segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Compreender os livros e a economia



Em muitos casos, conhecer as coisas e reflectir ponderadamente, é uma boa ideia. Em muitos casos, é uma má ideia ir atrás das primeiras ideias populares e fáceis. Parece-me que é precisamente isto que acontece no caso dos livros escolares. A cada novo ano escolar, chegam as queixas, legítimas: os pais gastam demasiado dinheiro com os manuais escolares. Todas as queixas são legítimas, mas precisamos de nos perguntar se um conhecimento mais profundo das coisas não as mostra a outra luz.

Primeiro: precisamos distinguir a questão geral de ser justo e desejável gastar dinheiro comprando livros, da questão de saber se tais livros têm qualidade. São duas questões diferentes. Se me disserem que muitos livros que compramos, incluindo manuais escolares, não têm a desejável qualidade que justificaria o seu preço, eu concordo; mas o mesmo acontece com qualquer coisa que compramos.

Segundo: é crucial distinguir quem ganha 600 euros por mês e tem dois filhos em idade escolar, de quem ganha 10 mil euros por mês e tem um filho em idade escolar. Qualquer medida de suposta justiça social que permita que este último fique com os livros de graça não é um passo particularmente promissor na direcção da solidariedade social. O que precisamos é garantir que as pessoas que ganham abaixo de determinado escalão possam receber os livros gratuitamente. Mas não podemos esquecer que receber livros gratuitamente significa apenas que alguém os paga por eles — nomeadamente os mais ricos — e não que alguém os escreve de borla. Exigir esta última coisa seria puxar nas calças e perder na camisa, como se costuma dizer, pois para atender à injustiça social de uns estar-se-ia a explorar o trabalho de outros (os autores de manuais). O que nos conduz à terceira ideia:

Quem escreve os manuais escolares precisa ser pago. Presumindo que se aceita esta ideia de elementar justiça do trabalho, o que precisamos pensar é como será pago e por quem.

Muitas pessoas têm apenas uma ideia vaga do modo como funciona o mundo à sua volta. Não se apercebem que o que parece gratuito é de facto pago, e muitas vezes pago por quem não o consome, o que não é obviamente assim tão justo. Por exemplo, é muito populista defender o ensino universitário, ou outro, inteiramente gratuito. Mas eu gostaria que os professores que defendem tal ideia se oferecessem imediatamente para trabalhar de borla. Pois se ao mesmo tempo exigem que alguém lhe pague — nomeadamente, o estado — o que essas pessoas estão efectivamente a exigir é que toda a gente contribua para o seu ordenado, independentemente de essa pessoa ter filhos na universidade ou não. Não me parece que isto seja um passo sábio na direcção da justiça social, mas talvez eu esteja a ver mal. Não consigo perceber por que razão quem nem sequer tem filhos há-de pagar do seu bolso para que um miúdo possa estudar sem pagar, miúdo esse que depois vai ganhar muito mais do que ganharia se não tivesse tirado o curso que tirou — ou seja, é ele quem mais vai beneficiar do curso que tirou gratuitamente. Em muitos países os miúdos, para estudar, contraem empréstimos bancários bonificados, que depois terão de repor se e quando tiverem um emprego em que ganhem acima de um dado escalão — o que me parece da mais elementar justiça social. Mas talvez esta ideia esteja errada por outras razões, não sei.

Voltemos aos livros. Presumindo que quem como eu escreve manuais escolares merece ser pago, a questão é saber quem tem o dever de lhe pagar. E acho muito difícil defender que são os contribuintes em geral que têm esse dever, e não os pais das crianças que directamente usam os meus manuais. Contudo, talvez eu esteja a ver mal. Talvez faça sentido que quem ganha 6 mil euros por mês receba os meus livros de graça, sendo eu pago pelos impostos de todas as outras pessoas.

Em Portugal, os manuais escolares são os mesmos por períodos estabelecidos por lei, que são 6 anos. Podemos discutir se isto está bem ou não, e presumindo que está bem, podemos discutir se em vez de 6 anos deveria ser 4 anos, ou 20, ou 2 apenas. Ou se não devia haver qualquer lei. Além disso, por lei também, os manuais escolares são adoptados escola a escola e não professor a professor, o que significa que numa dada escola o manual de Física ou Filosofia do 10.º ano, por exemplo, é o mesmo para todos os alunos durante 6 anos.

Isto permite que as escolas, os pais e os alunos se organizem para trocar entre si os manuais dos anos anteriores, evitando assim as despesas. Contudo, isto só funciona num período de 6 anos, se aceitarmos a lei tal como está. Mas é importante ver o que acontece noutros modelos. Vejamos o que acontece nos EUA.

Qualquer pessoa que saiba o que se passa com os manuais escolares do ensino universitário comum (isto é, sem pensar nas universidades de ponta) fica algo perplexa: os manuais norte-americanos são vendidos ao dobro do preço dos britânicos — num país onde, dada a sua dimensão, os livros são, em geral, um terço mais baratos. O que acontece é que os miúdos norte-americanos gostam de ganhar dinheiro, têm um espírito norte-americano típico de tentar fazer um dólar sempre que possível. E têm o hábito enraizado de chegar ao fim do ano académico e vender os seus manuais escolares — por mais barato que seja, ganham algum dinheiro extra, até porque geralmente foram os pais que lhos compraram, portanto é tudo lucro. Por sua vez, há nas imediações das universidades, e por vezes nas próprias universidades, livrarias especializadas em comprar e vender manuais em segunda mão.

