Carta aberta recebida de Guilherme Valente, a propósito das vias de ensino académico e técnico-profissional:
Minha Cara Helena:
Custa muito libertarmos-nos dos feitiços...
Para realizarem o seu projecto odioso e IMPOSSÍVEL de tornar todos iguais (menos eles e os filhos e netos deles, claro) os eduqueses não hesitam em impor - não hesitaram em tentar impor - uma escola que torne todos ignorantes e miseráveis.
Mesmo que não fosse possível - mas é - construir uma escola que proporcione a todos as condições que dão vantagem na aprendizagem, na maior parte dos casos, aos mais favorecidos social e culturalmente, seria preferível uma escola que, pelo menos, diminuísse essas desigualdades dando a todos a oportunidade para uma vida digna de ser vivida.
Que sinistras consciências podem pensar o contrário, sacrificando ao seu delírio fanático odioso e IMPOSSÍVEL (percebe porque seria impossível, Helena?) o destino de seres humanos?
O maior crime perpetrado na educação foi a extinção do ensino técnico-profissional. Decidida na primeira assembleia constituinte, por unanimidade, com a concordância cobarde de muita gente que seguramente tinha consciência do erro. Na altura só uma voz se ergueu para criticar a decisão, afirmando que iria gerar mais desigualdade: o Professor A. Sedas Nunes. E assim aconteceu.
O que devia ter sido feito - como não me tenho cansado de dizer em todos estes anos de combate contra o crime do eduquês - era dignificar a via técnico profissional, sobretudo impedir que fosse frequentada por razões de dificuldade económica ou por limitações de ambição determinadas pela condição social.
Na Finlândia a via vocacional é frequentada por cerca de 40 por cento dos alunos. Na Alemanha, por exemplo, essa percentagem aproxima-se dos 50 por cento. A Helena sabe que, regra geral (as excepções são explicadas por circunstâncias culturais muito específicas), nos países em que os sistemas educativos são mais igualitários existem maiores desigualdades sociais? Como em Portugal, em que as desigualdades têm crescido horrorosamente, e vão crescer mais, porque mesmo que se consiga agora erradicar o delírio e as tretas do eduquês os efeitos da sua imposição na escola durante todos estes anos irão ainda continuar a manifestar-se na sociedade.
O abandono escolar, na percentagem aberrante, absolutamente inaceitável, que atinge entre nós, é determinado pelo sentimento, pela consciência da inutilidade da escola experimentados por muitos alunos e famílias.
Deve ser feito tudo, como, por exemplo, se faz na Finlândia, para apoiar todos os alunos, para ninguém ficar para trás nas escolhas que fizer. Mas é claro, mais do que claro - ou explique-nos por que não o é - que quem reprovar repetidamente apesar de todos esses apoios, e quem, por gosto o deseje, deve, aconselhadamente, seguir a via vocacional que, finalmente, um Ministro da Educação teve a lucidez e a coragem de assumir e criar. Podendo, como sempre defendi, voltar-se à outra via no caso desce revelarem condições de sucesso e interesse para isso.
Todos os verdadeiros professores sabem o crime e a crueldade que significava para inúmeros alunos a não existência da via e da solução agora decididas. E tenho esperança que esta medida possa também, só por si, fazer com que muitos pais passem a interessar-se mais pelo estudo dos filhos e com que muitos alunos ganhem consciência do benefício e da responsabilidade que é frequentarem a escola.
Possa o Ministro, serena mas firmemente, prosseguir na concretização do que sempre defendeu cuja moral e necessidade são mais do que evidentes, e os resultados aparecerão. Não apenas resultados, digamos, cognitivos, avaliados nos imprescindíveis exames a sério, mas nas atitudes, na responsabilidade e valorização do trabalho, no ambiente nas escolas, na motivação e realização dos professores, na recuperação da dignidade da sua função inestimável, na vida do país.
O eduquês, desvalorizando o trabalho - talvez a sua consequência mais terrível (fala de tantos livros, leia "Outliers", da Dom Quixote, mas interprete-o bem) -, preparou os Portugueses e Portugal para o insucesso, a dependência, a aceitação e resignação. Tornou-nos pasto para o fascismo, na sua forma antiga ou na forma insidiosa em que já começámos a viver.
Já agora, leia também "Um Mundo Infestado de Demónios". Carl Sagan explicar-lhe-á o que é o espírito cientifico, perceberá com ele que as teorias cientificas têm de aceitar a prova da realidade, tal como os projectos e as acções políticas. Se não aceitarem e continuarem a ser imposição matam, são criminosas. Sagan vai ajudá-la libertar-se completamente do feitiço.
