O português Jorge Álvares foi o primeiro europeu a desembarcar na China, em 1513, faz agora 500 anos. Partindo de Malaca, que tinha sido conquistada por Afonso Albuquerque em 1511, dirigiu-se, com fins comerciais, para Norte até alcançar a foz do Rio das Pérolas.
De facto, a terra não era nova. Desde
Marco Polo que a Europa sabia das maravilhas da China. Mas só a conquista de
Malaca tinha assegurado aos ocidentais uma rota marítima para a China. Os
portugueses encontraram, no que chamaram “terra
dos chins”, uma civilização avançadíssima. E, dada essa desigualdade, o
intercâmbio entre os portugueses e os chineses não correu bem nas primeiras
quatro décadas de contacto. O desconhecimento luso dos usos e costumes chins
era tremendo. Passados quatro anos da chegada de Jorge Álvares, uma missão
capitaneada por Fernão Peres de Andrade levando a bordo o embaixador Tomé Pires,
um ex-boticário, entrava em Cantão com o intuito de entregar uma mensagem de D.
Manuel ao imperador da China, estabelecendo relações diplomáticas e abrindo
portas ao comércio. Mas essa primeira missão portuguesa na China falhou
redondamente: não só demorou a chegar a Pequim, tolhida por todo o tipo de
obstruções, como acabou por não ser recebida. A corte imperial da dinastia Ming
não achou adequada a carta do monarca português. Os membros da missão foram
presos, alguns mesmo executados, uma vez regressados a Cantão.
Os navegadores portugueses, ao entrar pela
primeira vez em Cantão, tinham disparado uma salva num gesto ao mesmo tempo de
saudação e intimidação. Os chins estranharam a primeira e não se deixaram
impressionar pela segunda. Não era costume na China, onde a pólvora e o canhão
tinham sido inventados, cumprimentar aos tiros. Os portugueses, que vinham de
Malaca, um protectorado chinês, depressa perceberam que no Império do Meio não
podiam, como tinham feito noutros sítios da Ásia, entrar a ferro e fogo. A artilharia
portuguesa podia até ultrapassar a chinesa, mas os chins tinham bons navios e
boa pontaria, para além da sua superioridade numérica (as duas primeiras
batalhas navais foram por isso favoráveis aos chineses). Além disso, o comércio
que os portugueses buscavam estava na China bem regulamentado, incluindo os
tributos ao imperador. Os portugueses teriam de cumprir as regras se queriam
transaccionar ali e, para seu infortúnio, não estavam sequer inscritos nos
livros antigos de comércio que os mandarins mantinham. Era um encontro de
civilizações em que os extraterrestres eram inferiores aos indígenas.
João de Barros, na sua 3.ª Década da Ásia (Lisboa, 1563) conta como
os chineses viam os estrangeiros: “E bem
como os gregos, em respeito de si, todalas outras nações haviam por bárbaras,
assi os chins dizem que eles tem dous olhos de entendimento acerca de todalas
cousas, nós, os da Europa, depois que nos comunicaram, temos um olho, e todalas
outras nações são cegas.” Acrescenta: “E
verdadeiramente quem vir o modo de sua religião (...) os estudos gerais onde se
aprende toda ciência natural e moral, a maneira de dar os graus de cada ua
ciência destas, e as cautelas que tem pera não haver subornações e terem
impressão de letra muito mais antiga que nós, e sobre isso o governo de sua
república, a mecânica de toda obra de metal, de barro, de pau, de pano, de seda,
haverá que neste gentio estão todalas cousas de que são louvados gregos e
latinos.” A visão do cronista é a de um dos lados. Quem ler os livros
chineses logo percebe que o contraste era ainda mais nítido visto do outro lado.
Os portugueses eram considerados piratas sanguinários que traficavam pessoas além
de mercadorias, e foram, ainda que erroneamente, acusados de canibalismo
(correu até o boato que comiam criancinhas!). O historiador Fok Kai Cheong, que
investigou fontes chinesas, transcreve um texto coevo: “Os Feringis [os Portugueses] são os mais cruéis dos bandidos. Devem,
pura e simplesmente, ser afastados” (Estudos
sobre a Instalação dos Portugueses em Macau, Gradiva, 1996)
As relações haveriam, porém, de se
normalizar com a cedência de Macau em 1557, como interposto comercial, sem
quebrar as normas do império. Através de Macau a faceta humanista e científica
da civilização ocidental haveria de chegar à China. Exemplo de um encontro feliz
de civilizações foi a chegada a Macau, em 1582, e a Pequim, em 1601, do jesuíta
italiano Matteo Ricci, que após ter estudado em Coimbra partiu de Lisboa para o
Oriente, onde escreveu dicionários e tratados e traçou mapas. Os jesuítas
portugueses tornaram-se peritos da corte imperial, dada a clara supremacia da
astronomia ocidental. Só no século XVII, graças à sua influência apareceria na
China um globo esférico para representar a Terra, como mostra a exposição “360º. Ciência Descoberta”, comissariada
por Henrique Leitão, que está quase a abrir na Gulbenkian.
NOTA: O autor não cumpre o Novo Acordo
Ortográfico.
3 comentários:
Publico 20.02.2013
Mais um interessante texto, e em que faz notar o que hoje continua a ser uma realidade, que os jesuítas, têm, uma apetência pela cultura e ensinamentos, superior a muitos outros religiosos da Igreja de Roma.
Interessante todo o artigo
abraço
Belíssimo texto!
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