Isto parece óptimo, não é? Deste modo, os alunos podem comprar manuais mais baratos, em segunda mão. Mas nem tudo o que parece é. E este é um desses casos. Na venda de livros em segunda mão há uma injustiça económica profunda: é que quem investiu o seu tempo escrevendo os livros, e quem investiu dinheiro imprimindo-os, não vê qualquer percentagem das vendas, ao contrário do que acontece com os livros novos. Assim, imagine-se que sou autor de um manual de Filosofia particularmente bem-sucedido. No primeiro ano vendo 20 mil exemplares, o que é suficiente para me pagar adequadamente o trabalho monstruoso de escrever o manual. Mas como uma percentagem muito elevada dos estudantes vende os livros depois de os usar, ao fim de 3 anos, eu tenho vários livros em circulação, usados por 18 mil pessoas, mas não vejo dinheiro algum dessas transacções. Quem o vê são os alunos e os livreiros. Consequência: 1) Nos EUA há edições novas dos manuais universitários aproximadamente a cada 2 anos, para tornar artificialmente obsoletos os manuais das edições anteriores; 2) os manuais novos são caríssimos, pois já se sabe que deles só se irão vender um número reduzido de exemplares, em apenas dois anos, no máximo.
Moral da história: é preciso ter cuidado com o que parece uma ideia muito boa, pois pode acabar por se revelar uma ideia muito má. Mas, claro, para isso é preciso reflectir cuidadosamente nas coisas e ter algum conhecimento da realidade.

Termino com uma nota muito simples. O mundo é em grande parte consequência das nossas escolhas económicas. A razão pela qual há mais sapatarias nos centros comerciais do que livrarias, é porque as pessoas livremente preferem sapatos a livros. Isto pode ser lamentável, mas não estamos a dar um passo na direcção certa se quisermos impingir livros de borla às pessoas, à custa ou da exploração os autores ou pedindo que a sociedade em geral financie a cultura que não lhe interessa. Um passo certo na direcção certa é convidar as pessoas a gastar mais dinheiro em livros, e menos em cinema ou sapatos, a gastar mais dinheiro em livros, e menos dinheiro em iPhones, a gastar mais dinheiro em livros, e menos dinheiro em carros e televisões de plasma. Mas tem de ser só e exclusivamente um convite simpático. A palavra última sobre o que fazer ao dinheiro de cada um a cada um deve — por elementar justiça — pertencer. Mas talvez eu esteja a ver mal.

20 comentários:

holiveiras disse...

Excetuando o lapso de que os manuais, em Portugal, vigoram, em regra, por 6 anos e não por 4, excelente artigo que ilustra uma análise não populista e realista, apesar de parcial, claro.

joão viegas disse...

Ola,

Quanto a mim, o texto confunde duas problematicas bem distintas :

1/ A questão da gratuidade do ensino e da sua justificação. Nesse aspecto, acho que o post obscurece o problema quando confunde os diferentes graus de ensino. E' geralmente admitido que, para o ensino primario e para o preparatorio, faz sentido existir um serviço de ensino publico, geral, gratuito. A ideia de um ensino gratuito parte, de facto, do pressuposto de que todos ganham com isso, ou seja de que é um bem que aproveita a todos e que, por isso mesmo, faz sentido que o seu custo seja suportado pelo imposto, de modo a que os mais abastados paguem mais do que os mais carenciado. Admito que a questão seja menos clara para o ensino superior, em parte porque existe a ideia (criticavel, alias) de que ele constitui principalmente uma via de acesso a determinadas profissões. Do post, não se percebe se o autor critica apenas a gratuidade do ensino superior, ou se acha criticavel gratuidade do ensino em geral. Seja como fôr, penso que ninguém, entre as pessoas que defendem a gratuidade do ensino (ou seja a esmagadora maioria), ignora que o ensino tem um preço e que a "gratuidade" para os cidadãos significa, não que os custos desaparecem, mas apenas que são suportados pela colectividade, atravês do imposto.

- Quanto à remuneração do trabalho de quem escreve livros escolares, ha também confusão. Que eu saiba, ninguém contesta que esse trabalho deva ser pago (pondo de lado a questão de quem aceita fazê-lo de forma gratuita, que é uma questão marginal). A questão levantada pelo Desidério tem mais a ver com a forma de remuneração do trabalho de autor em geral, e não é uma questão especifica aos autores de manuais escolares. Quando o autor é pago em direitos de autor (o que acontece supostamente nos nossos paises hoje em dia), isto significa que ele vai ser pago com uma parte das receitas do livro. A prudência recomenda que o autor fixe o seu "preço" tendo em conta o que vai render a 1a edição da obra. Quando assim sucede, as edições posteriores, cuja existência nunca é garantida, representam um bonus, uma quantia que excede ja o "preço" fixado à partida. Note-se que, se os autores fossem pagos, não em direitos de autor, mas em salario, seriam apenas pagos uma vez pelo mesmo trabalho... Quanto ao resto, qualquer autor de obras sujeita-se a que as suas produções sejam vendidas em segunda mão. Qualquer autor de obras, qualquer marceneiro, qualquer construtor de automoveis,, de maquinas de lavar, etc. Curiosamente, em termos juridicos, um dos raros bens que não pode ser vendido em segunda mão é... o trabalho assalariado !