Um abraço
Guilherme Valente
terça-feira, 4 de setembro de 2012
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA
A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
«Na casa defronte de mim e dos meus sonhos» é o primeiro verso do poema de Álvaro de Campos objecto de questionamento na prova de Exame de P...
24 comentários:
Eu creio que se a escola passar (gradativamente...) a funcionar decentemente, as pessoas começarão também a relacionar-se com a escola de uma forma séria e interessada.
Isso há de consumir-nos muito tempo ainda. E vamos cometer erros, inevitavelmente.
Mas é o melhor caminho. E se o seguirmos, meu caro Guilherme Valente, os alunos e as suas famílias saberão fazer as suas opções. Isso é o ideal: que as pessoas escolham e se responsabilizem pelas suas opções.
Por isso julgo, como Helena Damião, que a escola, quando muito deve convidar à reflexão, ou fazer sugestões; obrigar parece-me fraca ideia. Até porque ninguém gosta de chocar repetidamente contra as paredes... Pelo desconforto e pela desaprovação da comunidade.
Oxalá saibamos estar à altura. Agora que já podemos afirmar que a escola se transformou numa aldrabice indigna. E de tal modo está ainda que muito vai custar e demorar a tornar-se digna.
Os exames da disciplina de biologia/geologia, na sua concepção, com aquela estrutura e aqueles critérios, sobre um programa (de biologia I) alienígena (que mesmo assim não respeitam) são um bom exemplo do muito que há para corrigir. Com muitos (ainda) a fazer de conta que não vêm as nódoas e mesmo com algumas organizações de professores, como é o caso da APPBG (quantos professores representará?), a fazer-lhe o elogio público.
Contudo, o que é preciso é não desistir.
E o senhor tem sido uma enorme ajuda.
José Batista da Ascenção
É sempre agradável termos o apoio constante, sólido e valioso sobre o crime da extinção do ensino técnico-profissional. Simples soldado de um combate, em que o Dr. Guilherme Valente alcançou as estrelas de general, por ele me tenho batido neste blogue e em artigos de nos jornais com o aval da minha experiência por ter iniciado a minha docência na Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque de Lourenço Marques. De antigos alunos tenho recebido constantes provas de amizade que só pecam pelo meu pouco merecimento.
Há pouco mais de 50 anos quase todos os alunos que frequentavam os liceus pertenciam a famílias com algum poder económico. O ensino técnico (frequentemente confundido com formação profissional) foi criado nessa altura, início de um surto de desenvolvimento no país. O objectivo principal era dar resposta ao mercado de trabalho emergente, antecipando e procurando controlar o futuro que se anunciava.
Na procura de melhores condições de vida muitos trabalhadores tinham entretanto migrado para as zonas suburbanas mais industrializadas. Foi nessas zonas, onde não havia liceus, que as Escolas Técnicas foram construídas. Oferecendo cursos mais curtos (cinco anos de formação, em dois ciclos), com menores custos e orientados para o exercício imediato de uma profissão, era a única via possível para as muitas famílias com poucas posses, que viam na educação uma garantia de melhor futuro para os seus filhos. Se, por motivos económicos, a opção pelo liceu era posta de parte, a alternativa não significava ausência de sacrifícios, que começavam com o encargo das explicações para o exame de admissão (as aprendizagens oficialmente exigidas para obter a 4ª classe eram insuficientes).
Qualquer dos cursos técnicos por que se podia optar era exigente e trabalhoso, com exames escritos e orais – que ninguém punha em causa –, no final de cada ciclo. Menos teóricos que o curso geral dos liceus, os cursos técnicos tinham no entanto forte componente prática que os valorizava no mercado de trabalho. Por esta razão, nos anos 60/70, as escolas técnicas encheram-se também de adultos que procuravam melhorar a sua situação profissional recorrendo ao ensino técnico nocturno.
O acesso ao ensino superior (onde eram formadas as elites) era mais moroso e difícil por esta via. As disciplinas obrigatórias não contemplavam sequer essa possibilidade. Não se estudava Filosofia nem Literatura, a Matemática era menos geral (e menos exigente) que no liceu, e às línguas também era dada pouca importância, dado não haver avaliação externa. Concluindo: pretendia-se, através destas duas vias, “dar a cada classe social a educação a que tinham direito”, pelo que a unificação dos dois tipos de ensino, após o 25 de Abril, feita em nome da democracia e da igualdade, foi, na minha opinião, um mero acto de justiça social.
