“A cura está ligada ao tempo e, às vezes, também às circunstâncias” (Hipócrates, 460 a. C. – 377 a. C.).
As deduções para efeitos de IRS, plasmadas na Proposta de Orçamento de Estado / 2013, dão expressão a nuvens que se vinham a acastelar no horizonte de um País em evidente descalabro económico e social e onde boa parte da factura está a recair sobre os reformados achacados pela velhice e pela doença que, normalmente, lhe subjaz.
Não é de agora a minha crítica a este statu quo! Competindo-me o ónus da prova, detenho-me nas deduções com despesas de saúde em vigor até 2011, último ano em que os portugueses podiam deduzir sem limite 30% das despesas com a saúde no seu IRS. Porém, se for aprovado o actual Orçamento de Estado, os doentes, em alguns escalões da classe média, apenas poderão deduzir 10% destas despesas até um valor de 838,44 euros. Ou seja, em Portugal, a condição de velho e doente crónico, com “pesares que os ralam na aridez e na secura da sua desconsolada velhice” (Garrett), em vez de ser havida como uma desgraça, passa a ser taxada como um luxo de quem costuma passar férias nas Bahamas. Que não se pense que a minha posição pública sobre esta temática sofre do oportunismo em chamar a atenção para algo que só agora ocupa a minha preocupação social. Vade retro, Satanas!, escrevi neste blogue um post intitulado “IRS, Doença e Velhice" (13/05/2011), de que transcrevo partes:
“Em vésperas de mais uma eleição legislativa, teve lugar na SIC, no dia 11 do corrente mês, um frente a frente entre José Sócrates e Francisco Louçã em que seria confirmada pelo Partido Socialista a redução do tecto destinado a despesas com a saúde, para efeitos de IRS: 2/3 da que está actualmente em vigor. Por seu turno, em Francisco Louçã - bronzeado por umas férias da Páscoa em praias de Cabo Verde, enquanto os membros da 'Troika' tentavam encontrar uma solução para evitar que a bancarrota se instalasse no nosso país -, assistiu-se, ao contrário da sua habitual agressividade tribunícia, a uma certa bonomia, ou mesmo apatia, ao debater esta temática como se estivesse perante uma questão de lana caprina.”
Mesmo sem a intenção de
estabelecer uma cronologia de diversos outros títulos por mim publicados neste local sobre esta temática, reproduzo, apenas, integralmente, um intitulado “A Balada da Neve, os
velhos e os doentes” (01/03/2012). Nele escrevi:
“Em medida preconizada pelo actual
governo [do Partido Socialista], passará a contar para efeitos de desconto do
IRS apenas 10% de despesas de saúde do contribuinte agravadas por um
determinado tecto, enquanto, em anos anteriores, essa dedução abrangia 30% sem
qualquer limitação. Ou seja, em Portugal, país de brandos costumes para quem
não merece e de mão de ferro para quem não deve, a condição de velho e doente
crónico, em vez de ser havida com uma desgraça, passa a ser taxada como uma
bem-aventurança.
Simples contas de cabeça são suficientes
para demonstrar a falta de razoabilidade em deixar adoecer a população por
poupança forçada nos respectivos cuidados de saúde que terão como desfecho
trágico passar-se a gastar rios de dinheiro da fazenda pública com o subsequente
estado de agravamento de doenças em estratos de pessoas menos abastadas. Aliás,
a excepção das grandes fortunas confirma a regra de uma pobreza quase
generalizada por um desemprego crescente e diminuição acelerada do poder de
compra, fazendo com que a classe média seja substituída por uma legião de
remediados obrigados a contar os cêntimos no dia-a-dia gastos para sobreviver
com um mínimo de vergonha na cara para não acumular dívidas difíceis de saldar.
É reconhecida a humanização da saúde em
países com preocupação de natureza social. Só se ignora em Portugal onde, por
exemplo, foi defendida, por Manuela Ferreira Leite, na 'SIC Notícias'
(10/01/2012), a medida economicista de serem restringidos os gastos com a
saúde, através da não comparticipação estatal de sessões de hemodiálise para
maiores de 70 anos. Desta forma desapiedada (em que a partir dos 70 anos de
idade os pobres e remediados perderiam o 'direito à vida', consignado no artigo
III da Declaração Universal dos Direitos Humanos) seriam reduzidas as
despesas com as reformas e com a saúde dos portugueses vítimas de letais
patologias renais.
Mas abandonar os doentes à triste sina de uma criminosa l eugenia nem sequer é original. Segundo o filósofo romano Séneca, 'matam-se os cães quando estão com raiva; exterminam-se os touros bravios; cortam-se as cabeças das ovelhas enfermas para que as demais não sejam contaminadas; matamos os fetos e os recém-nascidos monstruosos se nascerem defeituosos e monstruosos. Afogamo-los, não devido ao ódio, mas à razão, para distinguirmos as coisas inúteis das saudáveis '.
Ou seja, por a doença ser tida, ao longo dos tempos,
como pesado fardo de uma sociedade que encara a saúde em termos de gastos
públicos, os recém-nascidos da Roma Antiga, com malformações congénitas, e os
actuais doentes renais, no Portugal do século XXI, com 70 ou mais anos de idade
e carências económicas, necessitados da hemodiálise para sobreviver como que se
identificariam num destino trágico. Daqui, a reevocação adaptada que faço da 'Balada
da Neve': 'Mas os velhos e doentes, senhores governantes,/ Porque lhes dais
tanta dor?!... / Porque padecem assim?! '.”
Mas sabendo nós (e o
ministro Vitor Gaspar, com o seu prestígio académico, dentro e fora de fronteiras
nacionais, melhor o
saberá!) que os recibos passados pelos médicos e farmácias constituem um fonte
de receita do IRS, o previsto relaxamento desta medida constituirá uma
perda evidente de rendimentos para a fazenda pública, criando uma forma de
economia paralela que vigora em profissões que não passam recibos porque o
cliente o não exige, por não ganhar nada como isso, amontoando, como tal, papelada para lançar no lixo na altura de preencher a respectiva declaração de IRS de quantias que excedam os 838,44 euros anuais. Não será uma forma de poupar na
farinha sem proveito para o farelo?
Por último, perante as
actuais medidas constantes do Orçamento de Estado, Senhor Professor Vitor Gaspar, digníssimo Ministro das
Finanças, não existirá o perigo de termos de dar razão a Woody Allen quando ele nos diz que “o
político de carreira é aquele que faz de cada solução um problema” ? Vossa
Excelência, prosseguindo na senda de medidas preconizadas em anterioridade pelo Partido Socialista,
limita-se, agora, a dar-lhes forma legal
por não conseguir (ou não querer?) procurar uma solução que tivesse em devida
conta as exigências mínimas de humanidade para com os velhos e doentes.Apostando dobrado contra singelo, acredito que quem votou no Partido Social Democrático, e em consequência num Governo que toma dolorosas medidas restritivas no âmbito da Saúde, não o fez por querer mais do mesmo. Mais acredito que Vossa Excelência, por sua vez, nos recônditos da vossa consciência, concordará comigo por " a vida ser o último hábito que se quer perder por ser o primeiro que se toma", como escreveu Alexandre Dumas Filho.
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