quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Carta Aberta aos Governantes de Portugal, Incluindo uma Modestíssima Proposta, não Original, mas muito Segura


Caro DRN, publiquei, aí, depois de o Primeiro Ministro ter anunciado que mais uma vez nos ia aos bolsos, para não ter que ir a outros bolsos mais delicados, uma carta, em clave de seriedade. Mas, ontem, o Ministro das Finanças endoideceu e anunciou medidas surrealistas. Achei, pois, que devia dirigir-me ao Governo, em clave surrealista. Caso contrário, não diria a bota com a perdigota. Aí vai:

 Exmos.e Mui Amargurados Senhores,

A maior parte dos portugueses, dando mostras de uma muito punível insensibilidade para com V. Exas., não tem em devida conta as dificuldades e amarguras que implica a governação, em tempo de vacas magras. É, simplesmente tremendo!

V.Exas. sabem bem as medidas severas que haveria que tomar para se sanear, de uma vez por todas, a situação financeira do país. Mas, hélas! V. Exas. têm coração, têm também família, V. Exas. pertencem, quer se queira, quer se não queira, à pobre família dos humanos. V. Exas., em suma, sofrem e, portanto, hesitam. Custa-lhes serem desapiedadamente duros. Sabem o que se deve fazer, mas a vossa mão recua. Há em Vós uma timidez que me avassala e comove! Eu, porém, aqui estou para vos sugerir, intrepidamente, medidas bem mais radicais do que aquelas de que V. Exas., timoratamente, recuam. É que é preciso cortar a direito, enquanto é tempo! O país está de tanga: há que ser cruel, direi mesmo sanguinolento, custe o que custar. Cortar ou não cortar, eis a questão!

Vou dizer-vos, com frieza de cirurgião, ao que venho. E como não quero ser acusadode plágio, digo-vos, honestamente, que a minha modestíssima proposta nada temde original. Baseio-a, singelamente, na “Modesta Proposta, no sentido de impedir que os filhos de gente pobre, na Irlanda, se tornem um fardo para os seus pais ou para o seu país; e promover que se tornem benéficos para o público”. Esta “modesta proposta” foi apresentada, em 1729, por esse escritor de génio, que se chamou Jonathan Swift, e que foi também autor das imortais e nada inocentes Viagens de Gulliver. Havia fome na Irlanda, o povo sofria muito e os governantes, coitados e consabidamente, sofriam ainda mais. É que o governante, sempre empenhado no bem público, sofre mais, muito mais do que o povo que morre de fome. Coelho, Relvas e Gaspar sofrem hoje infinitamente mais do que sofremos eu ou tu, leitor desatento e ignaro. Por isso lhes sugiro que sejam duros, melhor, intimo-os a serem implacáveis. Cortem mais! Tiraram-nos tudo? Tirem ainda mais! Eu explico como. Swift começou por esclarecer:

 “Todos os partidos estão de acordo, creio, em que esta prodigiosa quantidade de crianças [na Irlanda, em 1729], nos braços, às costas, ou coladas aos calcanhares das mães e, muitasvezes, dos pais, é, no deplorável estado em que o Reino se encontra, um pesadíssimo agravo; e, por isso, quem descobrir um método honesto, barato efácil de tornar essas crianças membros sãos e úteis da comunidade merecerátanto do público que será digno de uma estátua, como salvador da Nação.”

O método “honesto, barato e fácil” que Swift propõe, com toda a candura (que o nosso Ministro das Finanças apreciaria) é que as crianças, em vez de setornarem um fardo se transformem no necessário alimento de que tantos adultos famélicos necessitam (o autor de Gulliver exemplifica,com precisão científica: “Uma criança fará dois pratos num jantar de amigos”). A Swift parece evidente ser esta, de entre muitas, a melhor proposta para a crise. Por isso, observa:  

“Pela minha parte, tendo, há muito, aplicado o meu pensamento a tão importante assunto, e amadurecidamente pesado as diferentes propostas de outros aventadores de alvitres, vi-os sempre pecar por grosseiros erros de cálculo.”