A formação técnica, de certo modo equivalente, em termos profissionais, à que era dada nas Escolas Técnicas (Escolas Industriais e Comerciais), não desapareceu contudo com a democracia. Com efeito, os cursos do ensino técnico que aí eram ministrados (Montador Electricista, Serralheiro, Curso Comercial...), apesar de sofrerem actualizações e alguma diversificação, mantiveram-se até tempos recentes, embora já não ao nível do 9º ano pois passaram a ser dados a nível secundário. O que desapareceu em 1975 foi portanto a existência de dois tipos de percursos escolares muito diferentes entre si, logo após a antiga 4ª classe. As escolas preparatórias (para o ensino técnico) tornaram-se escolas do 2º ciclo (geral), e as escolas técnicas e os liceus deram então lugar às escolas secundárias, com um tronco comum de cursos e disciplinas nucleares. No 9º ano e no secundário, além das disciplinas gerais, tornou-se possível escolher uma área (9º ano) ou curso Técnico-Profissional (10º, 11º e 12º ano) – mais tarde, com a reforma curricular de 1991(?), designados por Cursos Tecnológicos, profissionalizantes ou orientados para a vida activa.
(Continua)
Fernando J. Pires Caldeira
Fernando Caldeira:
O seu comentário tem imprecisões factuais graves, algumas que correspondem a lugares-comuns que as pessoas repetem ou por desconhecimento ou por má-fé.
Não quero afirmar que no seu caso seja de má-fé, pois dão jeito para compor certas narrativas.
Um dos problemas do ensino técnico residia no maior número de anos de frequência para os alunos terem acesso ao ensino universitário, relativamente aos alunos oriundos do ensino liceal. Antes do aparecimento do ciclo preparatório os alunos ingressavam no ensino técnico (escolas industriais e comerciais) onde cumpriam 5 anos de curso geral, seguidos de 2 anos de curso complementar de acesso ao ensino médio (institutos Industriais e comerciais). Se quisessem seguir cursos universitários de acesso a engenharia ou economia e finanças tinham que obter os 2 anos iniciais desses institutos O seja era um percurso escolar de 5+2+2=9. Os alunos dos liceus cumpriam 7 anos desse ensino, isto é menos 2 anos.
Mas, como soe dizer-se, nem tudo são rosas ou espinhos. Os alunos do liceu que não ingressassem no ensino superior ficavam de posse de um diploma de 7 anos de percurso escolar que pouco valia no mercado de trabalho. Os alunos do ensino técnico, com, apenas, 5 anos do respectivo curso geral, tinham acesso fácil a uma profissão com grande procura, v.g. serralheiro, mecânico de automóveis, electricista, etc. Do que é do meu conhecimento uns tantos deles seguiram para os institutos industriais e comerciais onde se diplomaram e alguns licenciaram-se em escolas universitárias de engenharia). Sei do que falo por ter iniciado a minha saudosa carreira docente na Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque em 57.Depois, em Portugal, a seguir a 25 de Abril, ainda que por escasso tempo, fui docente do ensino liceal (logo transformado em secundário para passar uma esponja sobre um passado incómodo para o facilitismo que se viria a instalar no edifício educativo actual) e da Universidade do Porto e de Coimbra.
A minha condição de octogenário obriga-me a pagar o tributo de perda de alguns neurónios da memória. Sobre os currículos, salvo erro, a Filosofia fazia parte dos 2 anos do curso complementar do ensino técnico. Uma coisa eu garanto, com testemunhos escritos que me são endereçados por meus antigos alunos, que escrevem num português muito correcto que em muito superioriza os textos escritos por muitos licenciados de hoje!
Mas seria interessante e, mais do que isso, desejável que os antigos alunos do ensino técnico industrial e comercial desse tempo elucidassem os leitores das disciplinas aí ministradas, confirmando ou não a existência da Filosofia. Filosofia tão maltratada (por culpa de programas que renegam para esconsos cantos os maiores filósofos da nossa cultura milenária. Mas não podia, muito menos podia, terminar este comentário feito, de certo modo, “à vol d’oiseau” sem citar de Albert Einstein: “É fundamental que o estudante adquira uma compreensão e uma percepção nítida dos valores”. Ora, julgo eu, um desses valores está no reconhecimento feito aos seus antigos professores, muitos deles já falecidos. Mas isto são contas de outro rosário de que darei conta em um post a ser aqui publicado brevemente.
Quando me referi à Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque, omiti, involuntariamente,situar-se ela na antiga Lourenço Marques.
Como costumo dizer, as gralhas não pousam, ousam! Assim, 5.ª linha, último §: onde está muito menos podia, rectifico para muito menos devia.
