domingo, 17 de fevereiro de 2013

O ESTUDO DAS ROCHAS MAGMÁTICAS EM PORTUGAL (1)

Texto do Professor Galopim de Carvalho, que o De Rerum Natura muito agradece.


Gaspar Frutuoso (1522-1591)

Muito antes do conhecimento das rochas ocupar lugar de ciência, é interessante lembrar as observações e descrições vulcanológicas levadas a cabo nos Açores, no século XVI, pelo português Gaspar Frutuoso (1522-1591). Nomeado vigário da Igreja Matriz, na Ribeira Grande, S. Miguel, em 1565, este estudioso deixou-nos essas importantes memórias na sua obra, “Saudades da Terra”, em seis volumes, publicada em 1966 pelo Instituto Cultural de Ponta Delgada.

Entre os mais antigos estudos neste domínio, relativos ao território nacional, merece destaque o trabalho do alemão Johan Reinhard Blüm, levado a cabo com recurso ao microscópio polarizante e apresentado em 1861, no qual aparece a primeira referência ao sienito nefelínico de Monchique, logo aí considerado como um tipo petrográfico novo para a ciência e, como tal, designado por foiaíto [1], em referência ao pico da Foia, um dos dois cumes daquela serra algarvia. Só cerca de um quarto de século depois, em 1885, foi criada em Coimbra, na então Faculdade de Filosofia, a cadeira de Mineralogia e Petrologia, sendo a primeira vez que o termo petrologia figura nos nossos curricula de ensino superior.

É a partir desta data que se manifestam em Portugal os primeiros sinais de preocupação pelo estudo petrográfico das rochas magmáticas ou ígneas. Tal atitude foi consequência da orientação definida e assegurada pela velha Comissão Geológica do Reino, criada em 1849, organismo cujas designações oficiais foram mudando ao longo do tempo, até se transformarem no actual Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), depois de passar por outras como Serviços Geológicos de Portugal (SGP) e Instituto Geológico e Mineiro (IGM). Foram seus impulsionadores grandes geólogos como Carlos Ribeiro (1813-1882), Nery Delgado (1835-1908) e Paul Choffat (1849-1919), sendo deste último que partiram as iniciativas com vista ao primeiro estudo petrográfico das rochas magmáticas do território nacional. Só muito mais tarde, a petrografia das rochas metamórficas, primeiro, e a das rochas sedimentares, depois, passou a utilizar sistematicamente a microscopia com luz polarizada.

De nacionalidade suíça, Paul Choffat, geólogo francófono radicado em Portugal, para além do notável e volumoso trabalho que nos deixou nos domínios da estratigrafia e da paleontologia dos terrenos mesozóicos das orlas ocidental e algarvia, interessou-se por variados temas entre os quais alguns associados ao magmatismo, sendo da sua autoria, por exemplo, o primeiro estudo sobre o maciço subvulcânico [2]   de Sintra, além de variadas observações geológicas, muitas ainda de grande actualidade, em rochas filoneanas e outras intrusões de pequena profundidade (habitualmente referidas por hipabissais) de natureza básica, provenientes da Estremadura. Pela importância de que se revestiram, alguns dos seus trabalhos foram publicados muitos anos depois do seu falecimento.

Da colaboração que estabeleceu como o insigne petrógrafo espanhol, José Macpherson (1839-1902), muitas foram as rochas estudadas ao microscópio petrográfico, entre as quais ofitos [3] e teschenitos [4] associados aos vales tifónicos [5] situados entre Leiria e Sesimbra, e muitas outras do maciço antigo das regiões de Évora e Beja. Na altura, leccionava em Coimbra o lente António Gonçalves Guimarães (1850-1919) que, nas suas aulas, a partir de 1884, seguiu o livro de A. von Lasaulx, “Elemente der Petrographie” (1875), obra pioneira da petrografia.

Além do “Tratado Elementar de Mineralogia” (1883), e de outros dos seus trabalhos, o professor da Universidade de Coimbra, António José Gonçalves Guimarães (1885-1919), director do gabinete de Mineralogia e Geologia no Museu de História Natural desta Universidade, deixou-nos “Elementos de Geologia” (1895), um texto de nível intermédio entre o ensino secundário e o universitário, versando, entre outros aspectos, a petrologia e o vulcanismo.

Como primeiro trabalho de petrografia microscópica da autoria de um português, merece referência o estudo realizado em 1887, na Sorbonne, pelo micaelense, Engº. Pacheco Canto e Castro, sob a orientação do Prof. Ferdinand Fouqué. Trata-se do estudo microscópico, em lâmina delgada, de um traquito da Ilha [6] de São Miguel, com cuidadosas descrições de minerais como aegirina, arfvedsonite e azorite (ou açorite, uma variedade de zircão).

Este pioneiro da petrografia portuguesa regressou à pátria, mas não lhe foram dados aqui nem estímulo, nem condições para prosseguir, acabando por regressar à sua ilha, onde fez vida como professor de liceu. Pela mesma altura, em 1888, o petrógrafo alemão Karl Alfred Osann estudava e descrevia o sanidinito [7] da mesma ilha açoriana. Na mesma época, o Prof. Alfredo Bensaúde (1856-1941), fundador do Instituto Superior Técnico, engenheiro de minas com formação na escola alemã de Gottingen, além de mineralogista, enveredou pela petrografia, sendo de salientar o estudo que realizou, em superfície polida, do meteorito férrico (siderito) de Ponte de Lima, achado em S. Julião de Moreira, em 1877, tornando-se assim o pioneiro entre nós da metalografia por microscopia em luz polarizada reflectida.

