quinta-feira, 15 de julho de 2010

"Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal" e Ordem dos Professores (1)

“Não há meias verdades” (George Bernanos, 1888-1948).

Em notável e monumental obra editada pela Gradiva, acaba de ser publicado o “Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal”, com cerca de 1000 páginas da responsabilidade de uma equipa de 136 autores, coordenados pelo Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias e pelo Centro de História da Faculdade de Letras de Lisboa.

De entre um conjunto diversificado de ordens que lhe dão corpo, desde as ordens religiosas às ordens profissionais, detive-me em análise cuidada sobre estas últimas, por me terem sempre merecido uma atenção especial e um estudo aturado. Desse estudo resultou, inclusivamente, a publicação de um livro de minha autoria, intitulado ”Do Caos à Ordem dos Professores” (edição do SNPL, Janeiro de 2004) que incidiu sobre três pontos essenciais: (1) o aberrante estatuto da carreira docente, qual leito de Procusta em que se esticam os professores menos ilustrados e se cortam as pernas aos mais habilitados para nele caberem todos os docentes com parca distinção das respectivas estaturas científicas; (2) a controversa definição de profissão liberal, stricto sensu e lato sensu; (3) o historial das ordens profissionais existentes à época.

A partir de 1990, publiquei grande número de artigos opinião nos jornais, o primeiro dos quais, intitulado “Relatório Braga da Cruz, Estatuto e Ordem dos Professores” (Diário de Coimbra, O5/04/90), em que escrevi: “Uma Ordem dos Professores? Por que não? Uma ordem profissional defende tradicionalmente o prestígio dos seus associados, o respectivo estatuto sócio-económico e os princípio s deontológicos pelos quais a profissão se deve reger. Este último facto parece intimidar os que se mostram saudosos da bagunça em que se obtiveram diplomas através de passagens administrativas e se fizeram curso de complemento de habilitações em escassos meses, e sabe Deus como!”

A partir de 2007 começaram a ser publicados posts da minha autoria neste blogue, de entre eles uns tantos sobre a Ordem dos Professores, de que destaco, como exemplo, uma dezena, a saber: “Do Caos à Ordem dos Professores” (15/07/2008); “A (Des)Ordem dos Professores” (03/08/2008); “Vital Moreira e as Ordens Profissionais" (18/05/2009); "A Ordem dos Professores na ordem do dia" (09/06/2009); “De volta à Ordem dos Professores (17/09/2009): “A Ordem dos Professores na ordem do dia"(09/06/2009); “Um singular combate às corporações” (06/10/2009); “A Ordem dos Professores e a política do compadrio” (09/11/2009): “Uma Ordem dos Professores?” (17/04/2010); “A Ordem dos Professores: breve historial das ordens profissionais” (21/04/2010); “Uma carta sobre a Ordem dos Professores” (11/05/2010).

Da meia centena de páginas deste dicionário dedicadas às ordens profissionais, detive-me, com especial atenção, no parágrafo, insito na página 948, que transcrevo: “Os processos de criação [de ordens profissionais] não estiveram isentos de polémica. Actualmente, existem associações que reivindicam a criação de ordens profissionais como a Associação Pró-Ordem dos Psicólogos e a Pró-Ordem dos Professores” .

Por ter sido escrito no ano 2000 justifica-se a referência que é feita à reivindicação para a criação da Ordem dos Psicólogos, apesar desta associação de natureza pública ter sido criada pela Lei 57/2008, de 4 de Setembro. Quanto à reivindicação da Associação Sindical Pró-Ordem dos Professores, hoc opus, hic labor est, pela simples razão desta associação ter conhecido a luz do dia apenas em 1995 e o Sindicato Nacional dos Professores Licenciados (SNPL) ter sido criado três anos antes, em 3 de Julho de 1992, com o objectivo da “ruptura com as orientações sindicais então existente, em oposição frontal à instituição de uma carreira única de professores, pois pretende revalorizar a profissão em todo o seu percurso, em consonância com os valores e as necessidades dos professores dos nossos dias”. Sindicato que, na persecução inicial destes objectivos, exerceu, durante alguns anos, uma longa e notável acção na defesa de uma Ordem dos Professores, sempre contrariada por uma forte acção sindical da Fenprof, das próprias instituições oficiais que tutelam os muitos milhares de docentes sem espírito de classe e, como tal, mais facilmente influenciáveis, e de “ um certo sector de esquerda que convive mal com a ideia de Ordem”, na opinião do jurista José António Barreiros.

Assim, perfila-se, entendo eu, o interesse “histórico” em dar a conhecer publicamente os trâmites da acção do SNPL nesse sentido (e do organismo associativo que antecedeu a sua criação), devidamente documentados por transcrições de artigos de jornais, que fazem parte de um acervo de recortes em minha posse e à disposição de uma consulta sempre que solicitada, de que transcrevo o caminho seguido nesse longo e penoso processo, qual penhasco de Sísifo.

Como prova inicial, começo por transcrever do Jornal de Notícias excertos de uma notícia aí publicada, em 27 de Maio de 1992: "A direcção da Associação Nacional dos Professores Licenciados (ANPL), reunida em Viseu, deliberou propor em Assembleia geral extraordinária de sócios, a realizar dentro de alguns dias, a constituição de um sindicato de professores licenciados”.(…) Nesta reunião, os dirigentes da ANPL, visivelmente descontentes, manifestaram a sua total disposição para avançar ‘decididamente’ com a constituição da Ordem dos Professores, tendo constituído uma comissão a que preside o coordenador distrital de Coimbra, dr. Rui Baptista”.

Realizada esta assembleia geral, a ANPL deu lugar ao Sindicato Nacional dos Professores Licenciados, que passados poucos dias promoveu uma conferência de imprensa noticiada num jornal com o título “Professores querem Ordem”, de que transcrevo: “Para reflectir sobre a situação actual no ensino o Sindicato (SNPL) deu ontem uma conferência de imprensa em Lisboa onde defendeu a necessidade da criação de uma Ordem para a classe” (Correio da Manhã, 17 de Julho 92).

(CONTINUA)

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