Para se chegar à universidade técnica (IST, por exemplo), via escolas industriais, eram realmente necessários 9 anos de escolaridade, seguindo o caminho normal. Dois de ensino preparatório para as escolas técnicas, três de formação técnica, dois de secção preparatória para os institutos e mais os dois primeiros anos dos cursos dos institutos industriais. Para a equivalência ao 7 º ano do liceu (alínea f) não eram necessárias todas as disciplinas técnicas obrigatórias dos dois primeiros anos dos institutos mas eram exigidas tês cadeiras opcionais (e que era possível frequentar nos próprios institutos industriais): Filosofia I e II e Mineralogia. Obtida esta equivalência os alunos podiam então propor-se aos exames de admissão à universidade técnica.
Uma curiosidade: excepcionalmente, um bom aluno dos cursos industriais podia chegar à universidade em apenas 7 anos. Se tivesse média de 14 ou superior no 2º ano de formação técnica (4º ano) podia “saltar” para o 1º ano de secção preparatória e, no início do ano seguinte, candidatar-se aos sete (7) exames de admissão aos institutos industriais. Muitos alunos, durante o primeiro ano de secção, e aproveitando as férias grandes, preparavam-se para estes exames de modo a poderem “saltar” um ano reduzindo assim parcialmente a desvantagem (em tempo), relativamente ao ensino liceal.
No caso do curso comercial, que dava acesso às faculdades de economia, por exemplo, via institutos comerciais, era necessário menos um ano, dado que a secção preparatória para os institutos comerciais era apenas de um ano e não dois.
Fernando J. Pires Caldeira
Importa-se de concretizar? Assim não posso contrapor factos nem argumentos.
Adoro sempre estas visões cor-de-rosa.
Eu tenho gente na família que frequentou essa via alternativa e que acabou:
1) na GNR;
2) na emigração;
3) na emigração;
4) na emigração;
5) na agricultura.
Lamento, meus senhores, mas o mundo de hoje não é, obviamente, o de há 30, 40 ou 50 anos.
Como é que um tipo que obtenha um curso de mecânica, por exemplo, vai ser um bom profissional e absorvido pelo mercado se não possuir conhecimentos sólidos de diferentes áreas (TIC, língua(s) estrangeira(s)) para poder vencer num mundo em que a modernidade de hoje é passado amanhã?
Fernando Caldeira:
Não tenho muito tempo disponível, pelo que prefiro aguardar o seu comentário(s) seguinte(s).
Apontarei então as imprecisões do 1.º e outras se eventualmente houver.
Devo acrescentar que não precisa preocupar-se com argumentos, pois não conto fazer apreciações de natureza qualitativa sobre o ensino técnico (tão evidente é a necessidade da sua existência), apenas me preocuparei com as imprecisões, com factos (tantas vezes aduzidos intencionalmente ao serviço de narrativas revisionistas hoje tanto em voga).
Embora lhe diga, sinceramente, que o seu discurso não me parece conter elementos que me levem a pensar que faça parte desse movimento revisionista.
O que é de má fé é fazer um comentário com este tipo de insinuações sem citar as (hipotéticas) incorrecções e a respectiva versão correcta.
Devo dizer que muito apreciei o texto de F. Caldeira. Bem escrito, claro, informativo. A nível de conteúdo, coloco reservas à equivalência entre ensino unificação e justiça social, mas aceito o ponto de vista.
Tendo concluído o meu ensino secundário há dezassete (17) anos, confesso que nunca fui grande conhecedor do ensino técnico-profissional português ou da sua evolução.
Aquilo que constatei, enquanto aluno, era que essa vertente do ensino era considerada inferior por (quase) todos: sociedade em geral, alunos do ensino normal, professores do ensino normal, alunos do ensino técnico-profissional e professores do ensino técnico-profissional. Actualmente, já com vários anos de experiência profissional no mundo empresarial, devo dizer que, ao nível dos potenciais empregadores, o cepticismo relativamente a estes cursos não podia ser maior.
A propósito dos professores descrentes, devo dizer que um familiar da minha idade, que escolheu um curso desses por representar "aquilo que realmente gostava", acabou por ser incentivado pelos próprios professores a mudar-se para o ensino normal, porque "era demasiado bom para ali estar, desperdiçava tempo e talento, não aprendia tanto quanto podia, não valia a pena".
