sexta-feira, 30 de abril de 2010

"Classroom chaos": Escola 4

Texto na continuação de outros aqui publicados.

A professora, autora do documentário Classroom Chaos, confronta alguns dos registos vídeo que efectuou a outros professores, que referem ter as mesmas experiências em contexto de sala de aula

Não consegui entender-me com algumas raparigas quanto aos trabalhos a fazer e que a professora já tinha distribuído.

Professora: Era para fazer tudo…Tem calma!
Aluna: Estou calma! Se não estivesse, desatava aos gritos por aí, f…!
Professora: Estar calma é isso? Tenham calma, as outras!
Aluna: Sei o que tenho de fazer. Queres mandar em nós, mas a nossa stôra já disse o que tínhamos de fazer…
Aluna 2: Disse sim.
Professora: Importam-se de acalmar?
Aluna: Vou acalmar-me, stôra. Vou contar até dez…

Posso ser uma professora incompetente, que está “enferrujada” e desfasada da realidade, dos novos métodos de ensino, até aceito isso. Mas, quando se é professor substituto, as desvantagens estão todas contra nós: não conhecemos a escola, nem sequer sabemos as matérias que vamos ter de dar e, sobretudo, não conhecemos os alunos. Toda a gente sabe que os jovens provocam os professores substitutos, mas também sei que o nível de perturbação nas salas com que me tenho confrontado está bastante generalizado. Mostrei as gravações que fiz a professores de carreira.

Professora de História: É uma situação que se repete todos os dias. Os professores não ficarão surpreendidos ou chocados. Dirão que é a rotina diária que têm de enfrentar. Também passei por um incidente grave como esse, sozinha, numa sala de aula. Tinha um aluno que tinha agredido um docente na véspera, que teve de ficar em casa. Atravessou a sala de aula, enquanto eu estava a ralhar com um aluno, e começou a agredir um outro rapaz.

Não me limitei a falar com outros professores sobre o problema da indisciplina dos estudantes, também consultei os relatórios publicados recentemente. Vamos espreitar este. É um estudo de 2004 sobre as escolas escocesas e revela que 99% dos docentes referem o problema de os alunos estarem sempre a conversar ao mesmo tempo. 95% Dizem ter alunos a impedir os colegas de estudar. 94% Denunciam os alunos que comem e mastigam pastilhas, na sala de aula. Tenho aqui outro relatório da Universidade de Warwick. Revela que 81% dos professores dizem ter de enfrentar perturbações constantes durante a aula. Vamos ver este relatório da Universidade de Cambridge. Sabem qual é o principal problema relatado pelos professores? A indisciplina dos alunos. É o principal problema. Para onde quer que se olhe, a “música” é sempre a mesma. Não são professores substitutos. São professores a tempo inteiro. O problema não se resume unicamente a estas estatísticas, mas também os comentários de alguns docentes com os quais me identifiquei. Um diz que o simples acto de dar uma aula é uma luta constante. Tem toda a razão, na minha opinião. Este comentário foi feito por uma professora que entretanto desistiu da carreira de docente: “Era considerada como uma professora forte, mas a verdade é que me senti constantemente insegura e, por fim, nunca fui tão injuriada como nos últimos 12 meses.” São acusações graves!

Continuo na quarta escola. Sou chamada para dar uma aula de Artes, uma disciplina em que não estou particularmente à vontade.

Professora de História: Temos de lidar com noções tão básicas de disciplina como obrigá-los a sentarem-se… a levantar a mão antes de começar a falar.

Professor de Química: A segurança que se ganha em saber exactamente aquilo que os alunos conseguem e não conseguem fazer, pode expor a indisciplina típica destes jovens.

Mais tarde, nessa mesma manhã, pediram-me para dar aulas de Inglês a uma turma pequena de alunos com 13 anos. Até pensei que estava a reconstituir as lutas da Muralha de Hadrian, entre os Romanos e os nativos, depois de ver livros, caixas, bolas de papel pelo ar e que eram atirados uns contra os outros. Não conseguia impedi-los. Estiveram o tempo todo naquilo. Cheguei mesmo a ter de “montar guarda” junto à porta para impedir que alguns alunos saíssem. Ainda tentei pedir ajuda a algum professor que estivesse por perto, mas não vi nenhum, e conclui que não os podia travar. Um dos rapazes começou a passear pela sala de aula, batendo com a cabeça nas paredes. Chegou mesmo a intimidar-me e a ameaçar-me.

Aluno: Se não nos deixares sair…

Houve outro miúdo que disse que eu o tinha insultado, o que era completamente falso.

Professora: Podem parar?
Aluno: A stôra insultou-me, pessoal.

Alguns estudantes pensam que podem ameaçar os professores com queixas e denúncias à polícia, com notificações e processos.