E acrescenta, dando força à sua férrea argumentação:  

“É verdade que uma criança acabada de nascer pode sustentar-se do leite materno durante um ano solar, com escasso recurso a outros alimentos, que nunca custam mais de dois xelins, que a mãe pode, com certeza, granjear, ou o equivalente em migalhas no seu legítimo ofício de pedir; e é exactamente quando as crianças têm a idade de um ano, que eu proponho olhar-se por elas, de tal maneira que, em vez de serem encargo para os pais ou para a paróquia, ou ficarem à espera de alimentos e vestuário o resto da vida, possam, pelo contrário, contribuir para alimentar e, em parte,vestir milhares de pessoas.”

Não vou transcrever, para benefício de V., Exas. e do faminto povo português, todo o riquíssimo inventário de sugestões e argumentos, que a lógica férrea do autor de Gulliver propõe, em casos de crise como aquela que atravessamos. Só mais uma amostrazinha do formoso espírito argumentativo do irlandês:

“Outra grande vantagem do projecto é que ele evitará abortos voluntários e o horrível costume que as mulheres têm de matar os filhos ilegítimos, coisa muito comum entre nós,sacrificando, suspeito eu, as pobres crianças inocentes mais para evitar as despesas do que a vergonha, o que arrancaria lágrimas de compaixão ao peito mais bárbaro e desumano.” 

Aqui têm, pois, V. Exas., um texto clássico, que muita vantagem acharão em compulsar. No entanto, por vezes, o próprio Swift recua, cedendo à compaixão. Peço a V. Exas. o favor de não ceder a tais fraquezas. Aúltima transcrição que faço, por exemplo, deverá ser lida ao contrário: Swift fala no “horrível costume que as mulheres têm de matar os filhos ilegítimos”, como algo pior que o aborto. Não aceite isto, Gaspar, neste nosso tempo de abortos feitos em clínicas, com os custos que se sabe! Matar os filhos já nascidos evita, precisamente os horrorosos custos clínicos com a interrupção voluntária da gravidez. Promova, sem escrúpulos, com coragem e espírito de poupança, o assassinato da criança já formada e bem nascida e verá o seu amado défice a decrescer muito mais depressa.

O que acima fica é apenas um exemplo, uma sugestão de infinitas outras linhas de poupança e sábia administração de recursos, a seguir. A partir daqui, V. Exas. só terão que puxar pela vossa imaginação financeira e pelo vosso incomensurável gosto de cortar e de ir por aí fora, cortando, cortando... Quase não há limites para os cortes que ainda estão por fazer. Depressa, pois! O país não aguenta que lhe não cortem, com valentia e decisão, o que há ainda por cortar. Cortar é redimir. No corte se revela o forte!

 Eugénio Lisboa

3 comentários:

José Batista disse...

E quando no governo tiverem alguma dúvida ou hesitarem no que devem fazer a seguir, não se esqueçam que têm o Relvas - um homem muito mais que doutor (atestam-no várias placas pelo país fora).
Ele sabe, sabe seguramente.
Porque é homem de muitos estudos, o Relvas.

Anónimo disse...

Eu não tenho dúvidas que os nossos politicos estão a ser brandos. Não merecemos mais. "Eles" só estão a fazer o que lhe permitimos ou não? Quem lhe deu autoridade? Fomos nós nas eleições. Por isso, força Gaspar. Arrebenta com eles. Essas tuas medidas são papas de aveia. O povo aguenta tudo. P. Coelho e Gaspar irão ser lembrados na história como os salvadores da pátria.
Ao povo, resta Fátima, fado e bola. Dizia o ditado e é bem verdade.

Anónimo disse...

dado o estado lastimável da fecundidade lusa, proponho uma solução alternativa.
Que se matem brasileiros.
O brasileiro é um povo que aguentou 500 anos de imigração portuguesa e chora por mais. É portanto um povo simpático e amigo de ajudar.
Será fácil angariar voluntários para a matança pois não há, em Portugal, tasca onde se não diga mal dos brasileiros enquanto se assiste à nova versão da "Gabriela".
Entre os muitos bêbados das tascas será fácil também encontrar, pelo menos um que tenha prática na matança de suínos e que poderá organizar as operações.
Um porco mediano alimentou durante séculos uma família lusa durante um ano.
500 mil brasileiros, são 500 mil famílias salvas das necessidades em matéria de proteínas animais em 2013.
Para 2014, poder-se-a pensar nos cabo-verdianos e em 2014 nos ucranianos.
À medida que a crise for resolvida, pode-se assim escolher comunidades menos numerosas... ingleses, alemães, etc.

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