Pergunto assim ao Prof. F. Caldeira - assumindo, pelo carácter conhecedor do seu comentário, que é professor com ligação estreita a estes cursos - qual é a visão que tem nesta matéria. Em particular: 1) se o sentimento de descrença a nível interno é tão mau como me é dado a perceber pelos relatos que ouço, ou se a perspectiva negra é exagerada; 2) a duração que acharia adequada para um curso técnico-profissional actual e moderno, i.e., a idade com que um aluno deve poder optar por essa vertente e os anos que precisará para adquirir uma formação sólida em alguma área; 3) quantidade de alunos que escolhem hoje em dia este tipo de ensino sem ter por principal motivo a descrença nas suas próprias capacidades intelectuais.
Agradeço desde já a sua resposta. Muito obrigado.
As pessoas mais bem sucedidas que conheço ou estão emigradas ou estiveram emigradas a certa altura da vida. Também não consigo vislumbrar o problema subjacente à agricultura ou à GNR.
Quer desenvolver?
Em boa verdade “la vie en rose”, só na canção de Édith Piaff que assim começa (cito de memória):”Quando ele me prende em seus braços vejo a vida cor-de-rosa (…)” Hoje, quando o desemprego prende em seus braços a nossa juventude, ela só pode ter da vida uma visão negra. E esse desemprego pouco ou nada afectou os diplomados pelas antigas escolas industriais e comerciais (repare-se, até, que uma grande parte dos actuais técnicos oficiais de contas são diplomados pelas antigas escolas comerciais).
Quanto ao mundo de hoje (como bem escreve) não ser o de há 30, 40 ou 50 anos, impõe que o sistema educativo se adapte aos tempos actuais, e não só. Julgo que foi De Gaulle (e volto a citar de memória) que disse devermos estar preparados para o desencanto de ensinarmos coisas que de pouco servirão para encararmos um futuro que nós próprios não sabemos o que será.
Por isso, um dos males da nossa sociedade é pensar que com o diploma politécnico ou universitário cessa a necessidade de nos actualizarmos. Trata-se de uma hetero-educação que deve ser acompanhada por uma auto-educação permanente e exigente quer a nível da informática (coisa que não existia ao tempo) e da necessária aprendizagem e valorização das Línguas. Cristalizar a hetero-educação é uma maneira de vivermos de um passado que pouco vale se não nos prepararmos para o presente e…para o futuro.
Não se imputem, portanto, responsabilidades a um ensino técnico que mais não terá sido que o reflexo de um sistema educativo generalizado (liceal, médio e superior). Aliás, o seu comentário teve, quanto a mim, o mérito de ampliar uma temática em que a morte de um ensino técnico exigente e valioso conduziu o país à situação de um ensino livresco que, a maior parte das vezes, obriga os próprios licenciados a lançarem mãos a empregos de caixas de supermercados (e outros quejandos) para os quais, como tenho escrito várias vezes, o antigo e sério diploma da antiga 4.ª classe da escola primária bastava.
E neste hiato de faz não faz, cria não cria, está o país cada vez mais carecido de técnicos com um suporte teórico e não apenas aprendizes que a vida profissional vai ensinando a fazer sem qualquer suporte teórico anterior. Ou seja, temos cérebros (que constituem uma minoria de um sistema superior plastificado) e práticos que executam as tarefas mecanicamente com os inerentes riscos.
“Os dados estão lançados” num panorama da actualidade portuguesa em que, com escreveu Woody Allen, “o político de carreira é aquele que faz de cada solução um problema!” Ou seja, a solução, para as declaradas deficiências do sistema educativo nacional, tem sido acrescentar novos problemas dando-lhe o nome de soluções.
E quando o Ministro Nuno Crato, através apenas de um projecto-piloto para o ensino profissional, procura soluções para alguns desses problemas, logo acorre pressurosa a guarda pretoriana sindical agitando o papão de um passado anterior às conquistas revolucionárias que distribuíram (e continuam a distribuir) diplomas como quem dá um bodo aos pobres aos muitos ignorantes deste país, desta forma, licenciados sabe Deus, e eles sabem também como, em nome de uma milagrosa política em que o diploma do ensino privado sobe as escadarias de São Bento e/ou se senta nas cadeiras do poder…
No meu anterior comentário, onde se lê "ensino unificação", deve naturalmente ler-se "ensino unificado". As minhas desculpas.
(Continuação)
Os cursos técnico-profissionais, leccionados em várias escolas secundárias, mas principalmente nas antigas escolas industriais, até ao início dos anos 90, foram encarados por muitos alunos como alternativa ao ensino superior. As disciplinas designadas nucleares eram as mesmas que as dos cursos orientados para o acesso ao ensino superior, pelo que, nesse aspecto, os alunos estavam em igualdade de circunstâncias apesar de terem uma carga horária maior e de algumas disciplinas técnicas serem muito trabalhosas e difíceis. Mas por esta razão eram também encarados como uma pré-preparação para cursos do ensino superior, nomeadamente de engenharia.