Aluno: F…! Se me tocares… Já que me tocaste, vou já “tratar” de ti.
Professora: “Não te quero ver nem de longe, Jim!”

Era uma grande mentira. Conheço bem as regras do jogo.

Aluno: O que é que eu fiz?
Professora: A turma inteira pode…
Aluno: Por causa do quê?

Professora de História: É-nos dito que não podemos tocar no aluno. Nós é que somos os responsáveis. Nas escolas onde leccionei, os professores do sexo masculino nunca ficam sozinhos com as alunas. As professoras têm um pouco mais de “margem de
manobra.

Aluno 1: “Qual é a tua meu?”
Aluno 2: “Ela está a dizer mentiras.”

No fundo, quer dizer que temos de andar em terreno frágil”, e, quando isso acontece, não conseguimos disciplinar crianças. Parece-me que é um “pântano de pestes”.

Professora: “Não consigo ouvir o que as pessoas estão a dizer.”

A avaliação desta escola reconhece que alguns alunos manifestam um comportamento inaceitável, mas a verdade é que o dia que passei aí tive problemas em todas as turmas.

Escola 4: Avaliação disciplinar detectou alguns problemas. No geral, o comportamento é satisfatório (Novembro de 2002).

4 comentários:

Anónimo disse...

É verdade o que se apresenta, já toda a gente o sabe.

Comecemos então a reflectir sobre esta enorme problemática, que se adensa, dia-a-dia:
- Será que os senhores responsáveis pela educação no nosso país são cegos, surdos e mudos? É que, parece-me, com tanta gente a "bater" nos professores, nas escolas e neles próprios só o poderão ser!

E quem alerta para esta situação, o que faz perante as não respostas? Se há estudos que comprovam os vários erros que se vão cometendo, por que razão se teima em os continuar?

Os professores também fazem coisas boas! Porque será que, na maior parte das vezes, só se vêem reflectidos, na comunicação social e nos blogs, o que não fazem, as atitudes que não tomam, ou as que tomam erradas? Talvez não fosse mau, de vez em quando, apresentar também exemplos positivos da profissão docente.
Conviria também educar a sociedade, incluindo nela os pais. Para não acontecer o que ainda esta semana me aconteceu a mim, ou seja, um aluno do 5.º ano dizer-me que não queria fazer um trabalho de grupo com certo colega porque a mãe não deixava. É que, parece que alguns pais agora acham que até têm o poder de mandar dentro das salas de aula!

Resolva-se então o problema: acabe-se com a escola... com os professores... e com quem, com responsabilidades, poderia fazer algo mais pela educação e não faz.
SN

Anónimo disse...

Enquanto não se começar a punir duramente os pais pelos comportamentos dos filhos as coisas não vão lá!

Na escola dá-me matéria, não educação, essa fica a cargo dos pais em casa!

Se os meninos são uns selvagens é porque não têm educação, porque não lhe ministram educação em casa, ai devem ser responsabilizados, socialmente, monetariamente e mesmo profissionalmente os paizinhos!

Cada coisa que o filhinho estragasse o paizinho era obrigado a pagar!

Cada agressão que o menino fizesse ia logo preso e se fosse menor ia o paizinho no lugar dele.

Comecem a punir os responsáveis pela falta de educação que as coisas mudam, eu sou do tempo em que havia respeito e educação, não havia essa coisa de buling nas escolas e bater-se num professor ou faltar-lhe ao respeito era motivo de uma bela tareia quando chegasse a casa, quem o fizesse nunca mais o repetia!

Enfim, eram outros tempos, agora os papás dão dinheiro aos filhos para estes não os chatearem e pronto!

Unknown disse...

Uma única e mui simples pergunta:

Por que razão na Escola da Ponte... onde se pratica uma REAL democracia e é feito um contrato entre a escola e a família no início de cada ano... estes casos de indisciplina são raros e resolvem-se sem grandes alaridos?

E claro que já nem falo nas escolas Waldorf, uma vez que esta discussão se cinge ao ensino público. Mas a questão é sempre a mesma: este modelo de escola, com salas fechadas e isoladas e um ensino livresco e teórico, tem algum futuro... será possível prosseguir neste beco sem saída?

Então, para quê remendar o que não tem conserto... este ensino massificado já está morto e enterrado!!!

Fartinho da Silva disse...

O discurso do Rui é tão giro e pós-moderno e os seus exemplos tão românticos que até eu me sinto tentado!

O problema, caro Rui, é que esse sistema não... funciona!

E, por favor, não fale de escolas com "um ensino livresco e teórico" porque esse ensino não existe na escola pública há muuuuuuuuuuuuuuuuuitos anos! Por alguma razão as classes sociais mais abastadas não deixam os seus filhos na escola do Rui.

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