terça-feira, 18 de setembro de 2012

Miguel Relvas, Ministro dos Negócios Nacionais?


“O tempo passado e o tempo presente, ambos fazem parte do futuro”
T.S. Eliot
(1888-1965)


Defendo que a história não deve ser feita de omissões de textos antológicos dos nossos maiores vultos da Literatura. Nesse sentido, sem pretender entrar em generalizações sempre perigosas, deixo este pequeno texto do Padre António Vieira (1608-1697) sobre o qual fiz a devida reflexão. Reflexão essa que desejo partilhada com os leitores.

Escreveu este pensador que nos deixou um espólio de 200 sermões e que teve um lugar de destaque na actividade diplomática do seu tempo:
“Tantos trabalhos, tantos cuidados, tantos desvelos, tantas diligências, tantas negociações, tantos subornos, tantas lisonjas, tantas adorações, tantas indignidades, tanto atropelar a razão, a justiça, a verdade, a consciência, a honra e a vida! E porquê? Para alcançar a vaidade de um posto, de um lugar, de um título, de um nome, de uma aparência”. 
Nada me permite tornar Miguel Relvas, homem da passagem do século XX para o século XXI, personagem a papel químico de uma crítica nada abonatória para a historia portuguesa do século XVII. Acontece, todavia, que Miguel Relvas, vindo da Juventude do PSD, como se as juventudes partidárias fossem incubadoras de políticos valorosos (Secretário-Geral da JSD, 1987/1989, e 1.º vice-presidente da Comissão Política da JSD, 1990/1992), actual Ministro Adjunto dos Assuntos Parlamentares com a função de apoiar o Primeiro Ministro na coordenação politica do governo, parece ter-se tornado numa espécie de embaixador dos Negócios Nacionais de Portugal junto do Brasil e de Angola.

E isto numa altura em que a sua função exigia, mais do que nunca, fazer a ligação entre os diversos ministérios e a Assembleia da República; e em que, ipso facto, ele tanta falta deve fazer numa casa em que todos os partidos da oposição puxam as orelhas ao Governo sem indicarem soluções que façam Portugal sair milagrosamente de uma crise social e económica sem fim à vista.

Não seria possível Miguel Relvas, com todo o seu valioso currículo profissional e político, reconhecido e creditado pela Universidade Lusófona para a obtenção de uma licenciatura em condições deveras polémicas e nada dignificantes (gestor e administrador executivo, consultor de várias empresas e Secretário de Estado da Administração Local do XV Governo Constitucional), em desígnio patriótico que os portugueses saberiam agradecer, regressar e aparecer em público neste País com a sua longa experiência para dar uma mãozinha deixando os seus negócios nacionais em banho-maria por uns tempos?

Um país em dificuldades económicas nunca foi um bom negociador com países em franco crescimento por maior que seja (ou melhor, que fosse!) a habilidade de gestor e administrador de Miguel Relvas.

18 comentários:

Graça Sampaio disse...

Absolutamente delicioso! (Muito a propósito a citação do grande Mestre Pe. António Vieira!)

José Batista disse...

Meu caro Rui Baptista

O melhor serviço que Miguel Relvas podia fazer ao país era demitir-se, embora isso não pareça estar ao seu alcance.
Não se demitindo Miguel Relvas devia ser (ter sido) demitido.
Não demitindo (não tendo demitido) Miguel Relvas ficou o governo, na prática,... "demitido".

O prejuízo, esse pagamo-lo nós.
Os do costume.

Ildefonso Dias disse...

Professora Graça Sampaio;

Concordo consigo.
O Professor Rui Baptista, quer se concorde ou não com algumas das suas ideias, e eu discordo, é no entanto uma pessoa livre, que conquista a admiração de muitos; e isso sabe-se, precisamente, pela forma “limpa” da sua escrita. Que coisa rara nos nossos dias!!! não é?, eu penso que em Portugal muito poucos o fazem como ele.

Parabéns Senhor Professor Rui Baptista.

Cordialmente,

Anónimo disse...

“Tantos trabalhos, tantos cuidados, tantos desvelos, tantas diligências, tantas negociações, tantos subornos, tantas lisonjas, tantas adorações, tantas indignidades, tanto atropelar a razão, a justiça, a verdade, a consciência, a honra e a vida! E porquê? Para alcançar a vaidade de um posto, de um lugar, de um título, de um nome, de uma aparência”.
E o resto???
"Tantos euros no bolso", só isto.

Rui Baptista disse...

Senhora Professora Graça Sampaio: Obrigado pelas sua simpática análise. Cumprimentos gratos. Rui Baptista.

Rui Baptista disse...

Meu Caro José Baptista: Que quer? É a solidariedade dos jotas a funcionar em pleno.Um abraço. Rui Baptista

Rui Baptista disse...

