Texto recebido da nossa leitora Teresa Sousa Machado, a quem agradecemos:
A propósito da notícia “Politécnicos sobem média a alunos que acabem cursos no tempo previsto”, publicada no Público de sábado, 2 de Fevereiro, por Samuel Silva.
A divulgação da prática praticada – de atribuição de bonificações “(...) a estudantes que terminam os respectivos cursos dentro do tempo previsto” – em instituições como o Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa (ISCAL), e pelo Instituto Politécnico de Leiria (IPL), referida pelo jornalista Samuel Santos, no Público (p. 10) do passado sábado, dia 2 de Fevereiro, deve merecer reflexão e indignação.
Merece-me também, desde já, agradecimento a Samuel Santos por nos informar do que se passa em instituições públicas que todos pagamos e por isso somos também responsáveis pelo que nelas se passa.
Para além da medida em si mesma, as justificações dos respectivos presidentes desvirtuam o espírito de rigor, empenhamento, sentido crítico e honradez pelos quais se deve gerir qualquer instituição de ensino, em qualquer nível de escolaridade. Traduzem ainda uma concepção comportamentalista/mecanicista da aprendizagem (e desenvolvimento), reduzindo-a a processos vazios de atribuição intrínseca de sentido e de vontade própria; concebendo-os por isso mesmo, como apenas, ou predominantemente, implementados por atribuição de reforços externos.
Admitindo que essa concepção de aprendizagem, e de desenvolvimento, é válida para diversas espécies animais, espanta-me que possa ser tida como a desejável para a espécie humana. O argumento utilizado para justificar tal prática é falacioso e perigoso. É-nos dito que a medida “(...) destina-se a premiar o mérito dos alunos que fazem um percurso académico exemplar” (afirmação do presidente do Politécnico de Lisboa, ao qual pertence o ISCAL, citado in Silva).
Como professora universitária, posso afirmar que um percurso académico exemplar corresponde, hoje, a desempenho académico avaliado efectivamente – i.e., sem quaisquer artifícios ou “bonificações” – a uma média de 17 (dezassete), ou mais valores. Acredito ainda que um aluno com um “percurso académico de excelência” (e por isso exemplar – que significa “digno de tomar-se como exemplo” – a manter-se a definição que vejo nos dicionários portugueses autorizados), um aluno destes, dizia, repudiaria qualquer favoritismo ou bonificação na sua média; esta é a ideia que retenho dos meus alunos. Quanto ao segundo argumento citado; i.e., de que o prémio “(...) contribui para que o aluno permaneça o menor tempo possível no sistema de ensino superior, com a consequente diminuição de custos para o país” – é, a meu ver, perigoso, enganoso e falacioso.
O ensino superior não é obrigatório, resulta da opção de cada um – e cada um, nesse nível de ensino, é um adulto que pode (e é-o legalmente) ser responsabilizado pelos seus comportamentos. Não nos enganemos, o facto de “concluírem os estudos no tempo previsto para o curso” não deve ser visto como algo mais do que o “normativo” – não merece certamente nenhuma bonificação.
É o que esperamos de adultos responsáveis, que escolheram com critério uma opção de vida. Não constitui qualquer favor, que nos façam, a todos nós que contribuímos (quer queiramos, quer não) para a sua formação. Premiar o normativo, é patológico; é desvirtuar o “normal”, é enviar mensagens contraditórias aos jovens, é enganá-los é, imagino, “comprá-los” com migalhas que nós próprios desprezamos.
Não espero, à saída do supermercado, receber uma prenda (ou um bónus) porque não roubei nada (embora até veja agora nos jornais que há quem não ache mal “roubar só uma coisita barata”!). Não espero que me elogiem porque não insultei ninguém! Não espero que me agradeçam porque não passei à frente na fila do cinema! Não espero ser louvada porque saí à rua vestida! Lamento muito que estas situações ocorram sem suscitar indignação, tristeza, desalento.
Acredito na motivação intrínseca, no prazer cognitivo, na satisfação de uma tarefa bem cumprida, de um desempenho conseguido, na vontade de melhorar – distingue-nos de outros animais. Ao meu cão, por outro lado, educo com reforços; punições externos (fechar na varanda, se morde o sofá; muitas festas ou passeio se se manteve limpo) – se o faço, é porque não lhe posso explicar que não gosto do sofá roído, ou de porcaria no chão.