Receio que, ao confundir as duas questões, o Desidério se impeça de atingir o seu objectivo que, tanto quanto percebo, é de esclarecer.


Boas

joão viegas

joão viegas disse...

Quanto a mim, o texto confunde duas problematicas bem distintas :

1/ A questão da gratuidade do ensino e da sua justificação. Nesse aspecto, acho que o post obscurece o problema quando confunde os diferentes graus de ensino. E' geralmente admitido que, para o ensino primario e para o preparatorio, faz sentido existir um serviço de ensino publico, geral, gratuito. A ideia de um ensino gratuito parte, de facto, do pressuposto de que todos ganham com isso, ou seja de que é um bem que aproveita a todos e que, por isso mesmo, faz sentido que o seu custo seja suportado pelo imposto, de modo a que os mais abastados paguem mais do que os mais carenciado. Admito que a questão seja menos clara para o ensino superior, em parte porque existe a ideia (criticavel, alias) de que ele constitui principalmente uma via de acesso a determinadas profissões. Do post, não se percebe se o autor critica apenas a gratuidade do ensino superior, ou se acha criticavel gratuidade do ensino em geral. Seja como fôr, penso que ninguém, entre as pessoas que defendem a gratuidade do ensino (ou seja a esmagadora maioria), ignora que o ensino tem um preço e que a "gratuidade" para os cidadãos significa, não que os custos desaparecem, mas apenas que são suportados pela colectividade, atravês do imposto.

- Quanto à remuneração do trabalho de quem escreve livros escolares, ha também confusão. Que eu saiba, ninguém contesta que esse trabalho deva ser pago (pondo de lado a questão de quem aceita fazê-lo de forma gratuita, que é uma questão marginal). A questão levantada pelo Desidério tem mais a ver com a forma de remuneração do trabalho de autor em geral, e não é uma questão especifica aos autores de manuais escolares. Quando o autor é pago em direitos de autor (o que acontece supostamente nos nossos paises hoje em dia), isto significa que ele vai ser pago com uma parte das receitas do livro. A prudência recomenda que o autor fixe o seu "preço" tendo em conta o que vai render a 1a edição da obra. Quando assim sucede, as edições posteriores, cuja existência nunca é garantida, representam um bonus, uma quantia que excede ja o "preço" fixado à partida. Note-se que, se os autores fossem pagos, não em direitos de autor, mas em salario, seriam apenas pagos uma vez pelo mesmo trabalho... Quanto ao resto, qualquer autor de obras sujeita-se a que as suas produções sejam vendidas em segunda mão. Qualquer autor de obras, qualquer marceneiro, qualquer construtor de automoveis,, de maquinas de lavar, etc. Curiosamente, em termos juridicos, um dos raros bens que não pode ser vendido em segunda mão é... o trabalho assalariado !

Receio que, ao confundir as duas questões, o Desidério se impeça de atingir o seu objectivo que, tanto quanto percebo, é de esclarecer.


Boas

Desidério Murcho disse...

Obrigado pela correcção que já inseri. Gostaria que me explicasse por que razão o meu artigo é parcial.

Esqueci-me de referir um aspecto importante. Os professores recebem os manuais gratuitamente dos editores. E não recebem apenas gratuitamente o manual que escolherem, mas quase todos os outros. Além disso, não recebem apenas o manual, mas vários outro materiais, como testes, esquemas, diapositivos, explicações adicionais num livro à parte, etc. Tudo isto eles recebem gratuitamente dos editores. Evidentemente, nenhuma destas coisas é realmente gratuita: todas são pagas pelos pais dos alunos, ao comprar os manuais. O que, evidentemente, torna os manuais mais caros.

Sara Raposo disse...

