segunda-feira, 1 de outubro de 2012

GOSTAR DE SABER E DEVER CÍVICO DE ESTUDAR

Texto do nosso já habitual colaborador Professor Galopim de Carvalho

Gostar de saber é uma das chaves que abrem as portas ao binómio ensino-aprendizagem e, portanto, ao sucesso escolar e à valorização do indivíduo. A outra, não menos importante, é a consciência do dever cívico de estudar. E estudar é trabalhar. Compete aos pais, em casa, e aos professores, na escola, desenvolver uma e outra.

Terminada a licenciatura em Geologia, em 1961, e sem qualquer preparação no domínio das ciências da educação, comecei imediatamente a leccionar, primeiro como assistente em aulas práticas e, só mais tarde, após o doutoramento, como regente de aulas teóricas. Os tempos eram outros e a tarimba do docente universitário desse tempo era passar pela maioria, senão todas, as disciplinas do Departamento. Quer em trabalhos prático no laboratório e no campo, quer em auditórios, por vezes com mais de uma centena de alunos, os docentes dos anos 60 e 70 do século que virou eram conduzidos a uma visão eclética da área científica da respectiva licenciatura.

Tal procura de ecletismo, consentida por uma então muito menor especialização do saber científico, estava bem patente nas modalidades de doutoramento e de agregação de então, marcadas por provas incidindo sobre a totalidade das disciplinas dessa área científica, em complemento das necessárias dissertações. O docente da minha geração criava a sua própria pedagogia, determinava-lhe os conteúdos, regia-a a seu modo e examinava os próprios alunos no final do ano ou do semestre.

Por razões diversas, umas bem conhecidas, outras não tanto assim, é frequente, numa qualquer turma, haver um, dois ou mais estudantes menos motivados, visivelmente desinteressados da matéria em estudo. Face a estes alunos, logo identificados nas primeiras aulas, adoptei uma estratégia que quase sempre resultou. Dava-lhes mais atenção, procurando estabelecer com eles um relacionamento de simpatia, que não era difícil transformar-se em afectividade, lhes tornava agradável o convívio comigo e, consequentemente, a frequência às aulas. Colocava-lhes problemas muito simples, ajudando-os a resolvê-los sem que dessem conta dessa ajuda. Posto isto, elogiava os seus progressos e dava-lhes tratamento que lhes despertava auto-estima, os estimulava a gostar de saber e, por essa via, a gostar de estudar. Para as dúvidas e para recuperarem parte dos atrasos, contavam comigo sem reservas nem receios de revelar dificuldades. Ganha esta intimidade e estabelecida uma relação de confiança, era fácil abordar temas que fossem dar à cidadania e ao dever cívico do estudante – estudar.

Este modo, que foi o meu, de conviver com os alunos, transparente, alegre, cordial, responsável e afectivo, tinha como consequência a presença nas aulas da grande maioria dos alunos, do começo ao fim do curso. Uma grande aproximação entre nós intensificava-se nas saídas ao campo e tinha efeitos benéficos até durante os exames, em especial, nas provas orais. Nestas o estudante sentia-se na presença de quem lhe transmitia conhecimento, mas também de um amigo, e não na de um qualquer frio e distante examinador.

Galopim de Carvalho

3 comentários:

José Batista disse...

Outro exemplo de pedagogia. Séria.

"Estudar é trabalhar". É sim senhor. Desde pequenino.
Porém, as dificuldades do tempo presente são cada vez maiores. Por exemplo, há psicólogos, como Eduardo Sá, que recusam que os professores marquem trabalhos de casa, os vulgares tpc. E há, obviamente, pais que contestam essa prática, mesmo se os professores a recomendam com moderação e oportunidade. E aqui, como por tantos outros motivos, podem surgir conflitos entre a educação dos pais e a "ação educativa" dos professores, que julgo educadores na medida em que são... professores. Se os professores forem para além do que é sua obrigação como professores, quero dizer, profissionais docentes exemplares, é provável que surjam conflitos. Exemplo: há cerca de uma dúzia de anos, uma professora diretora de turma recolheu uma saca de berlindes com que um menino brincava durante a aula. Logo os pais do menino foram à escola reclamar de tal atitude da senhora professora, que, com bonomia, lá foi explicando que não queria os berlindes para si própria. Este é um exemplo "inocente"...
Depois, devia haver a "consciência do dever cívico de estudar". Devia sim senhor. Mas hoje há meninos que chegam ao décimo ano que não vêem qualquer ilícito em copiar descaradamente e admito até que o julguem um "direito" [por favor, ler sem aspas...].
Até parece que muitos meninos deixaram de gostar de saber. O que não é possível.
Onde estamos a falhar então? Na escola,seguramente. Mas principalmente antes dela, e de fora dela e para além dela.

Cuido eu.

Um grande obrigado, às lições do Mestre.

Ildefonso Dias disse...

Professor Galopim de Carvalho;

Se estudar é um dever cívico, que é, eu posso imaginar o desconsolo que se apodera do Senhor Professor e também de todos aqueles que tem essa convicção, quando se lê isto: “Não consigo perceber por que razão quem nem sequer tem filhos há-de pagar do seu bolso para que um miúdo possa estudar sem pagar, miúdo esse que depois vai ganhar muito mais do que ganharia se não tivesse tirado o curso que tirou — ou seja, é ele quem mais vai beneficiar do curso que tirou gratuitamente.”[Desidério Murcho].

Senhor Professor, eu sou um cidadão que tenho a felicidade de ler textos de Professores eminentes, como o Professor J. Sebastião e Silva, e aprender com ele (?) e é por considerar que as coisas não estão a ir no melhor caminho, que comento, (e na forma que me é fácil e acessível) aqui no DRN, recorrendo muitas vezes ao nome daquele Professor; estas suas palavras são por isso muito comoventes para mim; Ao seu testemunho eu gostaria, e mais uma vez, porque nunca é demais, transcrever J. Sebastiao e Silva;

“(...) dantes, o professor falava, para que os alunos se aproximassem dele humildemente e se esforçassem por compreendê-lo; agora é preciso, além disso, que, reciprocamente, o professor se aproxime dos alunos, com humildade, e se esforce por compreendê-los, isto é, por compreender o ponto de vista de cada um deles e por encorajá-lo a sair do casulo e a encontrar por si novos caminhos; mais ainda: é preciso encorajá-lo a pôr os seus problemas e a encontrar o seu próprio caminho. Eu sei que esta ideia de o professor se aproximar dos alunos com humildade poderá escandalizar muita gente. Com efeito, quando se atribui a atual efervescência da juventude a uma crise da autoridade dos pais, dos educadores, etc., tende-se a confundir a verdadeira autoridade (que essa, realmente está em crise) com orgulho, egoísmo e arbitrariedade. Mas, não, a verdadeira autoridade não é incompatível com uma atitude mental e humana de humanidade: eu creio que o exemplo também já vem de longe; as pessoas é que continuam a sofrer de falta de memória.”

Bem Haja!

Cláudia da Silva Tomazi disse...

No dever cívico o professor Galopim de Carvalho disponibilizara enquanto ciência a actitude a modesta compreensão que formalizada a experiência, fora alcance em optimizar apoio e organizar parâmetros conscientes ao próximo, valores éticos agregados a postura da sabedoria em lidar com a potência da juventude para com a formação, o estudo.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...