Com a reforma curricular de 1991 (?) os cursos técnicos mudaram novamente de designação (passaram a cursos “orientados para a vida activa” ou profissionalizantes) sofrendo alterações profundas na sua estrutura. Em nome de uma formação de “banda larga” tornaram-se (ou tentaram tornar-se), pelo menos nalgumas áreas, quase enciclopédicos. Isto apesar da área tecnológica que mais se desenvolveu entretanto – as telecomunicações – não ter sido sequer contemplada. Ao mesmo tempo o facilitismo (palavra que não existia) alastrava por todo o ensino básico. Se uns o tentavam simplesmente justificar com o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 9º ano, outros procuravam um suporte teórico para esta situação na alteração dos objectivos das aprendizagens e em novas teorias sobre a avaliação, que muito contribuíram para o descrédito das ciências da educação. De acordo com esses "modernos" critérios e métodos de avaliação os conhecimentos que o aluno demonstra ter é apenas um de entre muitos outros parâmetros a ter em conta na atribuição de uma nota, e nem sequer parece ser o mais importante pois muitos outros o podem compensar. É neste contexto que surge o “aprender a aprender” – como se se pudesse aprender a aprender sem ser aprendendo... alguma coisa – e outros dislates do género, cujo psitacismo acabou por ficar consagrado com a designação de “eduquês”.
A conjugação destes dois factores principais (facilitismo no ensino básico e cursos mal estruturados) e outros, como a inexistência de sistema de formação contínua séria para os professores, só podia ter como consequência um insucesso incomportável (penso que nalguns casos superior a 70%), deste tipo de ensino. Com essa justificação a solução ministerial foi extinguir a maioria destes cursos profissionalizantes. Mas o pior estava para vir.
Para os “substituir”, em 2004 (?) foram introduzidos nas escolas do ensino básico e secundário os cursos agora propriamente designados por cursos profissionais (que sempre existiram, mas da responsabilidade do IEFP), permitindo uma dupla certificação (profissional e académica): os CEFs (cursos de Educação e Formação, a nível do ensino básico) e os cursos Profissionais (a nível de secundário). Desde então foram gastos rios de dinheiro em muitos milhares de horas de formação (em vez de objectivos a atingir pelos alunos a cada disciplina, para a formação profissional estabelecem-se horas de formação que os formandos terão de cumprir). Mesmo assim, e apesar de, em geral, as turmas serem muito pequenas, o insucesso não deve estar longe dos 70% e os resultados, em termos de aprendizagens, só podem ser considerados desastrosos (sem falar na degradação do ambiente escolar que estes cursos provocaram).
De tudo o que fica dito julgo poder concluir que seria muito útil que fossem feitos estudos credíveis sobre este tipo de ensino antes de se avançar com novas experiências.
Fernando J. Pires Caldeira
P.S.: Este texto foi escrito recorrendo apenas à memória e com o único intuito de poder participar, em tempo útil, num assunto tão importante como deve ser considerado futuro do ensino técnico-profissional.
Ricardo Figueiredo:
Há menos de dois anos, eu próprio, aconselhei um dos meus alunos a mudar para o ensino regular dado que o seu perfil e percurso anterior (nenhum chumbo até ao secundário, aluno interessado e trabalhador...) não apontavam para que seguisse aquela via (onde as disciplinas estruturantes não têm actualmente a mesma exigência, se é que têm alguma...) criada para um perfil de aluno completamente diferente ao dele.
Relativamente à melhor solução para o nosso sistema de ensino, regular e técnico-profissional,apenas posso dizer que actualmente ninguém consegue prever como evoluirá a nossa sociedade. Pessoalmente acredito que a melhor garantia de sucesso será uma aposta nas disciplinas estruturantes (Português, Matemática, Física, Inglês...) que, além das bases que permitem adquirir, são formadoras da própria mente, e um leque muito variado de opções específicas que permita a cada aluno optar por um currículo de acordo com as suas inclinações (considero o termo vocação muito forte...).
Senhor Ricardo Figueiredo:
Por favor, leia o meu comentário anterior, das 08:01, antes de fazer acusações caluniosas e desnecessárias.
Não acha que está a falar antecipadamente, e, pior, por Fernando Caldeira sem que o próprio lhe tenha pedido para o defender?
Veja o comentário sereno dele às 00:43.
Há muito nervosismo no ar.
