quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Para que serve a filosofia?

Terminei o meu livro Sete Ideias Filosóficas Que Toda A Gente Deveria Conhecer respondendo à pergunta “Para que serve a filosofia?”. Parece-me haver duas confusões importantes quando se faz esta pergunta.

A primeira é pensar que a filosofia tem de servir para alguma coisa, caso contrário não tem interesse. Esta ideia é falsa. Na verdade, a maior parte das coisas que mais valorizamos na vida não servem para coisa alguma. Para que serve o amor, os filhos ou a música? Para que serve a pintura, a amizade ou o futebol? Para que servem as telenovelas ou a tourada? A resposta óbvia a todas estas perguntas é que, mesmo nos casos em que servem para alguma coisa, não é por isso que as fazemos. Fazemos todas essas coisas porque gostamos de as fazer.

Ora, o mesmo acontece com grande parte da filosofia, da matemática, da história, da arqueologia, da astrofísica e de muitas outras coisas: fazemo-las porque gostamos de as fazer. Gostamos de as fazer pelas mais diversas razões, uma das mais importantes sendo a curiosidade humana: queremos compreender melhor as coisas. Voltarei a este tema.

A segunda confusão é pensar que a filosofia não serve para coisa alguma de prático. Isto é tão falso como pensar que a matemática, por ter áreas completamente sem aplicação, não serve para coisa alguma. Grande parte da astrofísica, como grande parte da matemática e da filosofia, não tem aplicação prática alguma — e não são piores por isso. Mas é curioso como muitas partes da filosofia que têm realmente aplicação são desprezadas. Em ética, por exemplo, estudamos cuidadosamente o que torna uma vida humana uma vida melhor: o que é uma vida boa. Dificilmente encontramos algo de mais prático, uma vez asseguradas as nossas necessidades imediatas de sobrevivência e bem-estar. Em filosofia política, estudamos os princípios que permitem organizar melhor as nossas sociedades. Em vez de aceitarmos à toa a suposta obviedade de um estado paternalista, por exemplo, perguntamo-nos se é realmente uma boa ideia ter tal coisa, e que alternativas existem. Em vez de aceitarmos passivamente as ideias políticas do nosso tempo, aprendemos a perguntarmo-nos se tais ideias serão realmente melhores do que as alternativas.

Terminemos então voltando ao aspecto cognitivo da filosofia. Quando explico às pessoas que a filosofia (ou pelo menos uma maneira de a entender que tem uma sólida tradição milenar) é primariamente uma actividade cognitiva, esbarro amiúde no cientificismo: a ideia de que a ciência (palavra cujo significado é sempre deixado muito vago) esgota o domínio do conhecimento. Além disso, pensa-se que todo o conhecimento genuíno é empírico, e por isso a filosofia não pode ser mais do que, na melhor das hipóteses, uma espécie de desporto agradável do espírito para preencher as tardes de ócio.

Acontece que tanto o cientificismo como o empirismo são incoerentes. A afirmação de que todo o conhecimento é científico e empírico não é ela mesma uma afirmação científica nem empírica, uma vez que não há maneira de provar tal coisa empiricamente e ainda menos cientificamente. A ironia é que tanto o cientificismo como o empirismo são teses filosóficas, e não científicas. Ora, precisamente por serem filosóficas, só quem tem formação filosófica adequada pode discutir proficientemente estas ideias. Ser apenas cientista não nos dá qualquer qualificação adequada para o fazer, tal como eu não tenho qualificação para falar de cardiologia apesar de obviamente ter um coração.

Atribui-se a Feynman a ideia de que a filosofia da ciência é tão pouco útil para os cientistas quanto a ornitologia o é para os pássaros. Isto é uma tolice, porque caso os pássaros tivessem capacidade cognitiva para compreender ornitologia, poderiam ganhar muito com esta ciência, tal como nós ganhamos muito com a sociologia e a psicologia. Mas uma coisa é verdadeira: quando os pássaros nada sabem de ornitologia, não é por serem pássaros que têm algo a dizer de interessante sobre ornitologia.

21 comentários:

joão viegas disse...

