo que têm
gerado controversa, sendo as medidas defendidas por
alguns desafiadoras de interesses (económicos)
instalados.
À LUZ DA CIÊNCIA
Ciclo de palestras no Rómulo, em 2015, organizadas por António Piedade:
24/02/2015 –
Sérgio Rodrigues - A química das coisas triviais
10/03/2015 – Cláudia
Silva - Como se faz um comprimido (Bluepharma)
24/03/2015 – Jorge
Paiva – Plantas, Mitos, Fabulações e Realidades
14/04/2015 – Alexandre
Quintas – Novas substâncias psicoactivas
28/04/2015 – Jorge
Landeck – Como se mede o consumo energético (ISA)
12/05/2015 – António
Piedade – A Luz da Vida
26/05/2015 – Nuno
Ferrand de Almeida- Biodiversidade
16/05/2015 – Francisco
Gil – Luz e Matéria
23/06/2015 - Carlota Simões - Música e natureza: do canto das aves à música ocidental
30/06/ 2015
– José Xavier - Porque é que o que se passa na Antártida é importante
para ti?
Como "O Observador" observa o livro "Ciência e Tecnologia em Portugal"
|
domingo, 25 de janeiro de 2015
ANÁLISE DO SISTEMA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA NACIONAL
Despacho da Lusa transcrito do Público on-line sobre um livro que vai ser lançado no Rómulo- Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra, segunda-feira, pelas 18h (o livro pode ser descarregado gratuitamente do sítio da editora, a Fundação Francisco Manuel dos Santos):
"Um estudo assinado pelos físicos Carlos Fiolhais e Armando Vieira conclui que o sistema de Investigação e Desenvolvimento (I&D) português "parece estar excessivamente dependente do Estado".
Num trabalho da Fundação Francisco Manuel dos Santos, os dois cientistas questionam a sustentabilidade do sistema de I&D português, considerando que "os jovens doutorados, formados em número significativo, constituem uma mão-de-obra especializada que não encontra acolhimento no tecido empresarial português, vendo-se em muitos dos casos forçados a emigrar".
De acordo com as conclusões do estudo, intitulado Ciência e Tecnologia em Portugal - Métricas e impacto (1995-2011), "as empresas, em parte por falta de conveniente percepção dos respectivos responsáveis, não têm conseguido aproveitar e canalizar para benefício de mais gente as mais-valias" da formação de profissionais qualificados.
Os investimentos públicos realizados, "sobretudo em formação de recursos humanos, acabaram por não ser absorvidos pelo sistema económico", aponta o estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos. xxx Apesar de observarem essa dependência do Estado, Carlos Fiolhais e Armando Vieira consideram que "seria um erro diminuir o investimento público em ciência", defendendo que tem de haver "alguma inteligência na colocação desse investimento".
Na análise, os autores também criticam a actual política durante a crise, considerando que esta está "a ter consequências na ciência, sendo claro que foi interrompido nos últimos anos o ciclo de crescimento na parcela de I&D, tanto público como privada".
A "abrupta" descida do número de bolsas atribuídas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia em 2014 e o corte "de praticamente metade das unidades de investigação após um processo sumário de avaliação" são alguns dos exemplos dessa mesma política, apontam.
Os autores frisam que "o discurso governativo sobre a ciência tem oscilado entre a defesa da "excelência" (um conceito que nunca foi precisado) e a referência à necessidade de reforço da "ligação às empresas" (que não é acompanhada da indicação do modo de concretizar esse reforço)".
Nas conclusões do estudo, são apontados vários pontos fracos ao estado da ciência e tecnologia em Portugal, como o "reduzidíssimo número de pedidos de patentes [11 por um milhão de habitantes face às 102 por um milhão da média europeia]", pouco investimento em startups, fraco peso do emprego em actividades em tecnologia e baixa atractividade de investimento estrangeiro para actividades de ciência e tecnologia.
Como pontos positivos da evolução da ciência e da tecnologia em Portugal entre 1995 e 2010, os cientistas registam "a convergência nos parâmetros que medem I&
D face à média da União Europeia", a criação de "boas infra-estruturas", o "número significativo de unidades de I&D bem classificadas em avaliações internacionais" e o "crescimento da produção científica nacional".
Este retrato do sistema científico nacional vai ser apresentado e discutido na segunda-feira, no Centro Ciência Viva, da Universidade de Coimbra, pelas 18h00."
Publicidade e conhecimento
Luc Ferry |
Como o tempo de aprendizagem não estica, afastam-se os conteúdos disciplinares que se diz não "servirem para nada" e, não se dizendo, aqueles que, por envolverem de modo especial o pensamento crítico, podem colocar em causa o efeito da publicidade. As Clássicas têm sido as vítimas mais evidentes, mas também a Filosofia e, porque o pensamento crítico não é apanágio destas duas áreas, um pouco de mais desta e daquela. Na verdade, se virmos bem, este pensamento tão elogiado quanto detido....
Efectivamente, a presença da publicidade na escola é, agora, uma realidade. Mais: uma realidade que se legitimou e que não encontra crítica social.
