terça-feira, 17 de agosto de 2010

SUPER-RESISTENTES


Crónica do bioquímico António Piedade saída no "Diário de Coimbra":

As bactérias, formas de vidas unicelulares procariótas, existem no planeta Terra há pelo menos 3 biliões de anos. Foram pela primeira vez identificadas pelo Homem através do microscópio de Leeuwenhoek em 1676, apesar de o nosso organismo sempre ter convivido com elas e depender de algumas delas para o bom estado de saúde. Devemos a Louis Pasteur e Robert Koch as primeiras provas de que estes microrganismos podem causar doenças nos organismos que as “hospedam” (hospedeiro) e causar-lhes paradoxalmente a morte. Isto é válido para vermes, insectos, animais selvagens e domésticos e, naturalmente, para o homem. As bactérias encontram nestes organismos as condições apropriadas para a sua sobrevivência e propagação. Mas o que para elas é um “paraíso”, para nós pode tornar-se um inferno com temperaturas elevadas, chagas e outras maleitas que ainda hoje termina na morte.

Ao longo da evolução inúmeras espécies de bactérias desenvolveram um arsenal químico de substâncias e estruturas biomoleculares com o objectivo de ganharem vantagens na luta pela sobrevivência. Muitas dessas substâncias, designadas genericamente por Antibióticos, “matam” bactérias de outras espécies, diminuindo assim a competição por alimentos moleculares como a glicose.

A nossa luta científica contra as bactérias iniciou-se com a compreensão destes mecanismos naturais de guerra química bacteriana de que resultou o desenvolvimento do primeiro antibiótico por Paul Ehrlich, em 1910.

Foi o início de uma luta permanente contra as bactérias. Permanente, porque as bactérias têm a habilidade “inata” em contornar os obstáculos moleculares à sua sobrevivência, ao fim de algumas gerações que, caso geral, duram entre horas a alguns dias. Daqui a importância em fazer a terapia antibiótica até ao fim, para minimizar que uma eventual geração encontre a forma de resistir ao antibiótico agressor.

Mas a resistência bacteriana aos antibióticos desenvolvidos pelo Homem é impressionante e muitas vezes estirpes resistentes são identificadas. Ou então, são identificadas novas estirpes de bactérias que emergem do mar bacteriano como se estivessem estado a fazer estágio contra os antibióticos e apresentam resistências insuspeitas. É o caso de bactérias do género das enterobacteriaceae, que causam infecções no aparelho gastrointestinal entre outros órgãos, identificadas recentemente no Reino Unido, mas com epicentro localizado em Nova Deli (Índia) e no Paquistão. A espionagem bacteriana genética desenvolveu uma “nova” enzima, a NDM-1 (de New Delhi metallo-β-lactamase 1) que confere a estas estirpes uma “super-resistência” aos antibióticos que actuam pela “destruição” da parede externa feita de peptidoglicano protecção essencial das bactérias classificadas por gram-negativas.

O estudo descrevendo a sua identificação e alertando para um possível problema mundial na luta contra as super-resistentes bactérias acaba de ser publicado na revista “The Lancet” (aqui).

António Piedade

2 comentários:

Anónimo disse...

QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA

Antes que ela nos dê cabo da pele,
à tal bactéria super-resistente
há que mover-lhe guerra sem quartel,
guerra de morte, decididamente.

Há que alertar as universidades
a fim de que nos seus laboratórios
descubram, sem quaisquer ambiguidades,
os meios de combate peremptórios.

Dê-se-lhe luta à sombra da ciência
e coloquemos nossa inteligência
na guerra aberta contra essa inimiga!

Até que esteja reduzida a nada,
há que viver em permanente briga
bioquimicamente declarada!

JOÃO DE CASTRO NUNES

António Piedade disse...

Muito Bem, caro Professor e poeta.

Cumprimento

António Piedade

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