Ola,

Concordo com o titulo e com a tonalidade geral do post. Uma simples reflexão sobre o significado primeiro da palavra "servir" é com certeza um argumento suplementar no sentido do post.

Quanto à questão relativa ao "aspecto cognitivo da filosofia", parece-me que ha um equivoco fundamental. O que o Desidério apresenta como "empirismo" ou como "cientismo" são caricaturas nas quais julgo que muito pouca gente se reconhece.

O que acontece, e que é muito diferente, é que de acordo com um ponto de vista filosofico aceite por muitas pessoas que se dedicam à ciência, esta ultima caracteriza-se pela procura racional e critica de conhecer, da maneira mais exacta possivel, a realidade objectiva, empresa que implica (de acordo com esse ponto de vista filosofico) um método rigoroso de confrontar hipoteses, teorias e proposições elaboradas racionalmente, com testes que permitem aferir em que medida elas correspondem à realidade objectiva.

Isto não equivale de maneira nenhuma a negar que possa haver outro tipo de conhecimento. Apenas conduz a afirmar que o conhecimento que não obedece às caracteriticas apontadas acima ja não é conhecimento "cientifico". Mais nada...

De resto, tanto quanto vejo, a esmagadora maioria das pessoas que praticam ciência esta plenamente consciente da impossibilidade de o fazerem de forma consequente, se não enquadrarem a sua actividade numa reflexão mais larga, de cariz epsitemologico, deontologico e filosofico...

Na minha opinião, o desprezo pela filosofia esta mais na cabeça do Desidério do que na cabeça dos "cientistas" que ele fantasia.

Talvez isso se explique porque, mesmo neste post sensato, o autor não consegue libertar-se de uma visão presa a uma compartimentalização excessiva das diversas areas do saber, como se não fossem todas profundamente solidarias. Esta atitude, não so carece completamente de fundamento cientifico ou filosofico, mas parece-me mesmo radicalmente incompativel com os principios basilares da ciência e da filosofia. Principios que estão profundamento inter-ligados, ou não fosse a filosofia o "amor da sabedoria"...

Por exemplo a frase "Ora, precisamente por serem filosóficas, só quem tem formação filosófica adequada pode discutir proficientemente estas ideias" parece-me bastante infeliz, na medida em que parece supor que as pessoas que se dedicam à ciência não têm formação filosofica adequada. Tanto quando vejo, isto não corresponde à realidade...

Boas

Anónimo disse...

A filosofia ( a verdadeira) serve para trazer novidade ao mundo, por muitas e diferentes formas e feitios.
Mas infelizmente o que hoje mais há por ai não é filosofia, é lixo e é no lixo que tem que ser deitado.
Filosofia que não traga novidade ao mundo não merece ser apelidada de filosofia, será outra coisa qualquer!

Anónimo disse...

O problema é que o Desidério acha que só os filósofos filosofam, o que o Desidério a muito custo tem que aprender é que todos os que tenham uma profissão ou um oficio filosofam sobre eles, mas o filósofos filosofam sobre que? sobre a filosofia!

Ou seja, um cientista faz ciência e filosofa sobre a mesma, um filosofo filosofa sobre ciência mas não faz ciência, isto aplicado a todas as profissões vai dar uma salganhada.

A explicação é simples, ou tem uma profissão e exerce e filosofa ou só filosofo apenas não dá, por isso a filosofia está no estado moribundo em que está!

Que tal o Desidério tirar medicina e assim enquanto exercia já poderia filosofar com conhecimento de causa sobre a homeopatia??

Anónimo disse...

Galois

Como disse em anteriores posts, não tenho grande bagagem filosófica. Sendo assim, não poderei usar na minha argumentação termos técnicos nem recorrer muito a casos particulares de obras filosóficas. No entanto, como simples leitor das vossas recentes argumentações, vejo que utilizaram as palavras «objectiva» e «empírica» e parece-me ser importante distinguir as mesmas (nem que seja para gente como eu poder acompanhar a vossa discussão). Sendo assim, começo por enumerar algumas frases ditas por vós:

1) «O preconceito empirista é precisamente que se uma teoria não descreve a realidade empírica, então não é objectiva. Isto é obviamente falso porque a matemática é muito mais objectiva do que a sociologia.» DM.

