Daí a grande inutilidade da obsessiva recolha de dados pessoais sobre os alunos e as suas famílias em que a escola investe, pelo facto desses dados pouco ou nada predizerem. Daí também o grande perigo de rotulagem que essa prática envolve, a que se segue, de modo consciente ou inconsciente, o compatível investimento de ensino.
Na vivência académica quotidiana, e muito especialmente na relação que se estabelece entre professores e alunos, tudo é mais complicado e subtil do que as leituras (mesmo que se apresentem como pedagógicas) apressadas e ligeiras podem fazer crer. É nessa vivência que se joga a tarefa do professor de fazer compreender...
Pennac explica isto muito melhor do que eu nas página 24 e 36 desse livro:
"Como é evidente, impõe-se conhecer a causa original. De onde vinha a minha cabulice? Filho da burguesia de Estado, oriundo de uma família afável, sem conlitos, rodeado de adultos responsáveis que me ajudavam a fazer os deveres… Pai formado na Escola Politécnica, mãe em casa, nem divórcios, nem alcoólicos, nem inadaptados, nem taras hereditárias, três irmãos já com o bac feito (com vocação para a matemática, em breve dois engenheiros e um oicial), ritmo familiar normal, alimentação saudável, biblioteca em casa, ambiente cultural adequado ao meio e à época (pai e mãe nascidos antes de 1914): pintura até aos impressionistas, poesia até Mallarmé, música até Debussy, romances russos, o inevitável período Teilhard de Chardin, Joyce e Cioran por ousadia… Conversas à mesa calmas, divertidas e cultas.
E todavia, um cábula.
Nenhuma explicação a tirar da história familiar. Trata-se de uma progressão social em três gerações graças à escola laica, gratuita e obrigatória, ascensão republicana em suma, vitória à maneira de Jules Ferry (...)
A todos aqueles que hoje atribuem a constituição de bandos unicamente ao fenómeno dos subúrbios, digo: sim, têm razão, sim, o desemprego, sim, a concentração dos excluídos, sim, os reagrupamentos étnicos, sim, a tirania das marcas, a família monoparental, sim, o desenvolvimento de uma economia paralela e os tráficos de toda a ordem, sim, sim, sim… Mas evitemos subestimar a única coisa sobre a qual podemos agir pessoalmente e que, essa, data da noite dos tempos pedagógicos: a solidão e a vergonha do aluno que não compreende, perdido num mundo em que todos os outros compreendem.
Só nós podemos tirá-lo dessa prisão, tenhamos ou não formação para o fazer."
7 comentários:
Sim, para ensinar alunos, para além de se saber, não é preciso muita treta. Nem consultar ou seguir "oráculos".
Basta que o aluno acredite que o professor quer efetivamente ajudá-lo. E perceber igualmente que não aprenderá sem esforço - o seu esforço. E perceber ainda que aprender é bom para ele, e é gratificante e compensador.
Basta. Mas, com frequência, este "basta" é, reconheçamo-lo, muito difícil.
Ao contrário do que dizem algumas teorias, se é que lhes podemos chamar teorias...
E do que afirmam certos megalómanos, que não são professores, nem nunca foram nem serão, embora um número não desprezável deles tenha fugido de o ser...
E hoje, mais do que nunca, continua a haver vendedores da "banha da cobra pedagógica" que, misturando estatísticas e ideias e palavras, e organizações internacionais e procedimentos "muito nacionais", fazem uma espécie de fumo (ou nevoeiro?...) muito diligentemente.
Os (mais) pobres, esses é que pagam (mais)...
Mas foi sempre assim, dizem os (mais) conformados - o que não está provado que tenha que ser uma fatalidade.
O que falta à Escola e aos professores cada vez mais é beleza, o Sistema não pára de os vampirizar. Não precisa do tipo de magia do Harry Potter, basta apenas e só reflectir sobre este vídeo de meia hora. A ciência e a Arte andam juntos, basta de treta e engenharia social, por favor.
MAE-WAN HO : Why beauty is truth and truth beauty
http://vimeo.com/23400965
Avaliação final. Treze alunos. Seis com três classificações negativas, dois com quatro classificações negativas, dois com seis classificações negativas, dois com sete classificações negativas, um com nove classificações negativas.
Linhas de faltas a formigar na pauta.
A demagogia prometeica e delusória do voluntarismo pedagógico: Planos de Diferenciação, Actividades de Recuperação de Aprendizagens, Planos Individuais de Trabalho.
A escola como o único lugar no qual se acredita ser possível o possível impor-se ao real. A escola como o impossível lugar da enérgeia da utopia, inversamente proporcional ao quietismo do conformismo social e económico - não viver acima das suas possibilidades, não desejar acima das suas possibilidades, não ser acima das suas possibilidades.
No dia três de Janeiro, um incréu abrirá a porta da sala dois e recitará em surdina: concede-me serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, coragem para mudar aquelas que posso e lucidez para reconhecer a diferença.
Depois é o sumário.
Muito bem descrito ao formulário e, honestamente prenchido. E, caro Vasco importe-se ou nem, a professora Helena Damião é admirável. Convenhamos este comentário de quase, aborrecido.
Também olho com estranheza a ingenuidade com que se apregoam demagogias maniqueístas que colocam a escola do outro lado da realidade. Também eu, increia, recitarei em surdina antes de escrever o sumário...
HR
A acreditar no excerto apresentado o autor acaba por entrar em contradição. Como prova suprema da falibilidade de um sistema acaba por citar o seu próprio caso particular. Existe necessidade de recolher dados, pois sem eles não existe hipótese de constatar quantitativamente a veracidade de hipóteses relativas ao sucesso escolar. Quanto a sucesso escolar refiro-me à aprendizagem de conceitos, avaliados pelos professores e expressos através da atribuição de notas. Os factos não enganam, os aludidos indivíduos, socialmente mais desfavorecidos (a vários níveis), são exactamente aqueles que têm o pior aproveitamento, pois não dispõem das facilidades que o autor teve e se deu ao luxo de dispensar.
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