Desidério,
Percebo os teus argumentos quando dizes que revender manuais lesa os direitos e os legítimos interesses dos autores dos manuais. No entanto, o conhecimento da realidade, que atualmente se vive nas escolas e no país, ajuda a compreender o crescente recurso à troca de manuais. Certas escolhas económicas das pessoas também resultam de determinadas medidas políticas e da ineficácia do estado em promover a justiça social. Em Portugal, o apoio aos alunos mais carenciados só funciona para uma pequena minoria. Melhor dizendo, é canalizado para aqueles cujos encarregados de educação declaram baixos rendimentos no IRS. Mas há outros.
Na verdade, as dificuldades económicas são também daqueles que supostamente têm um rendimento que os exclui de qualquer apoio social: uma vasta maioria, cujos pais passaram a não ter dinheiro para comprar os livros e têm vergonha de o assumir. Este ano vários alunos meus, questionados sobre a ausência de manual, disseram-me que não tinham direito a qualquer apoio social, mas que não havia dinheiro para comprar os livros e, por isso, esperavam consegui-los ainda em segunda mão, pois de outro modo não os poderiam ter. Não há alternativas para estas pessoas, estão excluídos de qualquer ajuda (pelas declarações dos seu IRS), embora por vezes vivam ainda com mais dificuldades que as apoiadas pelo estado. Aliás, pelo que vejo há uma crescente desigualdade social no acesso à educação: muitos dos que antes conseguiam estudar (os tais com rendimentos que não são muito baixos mas também não são altos) vão deixar de o poder fazer, nomeadamente na universidade. Os preços dos manuais universitários são incomportáveis para as famílias com rendimentos médios para não falarmos das propinas – iguais para todos os alunos que não têm direito a apoio social.
Por mais estranho que possa parecer, em nome do “estado social”, agregados familiares com um rendimento mensal de 2.600 euros pagam, no ensino público, o mesmo valor de propinas que os de 5.000 ou 10.000 euros mensais. Que valor das propinas nas universidades públicas não dependa dos rendimentos do agregado familiar é algo que não se compreende, a meu ver. Aliás, em instituições públicas de outros níveis de ensino, como infantários públicos, essa diferenciação também não existe. Na prática quem se lixa são sempre aqueles que têm rendimentos médios: para os seus filhos terem acesso à educação pública pagam o mesmo que os mais ricos (sem serem ricos) e pagam muito em impostos para o estado compensar os mais pobres. Eu julgo que algumas destas pessoas da chamada “classe média” não têm outra alternativa a não ser recorrer a livros usados como forma de minorarem as dificuldades económicas do dia a dia. A crise é real e não me parece que seja só uma questão de convidar as pessoas a gastarem mais em livros e menos em objetos supérfluos. Há muita gente que, simplesmente, passou a não ter dinheiro para optar. Seria interessante discutir que “justiça social” é esta que existe em Portugal.

Desidério Murcho disse...

Obrigado pelos teus comentários. Apresso-me a dizer que nada vejo de errado em vender e comprar livros em segunda mão, sejam eles manuais ou não. Só queria chamar a atenção para o que tal prática generalizada pode acabar por provocar: uma situação que, longe de ser mais económica, é economicamente igual (quando os manuais são caríssimos, como nos EUA, isso significa que ficam em segunda mão com o preço normal que teriam, novos, se essa prática não existisse).

Mas também não vejo por que razão quem não tem dinheiro para estudar haverá de ter direito a estudar gratuitamente, sem devolver jamais à sociedade o dinheiro que lhe foi dado para estudar. Contudo, esse é outro assunto. Como eu disse, gostaria que quem defende o ensino gratuito e ao mesmo tempo é professor, como é o teu caso, se disponibilizasse imediatamente para trabalhar de borla.

joão viegas disse...

Se me permites, Desidério, penso que continuas a confundir as coisas.

Quem defende o ensino gratuito não defende que as pessoas que trabalham no ensino, como professores ou porque escrevem manuais escolares, deveriam trabalhar gratuitamente. Defende apenas que o custo seja suportado pela colectividade. Idealmente, a gratuidade completa obtem-se quando o orçamento do Estado suporta todos os custos, não apenas os salarios dos professores, mas também a compra dos manuais escolares que são depois disponibilizados para os alunos. Tanto quanto me lembro, em Portugal, o segundo aspecto não existe, pelo que são as familias que têm de comprar os manuais escolares. Isto faz com que o sistema não seja totalmente gratuito e, no plano dos principios, é perfeitamente legitimo lamenta-lo. Que eu saiba, ha paises onde os dois aspectos se verificam, pelo menos a nivel do ensino obrigatorio.

Questão diferente é saber como devem ser remunerados os autores de manuais escolares, sendo que é incontroverso que eles merecem ser pagos pelo seu trabalho. Tanto quanto percebo, isto acontece hoje de acordo com as leis do mercado. Os autores de manuais celebram contratos com editoras, que editam e vendem livros, e pagam aos autores o que foi estipulado por contrato. A remuneração dos autores de manuais é por conseguinte negociada entre eles e as editoras. Não é assim que sucede ? Que eu saiba, nenhum autor de manuais escolares é obrigado a trabalhar em troca de uma remuneração que ele não esta disposto a aceitar, ou em regime de trabalho forçado, ou é ?

O preço dos livros é ainda uma terceira questão. Tratando-se de um mercado, o preço de venda dos livros é função da procura e, como tal - como sucede com muitos outros bens - é função das possibilidades das pessoas. Se a maior parte das pessoas não pode comprar, recorre a expedientes como o mercado de segunda mão. Não vejo bem o que se pode fazer para mudar esta realidade. Em absoluto, é desejavel que as pessoas comam carne fresca de qualidade. Mas se houver uma grave crise economica, as pessoas vão comprar carne enlatada, ou mesmo deixar de comprar carne... Devemos proibir a carne enlatada, o arroz e a massa em tempo de crise ?