Meu Caro Engenheiro Ildefonso Dias: Apenas lhe queria dizer uma coisa tão simples como isto: independentemente de serem de direita ou de esquerda, respeito as pessoas pela sua maneira de estar na vida e pelo seu contributo por uma sociedade mais justa e fraterna. E, "last but not least", pela sua frontalidade.

Embora me assuma como pessoa de direita (um certo desencanto pelas palavras não corresponderem às acções, a vida de cada um e as suas experiências levaram-me a isso embora, num perspectiva não maniqeísta, com dúvidas sobre o caminho seguido), a coisa mais reprovável para mim é a cegueira e as palas que nos levam a ter uma visão dos problemas influenciados por esse facto.

De comentários seus e citações suas habituei-me a ter o maior respeito pelo Professor Bento de Jesus Caraça. Assim, como respeito a memória de meu avô materno, José Pereira da Silva, que tudo sacrificou aos seus ideais políticos: elevados cargos públicos, a fortuna, etc., tendo sido deportado político para Angola pelo regime de Salazar. De resto, a coisa que mais me poderia entristecer seria o facto das nossas discordâncias nos levassem a perder respito um pelo outro.

Um abraço,

Rui Baptista disse...

Caro Treponema: A lista do Padre António Vieira dá resposta, sem margem de dúvida, à sua interrogação: "E o resto???"

Rui Baptista disse...

Errata: "(...) das nossas discordâncias nos levassem a perder respito um pelo outro", substituir por: das nossas discordâncias nos levarem a perder o respeito um pelo outro".

Já agora, acescentar ao comentário esta frase final: Pior do que isso, a perdermos o respeito por nós próprios!

Virgílio Lopes disse...

Se quiserem conhecer bem Miguel Relvas, em todas as suas dimensões, vão a http://tomarcontraosafilhados.blogspot.pt/

fernando caria disse...

Não concordo com o Rui Baptista quando diz que a permanência do Ministro M. Relvas, redunda num governo demitido. Eu creio que há muito que os governos eleitos em Portugal, tomam posse já demitidos das responsabilidades inerentes aos mandatos que lhes são conferidos nas eleições.
Penso por isso que o problema é bem mais grave do que o postulado.
Há uma "ignorância" que paira nos espíritos de quem ambiciona governar, que abarca várias das características humanas fundamentais para o desempenho de tão elevados cargos e respectivas responsabilidades.
Desde logo, ignoram os mais básicos princípios de ética, moral ou de filosofia política (termo que temo bem, desconhecem).
Por outro lado, contam com o benefício da ignorancia técnica, concedida pelas licenciaturas admnistrativas, sem passar pelos (necessariamente) duros bancos da escola e dos exames!
Desconhecem a História Portuguesa! A História Europeia! Desconhecem de ambas, as vertentes económicas, sociais, culturais e geográficas.
Se deitassem os olhos sobre outros textos do mesmo Padre António Vieira (que deveria fazer inveja aos actuais padres), poderiam encontrar nas suas palavras, o relato dos erros (já na época) crassos, cometidos pela coroa relativamente aos elevados impostos lançados em Portugal e nas colónias, que resultavam na redução gradual das receitas totais arrecadadas para as necessidades da monarquia! Ou de como o "5º Real" sobre o ouro extraído no Brasil, ou açucar produzido, conduziu a tal aumento de preços de venda nos mercados internacionais, criaram as condições para ingleses, franceses e holandeses lanaçarem as suas próprias culturas de cana de açucar e prospecção de ouro nas respectivas colónias ocidentais.
Ocorrem-me as palavars de Jesus: "perdoai-lhes, porque são ignorantes!"

Rui Baptista disse...

“Não concordo com o Rui Baptista quando diz que a permanência do Ministro M. Relvas, redunda num governo demitido", escreve o leitor Fernando Caria em comentário.

Preocupado com a possibilidade de tal ter escrito, reli, procurei, rebusquei, escarafunchei algo no meu post que pudesse ser interpretado como tendo eu que a permanência de M. Relvas redundasse num governo demitido. Não o pensei, nem o disse. Aliás justifiquei a permanência de Miguel Relvas no Governo de Passos Coelho(qual lapa agarrada ao rochedo de interesses múltiplos)como sendo “a solidariedade dos jotas a funcionar em pleno” (cf., minha resposta ao comentário de José Batista).

Acontece que nem tudo escrito na transcrição que fiz de António Viera se aplicava a papel químico a Miguel Relvas, como tive o cuidado de ressalvar. Refiro-me, objectivamente, ao seu início: “Tantos trabalhos”. Isto porque a sua licenciatura e subida meteórica no aparelho do Estado não denuncia trabalho no sentido digno da palavra.