Fernando Caldeira:
Antes de mais quero pedir-lhe desculpa pelo seguinte: Ao adiantar apenas duas hipóteses para as suas imprecisões - desconhecimento ou má-fé - embora logo acrescentasse me parecer não se tratar da última, deveria ter acrescentado uma terceira – lapso - que acontece a qualquer um de nós. Disso me penitencio.
Quanto às imprecisões, registo-lhe apenas três pela dificuldade em, a partir de dado momento do seu texto, ser difícil distinguir factos de opiniões e também por escassez de tempo da minha parte para uma análise mais minuciosa.
Mas estas três são demasiado evidentes.
1.ª imprecisão - «Há pouco mais de 50 anos quase todos os alunos que frequentavam os liceus pertenciam a famílias com algum poder económico. O ensino técnico (frequentemente confundido com formação profissional) foi criado nessa altura, início de um surto de desenvolvimento no país.»
O ensino técnico não foi criado há pouco mais de 50 anos. No formato em que muitos de nós ainda o conheceram (até ao início dos anos 70), resultou da reforma de 1948 mas esta não foi mais do que o melhoramento dos ensinos industrial, comercial e agrícola constante no D. L. n.º 5029, de 1/12/1918. Mas antes já havia, a partir das escolas de desenho industrial, criadas a 3/1/1884 (3 em Lisboa, 3 no Porto, 1 em Coimbra e 1 nas Caldas da Rainha). Depois de algumas vicissitudes, em 1910 eram 12 a nível nacional. E isto sem querer recuar ao Marquês de Pombal, e às suas Aulas de Comércio, Náutica, Desenho, Oficial de Gravura Artística e Fábrica de Estuques (D. Maria I estendeu-o à Aula de Debucho e Desenho, no Porto, e Aula Régia de Desenho e Figura, em Lisboa), por ter uma estrutura bastante arcaica e diferente do que conhecemos.
2.ª imprecisão - «nos anos 60/70, as escolas técnicas encheram-se também de adultos que procuravam melhorar a sua situação profissional recorrendo ao ensino técnico nocturno».
Números de alunos do ensino técnico: 1930 – 18.375 / 1945 – 47.109 /1960 – 105.153 /1975 – 123.044.
Números de alunos do ensino liceal: 1930 – 19.268 / 1945 – 43.638 /1960 – 111.821 /1975 – 612.371. (Fonte: António Nóvoa in Fernando Rosas / J.M. Brandão de Brito, Dicionário do Estado Novo, p. 301 e p. 307).
Os números são globais, diurno e nocturno, dificilmente se podendo afirmar essa crescente procura do ensino técnico nocturno. O que se constata é o crescimento exponencial da procura do ensino liceal a partir dos anos 60, enquanto que a procura do ensino técnico pouco cresceu.
3.ª imprecisão - «a unificação dos dois tipos de ensino, após o 25 de Abril»
Tratou-se de um processo com várias etapas que se desenrolou entre 1967 e 1975. Veja os pormenores dados pela comentadora Aurélia Santos no post Uma Herança do PREC.
Em face do “mare magnum” de dados apresentados nestes comentários sobre reformas e contra-reformas recaídas sobre o ensino técnico, permito-me reproduzir este pequeno texto de Albert O. Hirschaman ( economista com obra consagrada no domínio da economia e ideologia política): “Sempre que se propõe uma reforma, é verdade que: 1. A reforma não alterar em nada o que já existe; 2. A reforma vai reproduzir efeitos exactamente contrários aos que pretende ter; 3. A reforma vai prejudicar o que havia de positivo na reforma anterior”.
Mas, pior do que isso, sempre o que se evoca ( e se deseja recuperar) o que de válido existia no ensino técnico no período do Estado Novo, logo surgem certas ideologias fanáticas e sindicatos docentes a defenderem um ensino profissional que, por vezes, mais não é que a porta de cavalo para um acesso rápido e facilitado no ensino superior como se já não bastassem as Novas Oportunidades e as Provas de Acesso ao Ensino Superior para maiores de 23 anos.
Anonymus:
Agradeço as suas correcções. Devemos ser intransigentes com o rigor das informações que divulgamos e penalizo-me por não ter seguido esse princípio, apesar de estar convencido que não cometi, pelo menos de forma consciente, erros grosseiros.
Não fiz quaisquer consultas para escrever os comentários (recorri apenas à minha memória e experiência de vida), nem tenho conhecimentos especializados de história da educação e, menos ainda, ao nível de datas exactas e dados estatísticos, que exigem demorada pesquisa – interessa-me mais o estudo da didáctica e do modo como a educação formal influencia a mente e a vida das pessoas. Tratava-se contudo, neste caso de poder dar minha opinião, necessariamente em tempo útil, mesmo correndo o risco de cometer algumas incorrecções que, em todo o caso, não eram fundamentais para a defesa do meu ponto de vista sobre o futuro educação, tema que me é caro. Apesar do Rerum Natura, pela sua elevada qualidade, não ser um blogue qualquer, julgo que fazer aqui um comentário ou dar uma opinião pessoal não é exactamente o mesmo que escrever para uma revista científica de referência.