O que é que sugeres, ao certo, que os professores obriguem todos os alunos a comprar manuais novos ? Idealmente, se as pessoas tivessem todas meios para o fazer, não diria que não. Mas é um bocado como se um médico receitasse a todos os seus doentes longos periodos de repouso e exposição ao sol das ilhas Baleares. O mais provavel, seria que os doentes menos abastados se contentassem com a praia da Cruz Quebrada, não achas ?

Boas

Desidério Murcho disse...

Não defendo, de modo algum, que as pessoas devem ser impedidas de vender manuais em segunda mão, ou trocá-los. Apenas chamei a atenção para isto: o que à primeira vista pode parecer uma ideia muito boa, pode revelar-se na prática uma ideia muito má.

O mesmo acontece com o financiamento público do ensino e dos livros. Ainda que pareça uma ideia boa à partida (neste caso é menos óbvio que pareça sequer uma ideia boa, afinal ninguém argumenta que a água deve ser de graça porque todos temos direito à água), a economia comunista revela-se muitas vezes muitíssimo má. No Brasil os manuais são distribuídos gratuitamente aos alunos do secundário, comprados pelos estados. Seria ingénuo pensar que quem escolhe, em nome do estado, os manuais que serão adoptados não sofre imensas pressões, escolhendo-os não em função da qualidade intrínseca, supondo sequer que teria competência para tal, mas em função de quem lhe paga mais.

As ideias de pendor comunista são geralmente tolas. Tal como as ideias de pendor anti-comunista. O problema é em vez de se pensar nas ideias directamente, uma pessoa limitar-se a ir atrás do que é comum que se pense na sua sociedade.

Sinto-me como alguém que, em pleno séc. XVII, diz aos seus concidadãos europeus que está longe de ser óbvio que as mulheres não tenham direitos e que os africanos sejam escravizados. Ainda nem sequer comecei a dizer o que realmente penso sobre a economia da cultura e do ensino. Por exemplo, os professores constituem um grupo de pressão gigantesco, em todo o mundo, obrigando os estados a financiar disciplinas que ninguém realmente quer estudar e que não interessam a ninguém. Um curso de engenharia poderia ter um terço das disciplinas que tem, se não houvesse estas pressões. E, claro, a filosofia desapareceria das escolas muito rapidamente.

joão viegas disse...

Não percebo o que é que o comunismo e o anti-comunismo têm a ver com o assunto.

Quem decide que os manuais de ensino devem ser comprados pelo Estado e disponibilzados aos alunos (geralmente isto sucede para o ensino primario e preparatorio, não a nivel do superior), não o faz porque pensa que desta forma o preço dos ditos manuais vai ser menor. Fa-lo apenas porque considera que uma boa parte dos alunos não tem meios para os adquirir. Uma alternativa seria dar um subsidio às familias de rendimentos modestos para adquirir o material necessario para ter aproveitamento escolar.

Do ponto de vista "egoista" de quem pretende ganhar dinheiro a escrever livros escolares (o que é inteiramente legitimo) isto não muda grande coisa. Quem ganha dinheiro a escrever manuais fa-lo ajustando-se ao "mercado" das editoras, que por sua vez se ajustam à procura de livros novos. Esta sera maior ou menor consoante ha mais ou menos dinheiro (nomeadamente publico, mas não apenas) para adquirir manuais escolares novos.

Como sucede para a grande maioria dos bens de consumo, a existência de um mercado de segunda mão é inevitavel e é desprovida de incidência directa sobre o preço de mercado. A Ford ganha a vida a vender automoveis novos. Ao lado dela, vendem-se automoveis em segunda mão, tanto em época de crise como em época de vacas gordas. Mas, como é obvio, a Ford ganha menos dinheiro em época de crise, não porque existe um mercado de segunda mão, mas porque existe menos procura em geral.

Assim acontece com os autores de livros escolares...

Não percebo bem onde queres chegar.

Abraço

José Batista disse...

Caro Desidério Murcho

A sua posição é legítima, mas a meu ver tem vários pontos fracos. Veja-se:

- A situação do país é a que é... (e em vez de país talvez seja melhor falar das pessoas: desempregadas e sem vencimento, com vencimentos muito baixos ou cortados em grande percentagem, sem recursos, com custo de vida aumentado, socialmente desprotegidas e por aí fora...);

- Os manuais são frequentemente vendidos em "packs": volume I, volume II, caderno de atividades e, muitas vezes, mais uns "adereços"...; o papel é de elevada gramagem e profusamente colorido: muita argila, muito peso, muita reflexão de luz para os olhos de quem lê; excesso de páginas separam os capítulos sem necessidade; demasiadas figuras; hiperesquematismo; qualidade muitas vezes baixa; preço excessivo; negócio interessante para autores e livreiros, o que não é crime...;

- A qualidade dos manuais pode ser baixa ainda devido à fidelidade aos programas, os quais tendem frequentemente a - no mais cristalino "eduquês" - idiotizar alunos e apoucar e ridicularizar professores. Assim mesmo, com alunos com idades baixas, é difícil trabalhar sem um manual. Há professores que, sobre certas rubricas programáticas, escrevem textos para os seus alunos, pelos quais, obviamente, não cobram nada;

- Hoje, na escola pública, a probabilidade de entregar um manual usado a um aluno cujos pais aufiram vencimentos de 6 000 a 10 000 euros parece ser extremamente baixa. O contrário é que é comum. Asseguro-lhe. De tal modo que não vale a pena hesitar em ações de dádiva ou troca de manuais;

- Por isso, ainda hoje, esta tarde, me congratulei com a entrega de manuais que um aluno que quis mudar de curso fez a um professor de História (que ele vai passar a ter e que também é autor de manuais) que mos entregou a mim, que os vou oferecer a um dos meus alunos que ainda não os tem...;

- Em tempos de guerra não se limpam armas!, não é?