2) «A locus da objectividade é a justificação e não um qualquer automatismo causal.» DM.

3) «Utilizo o termo “objectivo” por oposição a “subjectivo”.» JV

4) «Ainda que se verificasse que as pessoas agem tendencialmente, na realidade, movidas por interesses incompatíveis com a lei moral, Kant não deixaria de afirmar que a lei moral deve ser conforme o que ele afirma.» JV

5) «Kant (ou Aristoteles, ou qualquer moralista) tera certamente procurado elaborar uma teoria moral "objectiva" (no sentido de ser compreensivel por todos, ou de procurar convencer toda a gente), mas nunca propôs uma forma de medir com rigor a idoneidade das suas ideias morais com uma outra realidade "objectiva".» JV

Eis o que me parece. 3) parece-me acertado. Por exemplo, a sociologia é carregada de subjectividade, isto porque as caracterizações que aparecem em sociologia são quase sempre contaminadas por inúmeros factores sociais que normalmente mudam de caso para caso. Há uma enorme subjectividade. O mesmo para a psicologia. As teorias morais tendem a ser objectivas, uma vez que, em circunstâncias iguais, eu, Desidério, JV, à luz de uma teoria moral e dos seus argumentos deveríamos ter comportamentos similares. Repare-se que 3) é compatível tanto com 2) como com 4). Estou certo quanto ao termo «objectivo»? Estarão todos, nesta discussão, a usar com o mesmo sentido?

A palavra «empírica» surge associada à experimentação e observação da realidade. O que DM defende é que não há relação directa do «objectivo» com o «empírico». E o caso das teorias morais são exemplos disso mesmo. Repare-se que JV, que mostra discordância em muitas partes da discussão, afirma 4) e 4) é totalmente concordante com esta ideia de DM. Eu concordo com esta ideia de DM

Sendo assim, a discordância de JV concentra-se fundamentalmente na questão das experiências mentais (tanto quanto percebo). Ora bem, parece-me que uma teoria moral objectiva pode ser construída sem recurso a experiência empírica e pode ser testada através de experiências mentais (casos extremos). Mais, podemos ter duas teorias morais distintas, objectivas, testadas com casos extremos e com respostas diferentes para o mesmo caso extremo (já li coisas deste tipo que me pareceram mesmo muito lógicas). Estas teorias, ao contrário da maioria das teorias científicas não são sequenciais. Mas são conhecimento e são objectivas. Ao contrário do que sucede na maioria das teorias científicas nunca vamos provar que uma está certa e outra errada, uma vez que o objecto não se presta a isso. E isto até é concordante com 5). Mas trata-se de conhecimento e de conhecimento objectivo não empírico. E pode falar-se de avanços, não são é avanços sequenciais e piramidais como os científicos. Qual é o problema deste meu pensar?

Finalmente, 5) de JV parece-me acertado. Mas onde choca 5) com a questão das experiências mentais?

Em resumo, se puderem, expliquem-me ainda melhor a discordância.

Cisfranco disse...

"...a filosofia tem de servir para alguma coisa, caso contrário não tem interesse. Esta ideia é falsa."

Julgo que o autor do poste brinca com a semântica das expressões, para filosofar um pouco. Folosofa, filosofa, mas não tira a veradeira conclusão. No seu texto dispara em todas as direcões e deixa tudo à turra e à massa...Claro que a filosofia tem valor e seve para alguma coisa! Mas não no mesmo sentido que o meu automóvel serve para alguma coisa. Reflexão profunda e bem feita mas a que falta uma conclusão verdadeira e total. Sem essa conclusão é só filosofar fazendo jus aos detratores da filosofia a que pretende opor-se.

Anónimo disse...

Galois

Também quero comentar um pouco a questão da «utilidade».