São da última década do século XIX, os estudos petrográficos levados a cabo pelo Engº. Rego de Lima, igualmente na Sorbonne, sob a orientação do mesmo Prof. Fouqué. Este petrógrafo português dedicou particular atenção às rochas ígneas do Alentejo, tão variadas quanto o granito horneblêndico de Montemor-o-Novo, o gabro olivínico de Ferreira do Alentejo, a diabase [8] da Mina da Caveira, Grândola, o pórfiro [9] de Degolados (Campo Maior), o microssienito de Sines, entre outros. Entretanto, os petrógrafos alemães M. Hunter e K. Rosenbusch identificaram, no maciço subvulcânico de Monchique, um outro tipo de rocha, novo para a ciência, a que deram o nome de monchiquito [10], uma variedade de lamprófiro [11] cujo nome, aceite pela comunidade científica internacional, se afirmou e se tem mantido, não obstante as sucessivas sistemáticas que entretanto têm sido propostas.

O ano de 1897 constitui um outro marco no conhecimento da petrografia ígnea do território português. Foi nesse ano que surgiu a publicação do primeiro estudo minucioso do referido maciço de Monchique, ocorrência magmática importante e ainda hoje célebre no quadro da petrografia mundial. Esta monografia , [12] da autoria dos alemães K. Kraatz-Koschlau e V. Hachman, oferece descrições pormenorizadas e notavelmente correctas não só do sienito nefelínico (foiaíto), principal constituinte do corpo intrusivo, como dos diversos tipos petrográficos representados nos numerosos e variados filões que o atravessam e, ainda, da corneana pelítica gerada no contacto com os metassedimentos do Carbónico da Zona Sul-Portuguesa.
A. Galopim de Carvalho

Notas
[1] Foiaíto – Sienito com abundante nefelina (variedade eleolite), feldspato potássico e horneblenda, explorado como pedra de construção em alvenarias, cantarias, pavimentos, etc.
[2] Maciço subvulcânico – Corpo magmático que não chegou a atingir a superfície. Tendo arrefecido e solidificado a pequena profundidade, não chegou a gerar vulcanismo.
[3] Ofito – Rocha hipabissal afim do basalto, descrita como dolerito, com textura ofítica; na qual os cristais de augite são penetrados por “agulhas” de plagioclase. O termo alude ao facto de, em superfície, esta rocha lembrar a pele da cobra.
[4] Teschenito – Plutonito afim de um gabro feldspatóidico com analcima (zeólito), descrito em Teschen, no Sul da Polónia, em 1861.
[5] Vale tifónico – Vale aberto na sequência da ascensão (dita diapírica) de um domo ou diapiro salino.    
[6] Traquito – Equivalente vulcânico, microgranular e/ou vítreo, do sienito. O nome, proposto em 1813, radica no grego trachys, que significa áspero.
[7] Sanidinito – Rocha ígnea, granular fina, essencialmente formada por sanidina, um feldspato potássico de alta temperatura, trazido da profundidade, associado a actividade vulcânica explosiva.
[8] Diabase – Termo proposto por Brongniart, em 1807, entretanto, caído em desuso. Foi usado entre nós para referir uma rocha filoniana básica do Paleozóico, em oposição a dolerito, atribuído ao mesmo tipo de rochas, mas mais modernas, do Mesozóico e do Cenozóico. Também foi o nome dado ao dolerito alterado, de cor verde.
[9] Pórfiro – Antiga designação já usada por gregos e romanos e com tendência a desaparecer na nomenclatura petrográfica. Nos primórdios da petrografia científica (2.ª metade do séc. XIX) foi apresentado como uma rocha composta por uma pasta afanítica vermelha, tida como semelhante ao jaspe, envolvente de cristais (fenoclastos) dispersos de quartzo e feldspato. Actualmente o termo refere uma rocha hipabissal, com fenocristais de várias espécies minerais, félsicos (claros) ou máficos (escuros), envolvidos numa matriz mais fina. O termo radica no grego, porphyreos, nome da concha de um molusco de onde se extrai a púrpura, corante vermelho desde sempre usado em tinturaria. Assim, este mesmo nome foi dado à rocha de forte coloração vermelha com fenocristais esbranquiçados de feldspato, oriunda do Egipto e usada como pedra ornamental celebrizada pelo túmulo de Napoleão, nos Invalides, Paris, por isso também conhecida por “pórfiro vermelho antigo” e por “pórfiro imperial”.
[10] Monchiquito - Lamprófiro com plagioclase, titanaugite, barkevicite, olivina e titanomagnetite, numa matriz analcímica.
[11] Lamprófiro – Grupo de rochas magmáticas filonianas, geralmente porfíricas, ricas em minerais máficos (biotite, anfíbola castanha) e, por isso, escuras (melanocratas).
[12] Maciço de Monchique - Pela sua importância esta obra foi traduzida para português, em 1967, por A. Ribeiro dos Santos e publicada sob o título «O sienito eleolítico da serra de Monchique, suas rochas filoneanas e de contacto», pelo Centro de Estudos Geológicos do Instituto de Alta Cultura, sediado na Faculdade de Ciências de Lisboa.
[13] Corneana pelítica – Rocha metamórfica formada no contacto de uma intrusão magmática, no geral um plutonito com rochas pelíticas (xisto, ardósia). É uma rocha muito dura, de granularidade fina e homogénea. Em esquírolas muito delgadas tem a translucência do corno (horn, em inglês) e, daí, o seu nome.

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