De qualquer modo continuo a achar que o ensino técnico, tal como o conheci nos anos 60 e que se continua a usar como referência, tem, depois da sua implementação, pouco mais de 50 anos. A escola Emídio Navarro em Almada, por exemplo, comemorou recentemente (há 6 ou 7 anos) o seu cinquentenário. Outras que também se tornaram referência neste tipo de ensino como a Alfredo da Silva no Barreiro e a Escoal Industrial e Comercial de Setúbal, têm a mesma arquitectura pelo que, julgo, serão da mesma época. Terão, deduzo da sua informação, sido construídas para por em prática a reforma de 1948 (de há 64 anos, portanto).
O crescimento exponencial de alunos, motivado pelo surto de industrialização nos anos 60 (Siderurgia Nacional, Lisnave, construção civil...) deu-se realmente nos dois tipos de ensino (não o neguei) e é natural que fosse maior nos liceus, até porque havia mais liceus e estavam mais distribuídos pelo país do que escolas técnicas. Pessoalmente estou convencido que o maior aumento de alunos se deu entre 1965 e 1970/73, mas os dados que indica (1960 – 105.153 /1975 – 123.044) não permitem concluir isso nem o contrário. Entre 60 e 75 deverá ter havido muito oscilação, até porque o nível de vida das populações aumentou muito entre 60 e 75, assim como diminuiu o prestígio do ensino técnico. Foi no período que referi (1965- 1973) que vi mais gente no ensino pós-laboral. Não apenas nas escolas técnicas e nos liceus, mas também em escolas e sala de explicações particulares que, nas cidades e nas zonas suburbanas, prepararam muitos adultos para os exames do 1º 2º e 3º ciclo liceal, obtendo assim a equivalência a estes graus académicos.
De qualquer modo não era isso o mais importante. Pretendi sim mostrar as limitações (intencionais e políticas), de um ensino para onde muitos jovens que desejavam estudar eram orientados não por escolha livre (nem pela sua “vocação”), mas sim pela situação sócio-económica das suas famílias. Como estou convencido que a educação académica deixa uma marca indelével nas pessoas, continuarei a defender que os objectivos do nosso sistema de ensino, assim como os valores a ele subjacentes devem ser sempre claros e estar bem definidos.
Fernando Caldeira:
Com pessoas com a sua atitude em relação às criticas sempre me entendi bem.
O pior são os outros.
Resumindo:
1) Não é verdade que o ensino profissional / técnico não tenha problemas de empregabilidade. Tem, como as demais formas de ensino.
2) Ser agricultor (o meu pai foi-o), GNR ou emigrante (quase metade da minha extensa família já o foi e / ou é-o) não tema ver com sucesso / insucesso. Tem a ver com a ideia veiculada de que o EP/T é o maná dos tempos modernos.
3) Eu não tenho NADA contra o ensino técnico / profissional, mas a sério, com exigência. Caso contrário, é apenas uma forma de dar um papel aos alunos a atestar que concluiu o 9.º ou 0 12.º ano de escolaridade.
4) A falta de exigência não campeia apenas nas escolas secundárias; as instituições particulares - equipas e não equipadas - funcionam da mesma forma, ou pior, pois tudo prometem a troco de matrículas que, por sua vez, são o passaporte para a entrada de dinheiro, incluindo passagens de alunos que nada sabem e nada aprenderam (passe a hipérbole).
5) Por exemplo, conheço um curso profissional de Saúde, facultado por uma escola profissional, que promete aos alunos que nele se matricularem o acesso ao curso de Medicina.
6) Por último, também considero que os alunos desses cursos devem frequentar disciplinas como o Português ou o Inglês, pois são fundamentais, mesmo tendo em conta o contexto técnico / profissional do ensino em questão. Não podemos ter alunos que recebem um contentor de material de mecânica proveniente da Alemanha, com instruções de manuseamento e montagem em alemão, francês e alemão, e ficam a olhar para o mesmo, sem saber o que fazer, pois nem a língua de Camões sabem utilizar, quanto mais uma estrangeira.
Em suma, ensino técnico / profissional a sério e exigente, vamos a isso. Outras variantes, esqueçam.
Enviar um comentário