1) Concordo com o autor quando realça o papel da curiosidade humana face à cenoura da «utilidade». Era capaz de apostar que maior parte das grandes descobertas e feitos da humanidade tiveram como grande motor a curiosidade. A curiosidade é esse ímpeto fantástico de querer compreender uma coisa associada à satisfação enorme de o conseguir (parcial ou completamente). Este querer compreender não precisa da utilidade para nada. Este desejo e satisfação pode ser absolutamente extasiante quer o objecto seja útil quer a objecto seja inútil;

2) Nada é mais frustrante que a pergunta do aluno «Para que é que isto serve?». Por dois motivos, primeiro por não termos conseguido estimular a sua curiosidade (a pergunta é reveladora do nosso falhanço). Segundo, pelo facto da pergunta, em 99% dos casos esconder a real frase que o aluno queria dizer «Não quero pensar nem saber disso para nada.». Este é um sintoma ilustrativo do tão perigoso que é associar o conhecimento à utilidade.

3) Tal como a filosofia, em certos casos, a ciência pode não servir para nada e isso não traz nenhum mal. A procura do conhecimento é algo especificamente humano. Isso é importante que baste.

4) Além disso, a ordem «utilidade»-«conhecimento» não é forçosa. Por vezes, queremos uma solução para algo e procuramos conhecimento para isso. Neste caso, a questão da utilidade aparece primeiro. Muitas vezes, e isso é curioso, o conhecimento vem antes e esbarra, à posteriori, com uma aplicação prática. Um caso famoso é o sistema RSA que usa conceitos matemáticos como o pequeno teorema de Fermat. Não interessa se o leitor sabe ou não do que estou a falar. O que interessa é que o conhecimento matemático envolvido nisto foi alcançado pela humanidade antes de termos uma aplicação prática para ele. Houve um tempo em que o conhecimento era inútil e passou depois a ser útil. Muita da nossa ciência actual pode ser inútil agora e útil mais tarde. Sendo assim, foi bom E ÚTIL, alcançar conhecimento aparentemente inútil.

Conversa irritante essa da utilidade!

joão viegas disse...

Caro Galois,

Obrigado pelo seu comentario.

Muito rapidamente : eu aceito perfeitamente que possam existir "experiências mentais" ou realidades ideais objectivas, que possam servir de referência para aferir da idoneidade de teorias ou hipoteses cientificas. E' o que se supõe em psicologia. Talvez seja também o que se supõe em matematica e em logica, mas quanto a isso tenho mais duvidas.

O que defendo, no entanto, é que a filosofia não se limita, nem de perto nem de longe, a procurar descrever essas realidades ou aumentar o nosso conhecimento objectivo sobre essas realidades. Nem versa principalmente sobre isso (que sera antes o objecto da psicologia, da sociologia, da neurologia, etc.).

A filosofia não é uma "omnisciência" ou uma investigação cientifica sobre as ideias, ou sobre as generalidades. A filosofia é "amor da sabedoria", o que é outra coisa. Implica, nomadamente, uma reflexão sobre os fins, o valor, os limites do saber, coisas que não podem ser reduzidas a uma realidade "objectiva". E também, uma especulação sobre o bem viver, que extravasa o campo do saber objectivo.

Se apenas soubéssemos, em termos morais, aquilo que é legitimo afirmar "cientificamente" sobre as realidades mentais de que podemos ter uma percepção "objectiva", então não teriamos filosofia. E se a "filosofia" se reduzisse à premonição das teorias cientificas que permitem apreender a realidade objectiva em causa, então deveriamos reputar sem qualquer interesse mais de 90 % da nossa tradição filosofica.

Espero ter sido mais claro.

Boas

joão viegas disse...

So mais uma coisa :

Não 4) não é compativel com o que diz o Desidério, porque em 4, Kant toma como referencial a sua propria convicção, sem oferecer qualquer forma de aferir a sua validade ou o seu valor por referência a uma outra qualquer realidade "objectiva". Os moralistas não procuram verificar se as suas ideias são conformes com uma outra realidade objectiva. Procuram antes convencer os outros (e muitas vezes conseguem-no) de que a realidade tem de ser modificada para se conformar com as suas teorias.

Isso não tem nada de mal. Mas não é ciência...

Boas

augusto kuettner de magalhaes disse...