Chama-se a este processo, aprendizagem por condicionamento, resulta da associação entre dois estímulos e – não obstante algumas divergências de interpretação teórica – não envolve, forçosamente, “entendimento” (no verdadeiro sentido do termo)! Há cerca de um século que Pavlov o mostrou, precisamente com um cão.
Lamento que seja utilizado o mesmo tipo de reforço no ensino superior. Consolo-me então cada vez que assisto a aulas com crianças pequenas, ou que as vejo brincar e resolver problemas complexos – como construir o castelo do Harry Potter em legos, ou fazer boiar um barquinho que construíram, ou compreender que 2+2+2 são seis, assim como 4+2 são seis, assim como 5+1 são seis, e repetem a descoberta das múltiplas combinações e/ou coleções/classificações, com bonecas, berlindes, conchas, pedras (à semelhança de Darwin nas ilhas Galápago); crianças que, ao contrário dos que necessitam de bonificações para terminar o curso no tempo previsto, ficam felizes com as suas descobertas pessoais e, seus Pais ficam descansados pois “que tudo está” bem com a construção cognitiva dos seus filhos, e o prazer que dela retiram.
Enfim, invejo as Educadoras que podem – ainda – trabalhar com a honestidade da construção pessoal; e agradeço aos meus alunos que acreditam, comigo, na gratificação pela realização cognitiva e, tal como as crianças, na satisfação pela descoberta pessoal.
Teresa Sousa Machado
Professora de Psicologia na Universidade de Coimbra
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8 comentários:
Em minha opinião:
Mais que "as justificações dos respectivos presidentes" desvirtuarem "o espírito de rigor, empenhamento, sentido crítico e honradez pelos quais se deve gerir qualquer instituição de ensino, em qualquer nível de escolaridade.[E traduzirem] ainda uma concepção comportamentalista/mecanicista da aprendizagem (e desenvolvimento)", tais justificações são uma vigarice criminosa que, num país decente, deviam levar a imediata demissão e irradiação.
Repito, é a minha opinião.
O medo é o recurso mais abundante no mundo, sempre quero ver o que as nossas supostas elites irão fazer, por mim, mantenho-me atende e observador:
The World Core Curriculum
http://www.youtube.com/watch?v=Lqhf-BeADT4
Comparem agora com estes 2 pequenos apontamentos
olho-vivo-pe-ligeiro
Nestes vídeos fica claro que o problema da avaliação está falta de imaginação dos peritos ... entretanto os alunos que se lixem
Quando uma verdade arrumacom a treta toda
que vale o que vale
como a comparação de Darwin a uma analogia de treta duma psicomatose qualquer...
tou a brincar atão arreformas-te ou não baptista
há 1400 em lista de espera pelo teu poiso...
Claro, vale o que vale, tão só.
E a brincar:
Sobre "escrita criativa" e (eventuais) confusões mentais não tenho qualquer competência para me pronunciar.
Por outro lado, faz tempo que mudei o meu projeto de vida, que comuniquei a diversos colegas e tenho em vista propor superiormente..., e que é o seguinte:
- Trabalhar até aos 95 anos. Dos 95 aos 110 vai ser só namorar, passear e consumir o mealheiro. Dos 110 aos 125 será para escrever as memórias. E daí em diante deixo nas mãos de Deus.
Não vou, pois, reformar-me, até para não deixar 1399 à espera de um lugar... (a "contabilidade" não fui eu que a fiz).
Outra vez a sério:
Quanto a poiso, é coisa que não tenho, embora vá "poisando" por este sítio talvez demasiadas vezes, o que pode incomodar alguém, coisa que não aprecio. Ganhei assim a modos que um vício de vir aqui e isso pode cansar. Proponho firmemente moderar-me. Entretanto, quem não gostar, pode passar "por cima" dos meus comentários. Eu, que não sou exemplo, também faço isso, há muito tempo.
"Brigadinho" pelo alerta, ó junquer.
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