Ildefonso Dias disse...

Professor Desidério Murcho;

Terminei a leitura de um Artigo intitulado FILÓSOFOS E MATEMÁTICOS da autoria do Professor J. Sebastião e Silva, publicado na Gazeta de Matemática n. 46.

Eu penso que que este artigo lhe poderia ser muito útil, tenho essa convicção.

O Artigo finaliza com a transcrição de um conselho de David Hume - no seu ensaio sobre o intelecto humano:

«Sê um filósofo, mas, no meio de toda a tua filosofia, sê ainda e sempre um homem».

Possa este conselho, e todo o Artigo, ajuda-lo, a compreender muito daquilo que não consegue, e em particular cito;
“Não consigo perceber por que razão quem nem sequer tem filhos há-de pagar do seu bolso para que um miúdo possa estudar sem pagar, miúdo esse que depois vai ganhar muito mais do que ganharia se não tivesse tirado o curso que tirou — ou seja, é ele quem mais vai beneficiar do curso que tirou gratuitamente.” .

É isto que se deseja; que o Senhor Professor Desidério Murcho - filósofo - consiga perceber aquilo que é perfeitamente acessível ao senso-comum.

Nota: Este artigo, suscitou uma réplica do Professor Vieira de Almeida, que foi publicada em 1951, na revista Ciência, réplica que desconheço.

Desidério Murcho disse...

Concordo com o que você escreveu e nada do que você escreveu é incompatível com o que eu escrevi.

Mas vale a pena acrescentar algumas informações. Quem escolhe os manuais são os professores; quem os paga, são os pais. Os professores recebem os manuais de graça. E recebem vários materiais que encarecem os manuais. Tudo de graça.

O manual de filosofia mais caro no país é um dos mais adoptados no país. Por ser melhor? Não sei. A questão é que os professores não têm qualquer razão para preferir um manual mais barato a outro mais caro, sendo a qualidade equivalente, pois não os pagam.

Talvez seja preciso insistir nisto: tudo o que eu estava a fazer ver no meu artigo é que há muita conversa fiada quando se fala de manuais. É fácil dizer que os manuais são caros. O difícil é explicar como se faria de outro modo, que fosse melhor. E é empiricamente falso que os manuais sejam, em geral, caros. Uns são mais caros do que outros, mas o crucial no que respeita a manuais não é o preço. É a qualidade.

Além disso, se os manuais são mais caros por serem a cores e em papel de luxo, o que é verdade, é preciso não esquecer que isso acontece porque são os professores que escolhem os manuais. Eu preferia fazer um manual igual aos meus outros livros -- um livro normal, em papel normal, a preto e branco -- mas quase nenhum professor escolheria um manual assim, pelo que não posso fazê-lo assim. Como se resolve este problema? Tudo o que quero mostrar no meu artigo é que sempre que se fala de manuais é só conversa tola, pois nunca leio seja o que for que me faça pensar: eis uma ideia promissora, que poderá ajudar a melhorar as coisas. Só leio tolices.

José Batista disse...

Caro Desidério Murcho

Tenho participado em muitas escolhas de manuais e, muitas vezes, apetecia-me não escolher nenhum.
Os professores com quem tenho participado na escolha de manuais procuram ter em conta os preços.
Pela parte que me toca não prezo particularmente a maioria dos manuais porque os acho fracos em múltiplos aspetos, particularmente quando tentam seguir à risca os programas. E se os analiso é apenas para trabalhar com os alunos, porquanto há muitos anos que deixei de estudar por eles.
Choca-me que alguém escreva que os manuais não são em geral caros. Embora perceba que a noção de caro e barato possa depender da bolsa de cada um.
Se houvesse um manual em papel normal, a preto e branco, mas com qualidade, eu e outros professores optávamos por esse manual.
Quando se fala de manuais não é conversa tola. Especialmente quando as pessoas se queixam de que não têm dinheiro para os comprar. E se isto, em sua opinião, são tolices e o não fazem pensar, lamento muito. Sobretudo por não o fazerem pensar... Acaso tem remédio para o problema, mesmo sem pensar? Se tem, pode fazer o obséquio de no-lo revelar?
Desculpe se o macei.
Por favor não se incomode.
Só respondi por responder. Nós os que pouco temos, e pouco podemos pagar, sofremos tudo.

Mas não em silêncio.

Aires Almeida disse...

Os manuais escolares são caros? Bom, seria melhor começarmos por dizer como chegamos a essa conclusão.