A Filosofia "serve para alguma coisa", principalmente para nos fazer "pensar" E SOBRETUDO COM ALGUMA ABSTRACÇAO.

Não tendo que ser tudo tão evidente como alguns querem que seja, e depioiss nada corre, como esses querem que corra! Obrigam....acham...tem que....

Logo é tão util como a Matematica, a Etica....e muito mais!

joão viegas disse...

Addenda :

A não ser que se defenda que a convicção é ela propria uma realidade objectiva que pode ser tomada como critério de justificação. Mas então, a ciência passaria a ter um dominio muitissimo mais vasto : a poesia, a prece religiosa, a propaganda politica, a estética, o direito, etc. deveriam ser consideradas como ciências...

O meu ponto essencial é sobre o 2). Quando se fala de "justificação", isto é ambiguo. Se entendermos por isso um juizo racional sobre a correspondência entre uma crença e a realidade, então estamos a tentar aferir a "objectividade" em relação à realidade e é isso que, em meu entender, caracteriza o método cientifico. Mas se entendermos por justificação o processo que procura encontrar fundamentos para as nossas crenças, quer eles assentem na realidade exterior quer não (por exemplo : eu acredito em X porque isso faz com que me sinta bem interiormente, ou para agradar a fulano de tal, ou porque considero que é bonito, ou justo, etc.), então saimos daquilo que me parece dever caracterizar o método cientifico.

Boas

PS : E não digo que isso não seja discutivel nas margens. Não é por acaso que o termo "justo" é utilizado simultaneamente em matematica, em musica, em ética e no direito...

Anónimo disse...

Galois

O ponto da vossa discordância parece estar todo aqui:
«(...) Os moralistas não procuram verificar se as suas ideias são conformes com uma outra realidade objectiva. (...)»

O termo «outra realidade objectiva» precisa de ser esclarecido. Vou dar uns exemplos para estreitar um pouco isto.
1) Imagine-se que faço a seguinte experiência mental: «Se encher totalmente de água o meu quarto, a porta cederá ou não?». O que sei de ciência diz-me que sim. Vou fazer a experiência? Não! É uma experiência mental sobre esta realidade objectiva?
A minha resposta é SIM. Para mim, é uma experiência sobre esta realidade objectiva (tal como as de Einstein também eram, mas no caso dele não tinha mesmo nenhuma forma de as testar). Ou seja, para ser ESTA realidade objectiva, a coisa não tem de acontecer. Daí ser experiência mental. JV e DM deveriam esclarecer a forma como usam o termo «esta realidade objectiva» por oposição a «outra realidade objectiva». Pode ser que seja trivial em filosofia, mas para leitores leigos como eu não é...
2) Não sei se conhece o romance «Flatland: A Romance of Many Dimensions» de Abbott? Aí, especula-se sobre um universo a duas dimensões. É tão interessante o romance que provocou o estímulo a muitos cientistas para imaginarem como seria a química, biologia, jogos, etc., num universo a duas dimensões. Para mim, isso sim, é uma experiência mental sobre OUTRA realidade objectiva (é objectiva e é outra). Podemos conhecer coisas sobre a nossa se pensarmos noutra! Daí eu também torcer muito o nariz à tese empírica. Consideram vocês este um bom exemplo de «outra realidade objectiva»?
3) Imaginemos que tinhamos a certeza de que não há Deus (por favor, estou a exemplificar, não quero entrar no tema religioso). Se imaginássemos um universo em que existisse Deus, isso sim, seria uma experiência mental sobre outra realidade objectiva. Concordam?
4) No caso da experiência mental para testagem de teorias morais, o meu exemplo do avião e do bebé, é uma experiência mental sobre ESTA realidade objectiva e não sobre OUTRA realidade objectiva. É daqui que me parece haver a confusão. Não se trata para já de saber se DM e JV estão de acordo ou não. Trata-se de uma outra questão mais simples. Para mim, embora não aconteça, a experiência mental sobre o avião é sobre ESTA realidade e não sobre OUTRA (pode ser ignorância minha quanto aos termos que vocês usam). Para JV é sobre outra? Se acordarmos que é sobre esta, não vejo como se pode construir uma teoria moral sem experiências mentais deste género sobre esta realidade objectiva.

joão viegas disse...

