Numa notícia que li, dizia-se que hoje, dia 30 de Setembro, um domingo, numa certa aldeia quase deserta do nosso país será inaugurada uma nova casa mortuária "no seguimento de uma estratégia de dotar todo o concelho com uma rede funcional de casas mortuárias".
Detenho-me na expressão "rede funcional de casas mortuárias". Será iniciativa duma daquelas empresas de sucesso no ramo, muito atentas a oportunidades de negócio: uma mortandade que se avizinha e a que é preciso dar tratamento funcional, imediato, rápido e eficaz... Estou de certeza enganada.
Essa nova casa mortuária, com "um sistema de ar condicionado", entre outros luxos, foi instalada na antiga escola primária, que durante um século acolheu as gerações chegadas ainda há pouco à vida.
Sob o ponto de vista simbólico (não funcional), esta mudança não pode deixar de representa a nossa tragédia: a morte, o fim, a desistência a sobrepor-se à vida, ao início, à esperança.
Na notícia li também que na freguesia em causa há 26 crianças na pré-escolaridade e no primeiro ciclo de escolaridade. Assim, talvez houvesse uma pequena, pequenina possibilidade de aquela escola continuar a ser escola.
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2 comentários:
Testemunho:
Lá, na aldeia onde nasci, corria o ano 2000 quando o meu pai morreu. A casa mortuária já então tinha sido instalada na escola em que fiz a 1ª, a 2ª, a 3ª e a 4ª classes do ensino primário. Velei, portanto, o meu pai no exacto espaço onde aprendi a ler e a escrever.
E aquelas lágrimas que então se me escaparam não foram apenas pela partida definitiva do meu "velho", cuja morte esperava.
Hoje não há quaisquer crianças na minha aldeia. Nem jovens. Há alguns, não muitos, velhos e umas dezenas de velhinhas. Essas cumprimentam-me com beijos, como se eu fora ainda menino, e, quando se trata de despedidas, é mais forte o cumprimento e mais fácil a queda das lágrimas, porque, dizem, nunca se sabe se nos tornaremos a ver.
O que, em vários casos, e apesar do meu veemente desmentido na hora, tem sido verdadeiro.
Como símbolo de um estado geral é difícil encontrar melhor...
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