Pondo a questão nas suas devidas proporções:”a permanência do Ministro M. Relvas”, não redundou (nem redundaria, se outros motivos não houvesse: taxa social única, aumento despudorado de impostos, aumento da carga fiscal para reformados e aposentados, etc.) na demissão do governo.

Depois desta minha explicação sobre um texto, que concedo, possa ter dado azo a interpretações que não aquelas que pretendi transmitir, só me resta, caro Fernando Caria, agradecer que tivesse levantado esse problema para que dúvidas não ficassem. Por mais ténues que tivessem sido, sejam ou possam vir a ser!

José Batista disse...

Caro Fernando Caria

Fui eu que, lá acima, escrevi:

«Não demitindo (não tendo demitido) Miguel Relvas ficou o governo, na prática,... "demitido"»

Permiti-me uma certa liberdade de linguagem (o governo não demite os seus ministros...) e usei o termo "demitido" entre aspas, porque lhe atribuí o sentido menos usual de "furtar-se ao cumprimento de um dever, de uma obrigação, esquivar-se, eximir-se das suas responsabilidades" [in: Dicionário Verbo. Editorial Verbo 2006, pág. 327] para realçar o caráter diminuído em que o governo ficou quando Miguel Relvas, conhecidas as tranquibérnias de que beneficiou para obter um título académico, decidiu não pedir a demissão. Claro que, não tendo ele sido demitido, ficou o governo fragilizado. Tão fragilizado que hoje está ferido de morte, e para alguns estará mesmo moribundo.
Aliás, sobre esta matéria, aguardo, com preocupação o futuro próximo. Em minha opinião, e pelas razões que expûs, o governo está "demitido" sem estar sequer demissionário... E foi a partir do caso Relvas que entrou nessa condição.

Queria, no entanto, referir que o que acabo de dizer não tem a pretensão de "dar lições" a quem mas não pediu (a si, caro Fernando Caria). De resto, concordo inteirissimamente com a substância do seu comentário. Que lhe agradeço.

O resto não chegam a ser minudências.

Rui Baptista disse...

Li e muito apreciei. Mais um capítulo para uma história que seria cómica se não fosse, como é, trágica.Como diziam os romanos, "ridendo castigat mores". Tenteio-o no meu post. Não sei se consegui ou não Mas como nos ensina o nosso tão sacrificado povo: "Quem faz o que pode, a mais não é obrigado"!

Obrigado pelo comentário e pela sugestão que encerra...

José Batista disse...

Corrigenda: no antepenúltimo parágrafo do último comentário que fiz, onde escrevi ..."aguardo, com preocupação"... devia ter escrito: ..."aguardo com preocupação"...

fernando caria disse...

Caro Rui Baptista

Só posso agradecer, tão profundo e amplo esclarecimento!
Todavia, apenas segui a sua inspiração libertatária na utilização mais ampla e flexível do conceito sobre a palavra "demitido(s)" e nesse sentido defendi que os últimos governos democráticos, por falta das competências necessárias para o exercício condigno das funções em que são investidos, tomam posse já "dimuídos" e "incapazes."
No fundo, acho que o Rui Baptista tem toda a razão, mas numa proporção bem maior do que a que está disposto a defender.

Rui Baptista disse...

Caro Fernando Caria: Agradeço-lhe os seus comentários, um chama para que a culpa de Miguel Relvas não morra solteira como é hábito neste país sempre pronto a desculpar os seus "maiores" (sem adjectivação). Neste caso, Miguel Relvas verdadeiro caixeiro-viajante num frenesim em vender património nacional (ao eu se julga saber, RTP) de Atlântico Oriental a Atlântico Ocidental.

E o pior de tudo isto (o que bastante e insuportável já é!), o verdadeiro passa-culpas por parte de Passos Coelho. Ora, como diz o povo, "quem não quer ser lobo não lhe veste a pele". Chegou (ou melhor, tarda!) hora de Passos Coelho despir a pele de lobo e tomar a atitude pela qual todos os Portugueses esperam .E desesperam!. Ou seja, não esperar pela remodelação do governo para nos vermos livres de Miguel Relvas, mas demiti-lo pelo incumprimento da função para que foi nomeado: fazer a ligação entre os vários ministérios e a Assembleia da República. A ligação entre Portugal e os países estrangeiros (ainda que de Língua Portuguesa) deve ser assegurada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. De facto e de direito. Deixar morrer este caso (em que o seu canudo assume o papel de megalomania) é dar razão aqueles que sustentam: “Deixá-los falar que eles calar-se-ão!” Manter o silêncio é prestar um mau serviço a Portugal. Protestemos, portanto, meu Caro Fernando Caria!

Rui Baptista disse...

Corrigenda ao meu comentário anterior a Fernando Caria: Onde está "um chama", corrigir para um chamamento (1.ª linha do 1.º §). Penúltima linha do 1.º §, onde está "ao eu se julga", substituir por ao que se julga.

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