Ola,

Por "outra" realidade objectiva entendo "outra do que a realidade, porventura objectiva, da convicção do moralista".

Se eu disser "eu acho que vai chover" e se procurar saber até que ponto a minha convicção sobre a chuva é compativel com essa mesma convicção, não estou a fazer ciência... Ja se eu procurar saber se determinadas percepções objectivas diferentes da percepção da minha convicção, tais como a percepção que tenho da força do vento, da formação de nuvens no céu, etc., podem tornar razoavelmente previsivel que chova, então pode ser que esteja a fazer ciência.

Se eu disser "eu acho que tal coisa é boa" e me limitar a descrever o conteudo dessa minha convicção, sem procurar confronta-la com uma realidade exterior (por exemplo saber se também é considerada boa por outras pessoas, ou se corresponde a uma realidade exterior mensuravel que os outros identificam como boa), não estou a fazer ciência. O que não quer dizer que não esteja a fazer algo de interessante, nem tão pouco que não possa ser aplicado algum rigor nesta minha actividade especulativa. Mas não se tratara de rigor cientifico.

Ora bem, a filosofia moral é, na sua grande maioria, dedicada a esse tipo de especulação. Desenvolve-se ainda que não exista um referencial objectivo exterior que permita aferir, com certeza, em que medida as suas representações se coadunam com a realidade objectiva.

Não me parece que seja isso que se faz em ciência.

Portanto para responder à sua pergunta : elaborar hipoteses ou teorias e testa-las “cientificamente” em experiências mentais imaginarias NAO é o que faz a filosofia moral. Pelo menos não é o que fazem a maior parte dos filosofos que se dedicam à filosofia moral. O que eles fazem é diferente : procuram reflectir sobre os fins que enquadram a acção humana e usar a razão especulativa para orientar essa acção, o que fazem ainda que não disponham de conhecimentos objectivos suficientes para “justificar” cientificamente o seu discurso... Um exemplo : embora não saibamos, nem possamos saber com certeza, se é melhor os bens serem comuns entre os cidadãos de determinada sociedade politica, ou se devem antes ser dados em propriedade privada, existe filosofia (boa, rigorosa, etc.) que nos ajuda a situarmo-nos nas nossas decisões sobre esta questão.

Boas

Anónimo disse...

Galois

Agora, possivelmente por minha culpa em anteriores comentários, achei tudo bastante mais esclarecedor. E o seu discurso parece-me bastante lógico. Sendo assim, vou tentar perceber melhor a vossa discordância lendo novamente os comentários de DM (não tenho a certeza de que a testagem de hipóteses através de um «método científico» tenha sido exactamente o que ele disse). Penso que JV concorda com a existência de experiências mentais nas teorias morais, mas não concorda em chamar «cientificamente» ao processo por faltar o factor da mensurabilidade. Percebo o que quer dizer. Esperarei novas opiniões de DM, para poder afinar melhor a minha compreensão sobre o que estão a dizer e, eventualmente, opinar mais.

Já agora, concordo com o que diz quando diferencia a filosofia da ciência, destacando o «amor pela sabedoria» quando o objecto tratado é o «viver bem», «prazer», etc. O que torna a questão das teorias morais mais difícil é o facto de nós, de certa maneira, associarmos mensurabilidade a muitas questões dessa natureza. Isso é muito visível em casos extremos. Se eu sair de casa e matar o meu vizinho por ele não me ter dado uma fatia de bolo, em oposição a eu tirar um doce a uma criança, parece um acto moralmente muito mais reprovável do que o outro. A palavra «mais» indicia um certo tipo de mensurabilidade que eu e você achamos pertinente. Se eu disser que gosto mais de bacalhau do que você de morangos, a mensurabilidade é uma coisa totalmente perdida. A meu ver, você toca num ponto fundamental para a discussão: a mensurabilidade da moralidade não é algo tão ilógico como possa parecer (os nossos sistemas de justiça não são mais do que algo baseado nisso). Medir tem por base a comparação. A comparação é muito mais possível em questões éticas e morais do que em questões de gosto ou de estilo.