Se, por um lado, a nossa avaliação se basear numa relação preço-qualidade, então talvez concorde que grande parte deles (dos manuais e não só) são caríssimos. Por esse lado, até podemos concluir que um manual é mais barato do que outro, mesmo que ambos tenham o mesmo preço. Mas aí o problema principal é um problema de qualidade. parece-me que não era esta a discussão.

Se, por outro lado, a nossa avaliação não inclui variáveis como a qualidade e que toma como referência os preços médios dos livros no mercado nacional, então os manuais escolares são provavelmente os livros mais baratos de todos. Isto torna-se mais claro com exemplos:

Eu sou co-autor (o Desidério é outro dos co-autores) de um manual escolar de Filosofia do 10º ano. Vejamos as características do manual:

1) O manual tem dois volumes, o primeiro com 236 pp e o segundo com 200 pp.

2) As capas e o papel são de alta qualidade (há obrigações quanto ao tipo de papel que as editoras têm de usar, de modo a garantir a sua durabilidade com uso intensivo).

3) Todas as páginas são a cores e usam um grafismo elaborado (com muita pena nossa, e com o argumento de que a experiência tem mostrado que os professores rejeitam o minimalismo cromático)

4) Usam-se bastantes (mais do que gostaríamos) reproduções a cores de imagens e fotos, algumas das quais envolvem o pagamento de direitos.

5) Além do manual propriamente dito, são oferecidos um caderno de apoio ao professor (com 80 pp e encadernação a cores) e um caderno de apoio aos alunos (com as mesmas características.

6) É ainda oferecido um DVD com materiais didácticos adicionais.

7) Foram oferecidos a professores cerca de 5000 (sim, cinco mil!) exemplares, pois os professores recebem gratuitamente os manuais e só no ano de 2007 (1ª impressão) foram oferecidos 3668 exemplares.

8) O preço do manual (com o restante material de apoio) é de 22,70 €.

Comparemos agora com outro tipo de livros. Eis um exemplo de outro livro de filosofia de um autor português (não há, portanto, direitos e custos de tradução envolvidos): Textos e Ensaios Filosóficos II, de Agostinho da Silva.

1) É um volume com 388 pp.


Aires Almeida disse...

2) Tanto a capa como o papel são de qualidade média.

3) Não há cores e o grafismo é do mais simples.

4) Não há imagens nem direitos de reproduções a pagar.

5) O preço é 21,71 €.


Dei o exemplo do manual de que sou co-autor para não falar de outros que, pondo de parte questões de qualidade, têm aproximadamente as mesmas características.

Se depois de exemplos como este ainda se persistir na ideia de que os manuais são caros, então não sei bem o que seria preciso para contrariar tal ideia. Note-se que não estou a falar da qualidade deles e também não estou a incluir questões de carácter social, como as carências económicas por que muitas famílias portuguesas passam. Estou apenas a comparar livros com livros, incluindo a comparação dos custos de produção envolvidos.

Se tivermos em conta os dados que referi atrás, custa até a entender como podem os manuais escolares ser tão baratos. Mas quem persistir em concluir que são, ainda assim, caros, terá de rever a sua conclusão, pois não é dos manuais escolares em particular que estará a falar, mas dos livros em geral.

Mas no nosso país os livros sempre foram considerados caros. Pudera, o que valem os livros quando comparados com os telemóveis ou a mensalidade da Sport TV? Claro que custa gastar dinheiro com coisas tão pouco importantes como os livros de estudo.

Como disse, não estou a falar das questões sociais, que são um assunto diferente. Mas não resisto a referir que, em 2007 (ano em que os manuais do 10º ano foram pela última vez escolhidos pelos professores), havia nada menos do que 18 manuais de Filosofia do 10º ano. O mais barato custava 18,90€ e o mais caro 26,90€. A maior parte dos outros aproximavam-se mais da base do que do topo. Mas querem saber qual foi, de longe, o mais adoptado em todo o país? Pois, o mais caro. E qual foi o segundo mais adoptado? Pois, foi o segundo mais caro.

Mas talvez os mais caros sejam mesmo os melhores. Não podemos excluir essa possibilidade.

holiveiras disse...

Caro Desidério,

Referi "parcial" não sentido de que não é "isento" na análise, mas quanto ao facto de que inúmeros aspetos da reflexão em torno da gratuitidade dos manuais escolares se colocam para além daqueles que abordou. A título de exemplo, considerando apenas os manuais escolares de 2.º ano (sem cadernos de atividades e multimédia, os manuais das três disciplinas (Estudo do Meio, Matemática e Português) custam pouco mais de €25. Se a estes juntarmos os cadernos de atividades (opcionais, os valores não chegam aos €45. Se considerarmos os manuais de 5.º ano, os valores rondarão os €100. E por aí adiante até montantes anuais que se aproximam dos €200, no caso do secundário. São valores elevados? São com certeza para a realidade portuguesa. Mas serão de facto valores anuais desproporcionados quando comparados com o preço de um telemóvel de gama baixa? E com um par de ténis? E com um jogo de uma consola que custa €80? E sendo a Educação Física também uma disciplina do currículo, não deveria o estado também providenciar o equipamento que é necessário à sua prática? E fornecendo o estado manuais em segunda mão às crianças que os não podem adquirir novos não estará a separá-las daquelas que os podem ter novos pela sua condição social, se terminar o atual sistema de compra e disponibilização gratuita aos alunos acrenciados? Enfim, Desidério, estes são mais alguns dados pelos quais considerei que a sua análise foi parcial (no sentido de tocar em apenas alguns pontos importantes). P.S.: no entanto, por muito honesto intelectualmente que seja, e é, nunca se conseguirá separar do facto de ser autor, certo?

