sábado, 3 de outubro de 2009

A educação em benefício dos regimes políticos


Em mais uma referência ao livro de Daniel Barenboim, destaco a sua alusão à ancestral relação entre política e educação, para qual ele acha essencial citar Aristóteles (na figura Aristóteles ensina Alexandre Magno):

“No seu tratado Política, Aristóteles escreve que «ninguém questiona que a educação dos jovens deva constituir preocupação premente do legislador. Efectivamente, nas cidades onde a educação não tem lugar, isso redunda em prejuízo dos regimes. A educação deve ser exercida de acordo com cada regime, pois importa defender o carácter próprio de cada um (...) Por exemplo, o carácter democrático em relação à democracia, e o oligárquico em relação à oligarquia..." "(p. 48).

Ao ler esta passagem escolhida por um músico se movimenta entre o Oriente e o Ocidente, que conhece muito daquilo que se passa e se pensa em ambos os "lados", nomeadamente em matéria de ensino, recordei-me de um texto que li há uns anos da autoria de um jornalista saudita - Jamal Khashoggi - sobre a (óbvia) interferência da política na educação... A sua leitura leva-nos a perceber que, apesar da diferença de regimes políticos, há aspectos que nos são familiares...

“O nosso ensino da história produz alunos que não sabem nada do mundo em que vivem. Entram na universidade sem terem ouvido falar das grandes transformações que conduziram à modernidade, da qual, no entanto, consomem os produtos materiais, sob a forma de automóveis, de walkmans que colam aos ouvidos, abanando energicamente a cabeça. Não terão compreendido que a supremacia técnica do Ocidente se explica pela Revolução Industrial e pelo sub-desenvolvimento do mundo muçulmano, não por uma conspiração ocidental, mas pelo facto de não termos adoptado esse modelo. Do mesmo modo, nunca terão ouvido falar em movimento religioso da reforma que moldou o rosto da Europa de hoje, nem saberão nada da época das grandes descobertas que alteram os equilíbrios geoestratégicos entre o Oriente e o Ocidente. Também não saberão muito da génese da ideia dos direitos humanos ou da criação de organizações internacionais que hoje governam o mundo.

Em suma, os nossos deploráveis estudantes, que nem sequer sabem até que ponto são deploráveis, não compreenderão coisa do mundo em que vivem. E acaba-se sempre por se detestar o que não se compreende. Muitos dirão que estou a exagerar, mas leiam os jornais, oiçam a rádio e vejam a televisão e, por toda a parte, encontrarão pessoas que debatem o inelutável choque de civilizações. A título de exemplo, vou citar apenas um artigo publicado recentemente no jornal (saudita conservador) Al-Madina: «Ao longo da história, o Ocidente nunca revolucionou a sua atitude agressiva em relação ao Islão. De uma maneira ou de outra, tudo o que se faz é uma recidiva do seu velho e imutável projecto que renova, readapta e reveste de novos pretextos ao sabor das circunstâncias: colonialismo, amizade entre os povos, parcerias, não proliferação de armas de destruição maciça, luta contra o terrorismo, apoio à democratização... A lista é longa mas, na realidade, trata-se sempre do mesmo velho projecto».

Estas declarações resultam de uma doutrina que inculcamos nos nossos filhos desde a reforma do sistema escolar designada por «rectificação doutrinária e civilizacional», que atingiu as nossas escolas e universidades em meados dos anos 80 e que conseguiu estender a sua influência desde a primeira Guerra do Golfo (1990-91). Antes, durante os anos 70, nós, que hoje criticamos o nosso sistema de ensino, aprendíamos a história europeia. Lembro-me das discussões que tínhamos com os nossos professores sobre as semelhanças entre a reforma religiosa na Europa e na nossa religião. Mais tarde, visitei as catedrais da Grã-Bretanha, onde ainda se vê como os iconoclastas da reforma protestante destruíram as estátuas dos santos. Isto não lhe lembra nada, caro leitor? Não é uma perfeita ilustração da semelhança que existe entre as experiências históricas dos povos? É este tipo de exemplos que pode tornar-nos mais disponíveis para nos aceitarmos uns aos outros. A nossa geração estudou o que hoje qualquer estudante em todo o mundo estuda sobre as grandes civilizações e a história dos diferentes povos. Depois, subitamente, tudo desapareceu do programa. Porquê?

Gostaria de ouvir os pontífices responsáveis por esta mudança darem as suas explicações, mas sei que não se darão ao trabalho de responder às minhas interrogações. Pelo contrário, persistirão em defender os erros que levaram toda uma geração à ignorância. Considerar-se-ão, como sempre, acima de tais polémicas com «este bando de reformadores ocidentais que se deixam deslumbrar pela América e que constituem uma quinta coluna, pronta a alienar o nosso património cultural». É assim que tapam a boca a todos os que ousam opor-se a eles. Em vez de cairmos na armadilha da divisão, era preferível que reuníssemos todos para um diálogo entre estudantes, intelectuais, empresários e políticos, porque é preciso responder à questão de saber porque é que os nossos filhos diplomados são incapazes de responder às necessidades do mercado de trabalho e de desempenhar o seu papel na economia nacional”.

In Courrier Internacional, Edição Portuguesa, n.º 0, de 2 a 7 de Abril de 2005, pág. 22

2 comentários:

Unknown disse...

Luciano Ribeiro dos Santos.

Gostei muito e de alguma forma quero fazer a mudança ainda não sei como, mais sei que tem começar por mim.

António Daniel disse...

Curioso, mas nos países ocidentais já se diz o mesmo. Estes temas da educação remete-nos para a ideia de que só existe futuro, quando o passado é importante para ganharmos humildade e a noção de que não somos únicos no mundo. Anna Arendt diria que educamos os nossos jovens como se fossem velhos, como já conhecessem o mundo, o que manifestamente não é verdade. Poderá ser uma passo para o subdesenvolvimento cultural e material, tal como acontece nos países muçulmanos?

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