Seja isso porque a mensagem é (obviamente) disfarçada de um altruísmo que se impõe acima de qualquer suspeita (afinal, a manipulação é o seu campo de especialização) na forma de apoio, de incentivo, de suporte, etc. às crianças, aos jovens, às famílias, aos professores, à comunidade... seja porque as pessoas que percebem isso e discordam de uma tal intrusão no campo educativo formal não vêem outra saída para a manutenção das "dinâmicas" das escolas, muito valorizadas pelos pais e encarregados de educação, nos processos de avaliação externa, etc.
Lembro-me bem que ainda há cinco ou dez anos se achava estranho que "as grandes marcas" (que têm departamentos próprios para a publicidade nas escolas) passassem os portões das escolas. A excepção eram alguns patrocínios amadores e solidários de empresas locais que, em épocas especiais do ano lectivo, ajudavam a concretizar festas e pouco mais a troco de verem o seu nome num cartaz ou jornal de turma. As editoras de manuais escolares (em maior número e mais pequenas do que são agora) também os rondavam e conseguiam, em alguns casos, ir entrando, mas nunca com a pujança com que agora (as poucas e enormes) se foram instalando.
Nesta nova realidade, o que se pode, ou, antes, se deve fazer?
Tenho afirmado no De Rerum Natura que o problema não está do lado das empresas; está, isso sim, do lado do sistema público de ensino (e dos diversos agentes educativos). As empresas estão viradas para si e têm o propósito do lucro; o sistema público de ensino (é estranho ter de lembrar isto) está (ou deveria estar) virado para o Bem (no sentido filosófico) do aluno, da sociedade e da humanidade e tem (ou deveria ter) o propósito de difundir o conhecimento e desenvolver a inteligência. Estamos face a dois universos distintos, inconciliáveis na sua essência. Não vale a pena arranjarmos malabarismos discursivos para distorcer ou contornar esta realidade.
Assim, vejo que, mais tarde ou mais cedo, esse sistema, e cada escola, tem de parar para fazer uma dupla reflexão. A primeira é sobre a legitimidade desta cada vez mais aguerrida intrusão da publicidade no espaço e no tempo que é o seu, especificamente destinado à instrução; a segunda é sobre a possibilidade que, efectivamente, tem de levar os alunos a discernir a lógica publicitária e, sobretudo, conduzi-los a outros interesses que sejam mais consonantes com a condição humana.
Luc Ferry, filósofo, classicista, (polémico) ex-ministro da educação francesa explica bem esta ideia num livro e numa entrevista, que partilho com os leitores. De notar que a palavras a azul são minhas, não deste autor.
"... campanhas publicitárias... uma das suas principais missões é transformá-las tanto quanto possível em perfeitos consumidores. Esta lógica, na qual entram cada vez mais cedo, pode revelar-se destruidora. Ela instala-se nas suas cabeças mediante um trabalho de sapa: quanto menos dispusermos duma vida interior rica no plano moral, cultural e espiritual, mais nos expomos à necessidade frenética de comprar e de consumir. O tempo de «locação de cérebros vazios» que a televisão [e agora a escola] oferece aos anunciantes é, portanto, uma dádiva. Interrompendo sem cessar programas, esses canais [e agora a escola] visam, literalmente, mergulhar aqueles que os seguem num estado de ressaca.
In A sabedoria dos mitos (Temas e Debates/Círculo dos Leitores), 2014, 43.
"Digo aos meus amigos empresários (...) «vocês são esquizofrénicos, estão divididos em dois». Como empresários de direita (geralmente são de direita ou, então, são hipócritas), os valores morais deles são reaccionários. Gostam que as crianças sejam bem educadas por personalidades autoritárias que determinam as regras, etc. E eu digo-lhes: «Em casa são autoritários, reaccionários, de direita e nas suas empresas fazem exactamente o contrário. Fazem grandes campanhas publicitárias para transformar as crianças em (...) consumidores viciados. É preciso escolher. O que querem? Querem as crianças educadas, inteligentes, cultas? Ou querem crianças (...) consumidoras para que as vossas empresas funcionem. Você não podem ter as duas coisas. Não podem ter o mundo do consumo para que as vossas empresas funcionem bem com crianças educadas.» As duas coisas não funcionam. Esta é a grande contradição do mundo actual (...).
Vivemos num mundo de hiperconsumo, onde somos permanentemente tentados por todo o tipo de objectos maravilhosos. O consumo (...) tem a mesma estrutura que o vício. O único meio que eu conheço de lutar contra o consumo viciante é dar às nossas crianças o sentimento de que há coisas mais belas e mais importantes. É vital transmitir aos pequenos, quando eles têm 4, 5, 6 anos, os contos de fadas, as narrativas da mitologia grega para lhe dar o sentimento de que há coisas superiores ao registo do consumo. Não é proibindo o consumo que chegamos lá, isso não funciona. É preciso nivelar por cima, dano o sentimento de que há elementos na cultura que são mais intensos, mais profundos, mais divertidos. Por exemplo, o que é incrível na mitologia grega é que ela é muito crua, muito dura. Ela fala de sexo, de morte, de sadismo, de amor, de guerra. É isso que fascina as crianças. Não se deve edulcorar. Isto não perturba as crianças. Elas acham normal que os malvados sejam punidos com dureza. É preciso ler os contos de fadas, é preciso ler a mitologia grega. É o único meio de fazê-lo ir além do mundo do consumo."
In Entrevista a Café filosófico (aqui).
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