Desidério Murcho disse...

Tal como os professores não conseguem separar-se do facto de serem professores e de, ao promover o ensino, estão apenas a promover a sua profissão, a sua continuidade, a sua valorização, o seu ordenado ao fim do mês, às custas do resto da sociedade, que por meio dos impostos lhes paga os ordenados.

Mas é claro que acusações vagas de parcialidade são, em si, parciais. Pois para mostrar que há pensamento tendencioso é preciso prová-lo e não apenas insinuá-lo. Se quem mais percebe de manuais porque os escreve não pode falar disso porque é tendencioso, quem fala? Professores que não se dispõem a passar umas férias de verão trabalhando num manual, em vez de estar na praia? Professores que, ainda que escrevessem um manual, seria tão mau, científica e didacticamente, que se veria as suas profundas limitações como profissional? Professores que nada mais rigorosamente lêem a não ser os manuais? Professores que nem têm livros em casa, além dos manuais?

Desidério Murcho disse...

A questão é que toda a gente fala, mas ninguém tem a mínima ideia de como se pode melhorar as coisas. A conversa dos manuais em Portugal é como todas as discussões públicas: muita ignorância, mera simulação de profunda verticalidade ética e uma incapacidade gritante de fazer propostas construtivas.

Qualquer professor pode escrever um manual. E publicá-lo. Se o tentar fazer, descobre coisas curiosas. Por exemplo, por lei, o papel tem de ser caro, para o livro não ficar desfeito ao fim de um ano de uso, podendo ser emprestado ou vendido. Esta parece uma ideia excelente, mas torna o manual mais caro.

Os riscos envolvidos em fazer um manual, para autores e editores, são tais que quase nenhum professor estaria disposto a fazer tal coisa. Imagine-se o que seria o Ministério da Educação propor que os professores trabalhassem arduamente durante seis meses, sem receber coisa alguma, tendo apenas a hipótese de, um ano depois, receber, se as coisas correrem bem, 5 mil euros. E, se as coisas correrem mal e nenhuma escola ou quase nenhuma adoptar o manual, o autor recebe zero (sim: zero) e os editores deitaram à rua milhares de euros (porque apesar de não pagarem aos autores, tiverem de imprimir os manuais, enviá-los para as escolas, etc.).

A mentalidade portuguesa é tola e ignorante. Em vez de olhar para os manuais, os autores e os editores como parceiros educativos elementares, cruciais em qualquer país desenvolvido, tende a considerá-los capitalistas da Coca-Cola, que só fodem o mundo. Quem fode o mundo são os muitos milhares de ignorantes que infelizmente temos, sem falta, nas escolas e universidades portuguesas.

José Batista disse...

Só (mais) um pequenino apontamento:

Tenho diante de mim vários manuais por que estudei no ano de 1977/78 (ano propedêutico). De entre eles destaco um conjunto de três do Professor Galopim de Carvalho. Têm tamanho A5, papel cinzento, uma escrita clara e irrepreensível, excelente organização e sequência dos conteúdos. Ausência de exercícios mentecaptos. Fotografias a preto e branco. Desenhos que são um mimo de arte e rigor científico, alguns com assinatura do autor. Listas de bibliografia no fim de cada volume, de acordo com as normas.
Aparentemente frágeis, encapei-os na altura com plástico maleável, serviram-me e servem-me, releio-os com gosto e já os tive emprestados (a pessoas de confiança). Mantêm-se em excelente estado.
Não têm indicação do preço. Não sei quanto o Professor Galopim ganhou com a publicação daqueles livrinhos, que no conjunto totalizam 463 páginas (o que perfazia "metade" de uma disciplina). Admito que não tenha tido lucro, não sei.

Mas houve algo que o Professor Galopim "ganhou": foi o respeito de gerações de alunos, alguns deles hoje professores, que não esquecem nem as lições nem a pessoa do Mestre. Este texto escrevo-o com grande sentimento de estima e admiração por ele e por outros como ele, em homenagem singela.

Hoje, são diferentes os tempos.

Mais um pormenor: se a lei é burra e manda fazer livros em papel caro, por que é que os autores não denunciam a lei por ser... burra, e antes se zangam com as pessoas que dizem, com razão, que os manuais são injustificadamente caros?


Desidério Murcho disse...

O que valia a pena era ver o preço desse manual, fazer as contas à inflação e ver se era mais barato ou mais caro do que os actuais manuais. E descobrirá que era quase ao dobro do preço.

CARTA A UM JOVEM DECENTE

Face ao que diz ser a «normalização da indecência», a jornalista Mafalda Anjos publicou um livro com o título: Carta a um jovem decente .  N...