"A Lua e o Teixo", de Sylvia Path, tradução de Maria de Lourdes Guimarães
Esta é a luz do espírito, fria e planetária.
As árvores do espírito são negras. A luz é azul.
As ervas descarregam o seu pesar a meus pés como se eu fosse Deus,
picando-me os tornozelos e sussurrando a sua humildade.
Destiladas e fumegantes neblinas povoam este lugar
que uma fila de lápides separa da minha casa.
Só não vejo para onde ir.
A lua não é uma saída. É um rosto de pleno direito,
branco como o nó dos nossos dedos e terrivelmente perturbado.
Arrasta o mar atrás de si como um negro crime; está mudo
com os lábios em O devido a um total desespero. Vivo aqui.
Por duas vezes, ao domingo, os sinos perturbam o céu:
oito línguas enormes confirmando a Ressurreição.
Por fim, fazem soar os seus nomes solenemente.
O teixo aponta para o alto. Tem uma forma gótica.
Os olhos seguem-no e encontram a lua.
A lua é minha mãe. Não é tão doce como Maria.
As suas vestes azuis soltam pequenos morcegos e mochos.
Como gostaria de acreditar na ternura...
O rosto da efígie, suavizado pelas velas,
é, em particular, para mim que desvia os olhos ternos.
Caí de muito longe. As nuvens florescem,
azuis e místicas sobre o rosto das estrelas.
No interior da igreja, os santos serão todos azuis,
pairando com os seus pés frágeis sobre os bancos frios,
as mãos e os rostos rígidos de santidade.
A lua nada disto vê. É calva e selvagem.
E a mensagem do teixo é negra: negra e silenciosa.
Sylvia Plath
terça-feira, 28 de julho de 2009
POESIA E ASTRONOMIA 3
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3 comentários:
A arte, a poesia e o tempo. Em tempos, o teixo era a árvore dos cemitérios (daí a mensagem negra e silenciosa?). Na península, os romanos terão introduzido o hábito de transportar os cadáveres em carros puxados por cavalos, os quais pespontavam a ramaria dos teixos durante os enterramentos, e morriam... (mais mensagem negra?). Coitados dos teixos: árvores dos cemitérios e tóxicas... E só há poucas décadas viria a investigar-se medicamente a substância química chamada taxol, extraída da sua casca. E a dita substância mostrou-se um potente citostático de células cancerosas. Lance Armstrong que o diga, pois terá sido isso que lhe permitiu ser heptavencedor da volta à França, parar a carreira, recomeçá-la e sobretudo continuar a viver (atleticamente)livre da condenação oncológica. Mas, sobre estas coisas, quem dá gosto ouvir é o meu muito querido e "antigo" professor dos tempos de Coimbra - O Dr Jorge Paiva. Até a poesia se torna mais poesia.
Este texto afigura-se-me muito visual e sorumbático, uma paisagem escura numa noite de solidão onde a lua é a única companheira semi-escondida por trás do teixo. Não conhecia o teixo mas sabia o que era a lua. Agora sei o que são ambos (as coisas que se aprende).
O tempo, o mundo, a tradução simbólica do desespero, ligando o sujeito da biografia dramatizada (o "espírito") à natureza recapturada poeticamente, para exprimir as emoções biográficas da poetisa. A tríade familiar tem um polo humano e dois pólos projectados, a mãe (a deusa-mãe, como Maria) sobre a lua e, por transcrição da tríade genesíaca (P/M/F), o pai sobre o teixo, que "aponta para o alto", para a lua (a mãe), formando a "cena primitiva" (os olhos de Sílvia seguem-no e encontram a mãe-lua, tornando o teixo e a lua uma unidade fantasmática). A tríade projectada sobre o espaço noturno é duplicada por uma tríade de zonas corporais: a mãe, a face / a boca como um O, os olhos que não vêem; o pai (a zona do não-dito, apenas simbolizado) e a filha, pelos pés e tornozelos; e por uma tríade de cores: a mãe, branca, o pai, negro, o espaço do sujeito e dos seus duplos (mas também as nuvens que cercam a lua-mãe, projectando a filha que procura a mãe, afastando-se do pai, do chão e das ervas-filhas; e os santos, os "filhos" de Maria), pelo azul. E uma equação simbólica: as ervas estão para Sílvia (enquanto filhas) assim como Sílvia está para a lua (a deusa-mãe). A mãe é má (funcionalmente cega, "nada disto vê", calva e selvagem) e boa (quando Silvia acredita na ternura, dificilmente). O ambiente reproduz lugares culturais biografados (o espaço exterior noturno, lugar da poesia, o cemitério, a casa (em paralelo com a igreja, onde estão os santos, cujos sinos tocam aos domingos). Esta não é a ciência das coisas, a ciência da natureza enquanto "coisa", esta é a ciência do "espírito" da poesia e da tragédia que prenuncia, agarrando-se à natureza e à cultura para encontrar a linguagem do desespero que procura, ainda, a ternura dos leitores potenciais, para quem fala, e a partilha dos limites. Esta ciência do discurso emocionado biograficamente, esta ciência do espírito (diz a poetisa) tem que ser integrada com a outra ciência, a que evita as emoções biográficas e se sossega no seu encontro com as pedras e com a funcionalidade farmacológica dos teixos. Se a memória não me falha, Freud avançou longamente nessa direção, há um século atrás, com uma nova ciência do "espírito", da diferenciação funcional e da articulação fantasmática entre poesia (inconsciente) e prosa (ciência das coisas), bem como do discurso simbólico, associativo e projectável sobre a natureza. Que De Rerum Natura seja um poema e que tenham ido busca-lo como patrono e condensador de uma epistemologia integrativa, ainda por promover, é sinal de que os pés se erguem da terra e do silêncio negro e silencioso das coisas, em busca do "espírito" e da "mãe" que há na natureza, por necessidade da orfandade do espirito "religioso" (um outro ecrã projectivo). Sem discurso, mesmo que prosaico, não há ciência, também as coisas precisam de quem as traduza. O resto, é silêncio (mesmo que religioso), participação fusional no silêncio do mundo que busca essa formação de compromisso, essa ponte entre o silêncio e o não-dito que é a poesia.
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