Vou voltar a ser leitor por uns tempos. Obrigado, penso que isto avançou.

Hugo Dias Perpétuo disse...

Deus tá morto, e com ele morreu todo tipo de verdade. Filosofia é antes de tudo uma atividade filosófica, é uma perspectiva na 3 pessoa. Filosofia é sexo e não apenas masturbação. Aprendi na Usp que Murcho é paspalho. Hoje aprendi que ele não conseguiu nem apenas dialogar com Nietzsche. FILOSOFIA SERVE PRA DESBANALIZAR O BANAL... poderia ter sido mais pratico e menos teórico.

Hugo Dias Perpétuo disse...

7 ideias que a gente deveria blá blá... Murcho, na sinceridade, pare de escrever auto-ajuda, é feio e nada inteligente

joão viegas disse...

Obrigado pelas suas palavras amaveis.

Eu também penso que a discussão foi frutifera e julgo ter avançado (graças a ela) na minha compreensão do problema.


Boas

Carlos Ricardo Soares disse...

Perguntar pela utilidade, seja do que for, é uma questão filosófica por excelência, que começa, como qualquer questão filosófica, por ser uma questão à escala do senso comum e se desenvolve, indefinidamente, à escala das respostas que formos sendo capazes de lhe dar. A questão da utilidade parece-me ser daquelas que mais se prestam à constatação de que o falso e o verdadeiro, o estético e o inestético, o funcional e o mero efeito visual, o que "serve" um interesse ou um objetivo e o que "não serve", serão o que o uso delas faz, puder fazer e vier a fazer. Não é possível a ninguém, por exemplo, saber a utilidade que tem a nuvem que passa, ou o canto do passarinho, ou a asa do avião que nunca foi encontrada. Nenhuma? Muita? Alguma? E as estrelas desconhecidas? E o cancro? e a janela da casa desabitada, em pedra trabalhada, que custou mais do dobro do que custou a casa? De que é que estamos a falar quando falamos de utilidade?

maria disse...

em abstracto não sei , agora em concreto ..a filosofia serve para não nos deixarmos aprisionar pela tipo de pensamento na moda na altura , seja o mito ,a magia , a religião e agora , a ciência . é bom não ter a alma nem o corpo acorrentados pelos que " sabem que sabem tudo."

maria disse...

e tenho a dizer que o Desidério deve ser das pessoas que mais se esforça por passar a informação correcta , desmitificando poderzinhos , numa linguagem acessível a todos. é curioso ver como de vez em quando tem de mostrar ao Olimpo que também decorou sebentas. ou seja , pensa por ele próprio , usa o que aprendeu e bem , e transmite para todos. mas os do status quo exigem que prove que tb podia pensar segundo a cartilha do famoso x ou y e elaborar textos muito sokal. enfim.

Anónimo disse...

o desidério é contra todo e qualquer empirismo, é tão anti empirista que as teorias e descursos dele localizam-se no éter, não se manifestando na realidade física e presencial do que é palpável, ele e os filósofos em geral fazem estas coisas.
parecem os escolásticos, querem saber quantos dentes tem um cavalo? vão ler aristóteles em vez de lhe abrirem a boca e os contarem.
A filosofia pode ser pensada e discutida na teoria, mas desçam à terra! Não se isolem em torres de marfim!
Qualquer dia são como os filósofos descritos na Jiaad Butleriana ( Brian Herbert) arrancaram os seus cérebros, metendo-os numa cuba, onde por milénios isolados da realidade pensam e pensam e .. não chegando a porra nenhuma, só quando as máquinas lá chegam, depois de escravizarem metade do universo é que se dão conta que a realidade mudou!
Felizmente ou infelizmente essa tecnologia ainda não chegou, até lá chateiam e consumem recursos, fazendo de conta que não perceberam que ficaram para trás e que se tornam lentamente obsoletos!

Anónimo disse...

OBRIGADA PELAS RESPOSTAS *-*

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