Vídeo: Gustavo Lima abandona a vela.
A propósito do post «Fatos do outro mundo feitos em Portugal» recebi algumas informações muito interessantes de leitores, nomeadamente no que diz respeito às canoas Nelo que equipam desde há algum tempo os especialistas da modalidade e são preferidas pela maioria das equipas que participaram nas provas olímpicas de canoagem. A Mar Kayaks, que comercializa a marca, é assim outra empresa nacional de sucesso no desporto de alta competição sendo, por exemplo, a fornecedora oficial da Sprint National Elite Team norte-americana através da sua sucursal neste país.
Recebi ainda algumas reclamações, com imensa razão já que o post referido se focava na NASA e não enfatizava a importância da contribuição nacional para o sucesso dos fatos LZR Racer. Como refere Sérgio Neto, sócio-gerente da Petratex, este fato revolucionário:
«É o resultado de três anos de trabalho e de um processo de desenvolvimento no qual colaboramos com a Speedo, a Nasa (Agência Espacial norte-americana) e o Instituto Australiano de Desporto».
De facto, para além do tecido, o grande trunfo do LSR Racer assenta na tecnologia Nosew, patenteada pela empresa portuguesa. A teconologia nacional utiliza máquinas de costura especiais desenvolvidas pela empresa e permite coser através de ultra-sons, não deixando qualquer marca de costuras. A tecnologia patenteada mereceu uma reportagem da CNN após a sua apresentação numa feira nos Estados Unidos. A Speedo sondou a empresa sobre a possibilidade de utilizar a tecnologia Nosew nos novos fatos de natação que a marca queria desenvolver para Pequim.
Como referiu o Expresso há uns meses, durante três anos, os técnicos envolvidos no desenvolvimento do LZR visitaram a Petratex, visitas que vão continuar porque esta empresa nacional continua a colaboração com a Speedo agora no desenvolvimento da segunda geração deste fato para as olimpíadas de Londres.
«Era frequente mostrarem-se surpreendidos com o que encontravam. Às vezes, os técnicos da Speedo até confessavam que tinham vindo com alguma desconfiança quanto à tecnologia portuguesa», revelou Sérgio Neto.
Sara Oliveira foi a única nadadora portuguesa a usar o LZR em Pequim e bateu os recordes nacionais nas provas em que participou, repetindo os feitos alcançados com o mesmo fato no campeonato do mundo de natação, em Manchester. Aliás, nessa prova, com o LZR Sara não só melhorou o recorde nacional dos 100 metros mariposa como bateu na passagem aos 50 metros o recorde na distância, melhorando em 40 centésimos o que tinha fixado com o fato antigo dois dias antes.
«Bater um recorde à passagem é um acontecimento singular. Na prática, é algo como bater um recorde dos mil metros ao correr os 10 mil metros», comentou João Paulo Villas-Boas, ex-treinador de Sara e professor de Biomecânica na Faculdade de Ciências do Desporto da Universidade do Porto onde estuda a nadadora.
Podemos apenas especular sobre os resultados que os restantes nadadores portugueses poderiam ter obtido se lhes tivessem sido disponibilizados estes fatos. Nomeadamente poderíamos ter visto o Diogo Carvalho na meia-final dos 200 metros estilos já que o nadador, que nadou acima do seu recorde nacional, falhou a qualificação por nove centésimos de segundo. E qual seria o recorde nacional dos 200 metros mariposa se Pedro Oliveira, que retirou 2,19 segundos à anterior marca, vestisse o LZR? Ou Diana Gomes, que não bateu o recorde nacional dos 200 metros bruços por escassos centésimos de segundo, tal como aconteceu em relação aos 100 metros?
Devo confessar que sou espectadora ávida de todas as provas de natação, atletismo e ginástica a que consigo assistir. Infelizmente, as televisões nacionais, com a excepção quasi única nos Jogos Olímpicos, parecem enfermar de capitulação aos lugares comuns a que se referiu o Desidério e consideram que os espectadores portugueses não estão interessados em nenhum desporto que não seja o futebol.
O mesmo lugar comum parece ser partilhado pelos nossos jornais supostamente desportivos, que, como refere o Pedro Sales, devotaram ao futebol as primeiras páginas das edições coincidentes com os JO. O Pedro Sales tem sobre o tema outros posts que vale a pena ler, este, este, este e ainda este, que reproduzem na perfeição o que penso sobre a reacção nacional à prestação dos nossos atletas.
Aliás, acho curioso que os mesmos comentadores de sofá que se referem à falta de ética e de honra dos nossos atletas, que carpem a considerada «lamentável», «confrangedora», «patética» e «anedótica» delegação nacional que «esbanjou» a astronómica quantia de 15 milhões de euros em quatro anos, não comentem a ausência nos mesmos do desporto que só no seleccionador Scolari gastou uma quantia comparável no mesmo período. Parece que aqueles que se insurgem contra atletas que auferem 250 euros mensais e que tiveram um deslize nas declarações à imprensa (que, claro, glosou as mesmas ad nauseam) acham normal a recusa em participar nos JO de atletas que ganham isso por hora.
Por outro lado, nunca percebi a autoridade com que alguns comentam a prestação dos nossos atletas que, como os fatos LZR indiciam levemente, está dependente de muito mais que a «motivação», «honra» ou «ética» dos mesmos. Tirando o futebol, a aposta nacional no desporto é quase nula. Não há desporto escolar digno do nome, não há desporto universitário fora das modalidades patrocinadas pelas associações de estudantes respectivas, não há nem apoio institucional nem empresarial a qualquer desporto tirando o futebol, estavam à espera de quê? Milagres?
A experiência pessoal com a minha filha mais nova, que exclusivamente com o que chamo «matrocínio» ganhou várias provas internacionais em duas modalidades, numa delas representando a Universidade de Lisboa, que foi convidada muito cedo a integrar equipas de alta competição e não aceitou pela completa falta de apoios e pelos sacríficios monetários e pessoais que todos achavam normal a família fazer, permite-me ser totalmente solidária com o desabafo de Gustavo Lima, o velejador nacional que teve uma prestação fabulosa nos JO, com um quarto lugar apenas a um ponto da medalha de bronze:
«para andar a ouvir frases como 'os portugueses andam a gastar o dinheiro dos contribuintes' eu prefiro sair fora e sair de consciência tranquila».
Um problema nacional - e já agora não apenas no desporto - reside naqueles que acham que os muitos «carolas» que ainda vamos tendo têm obrigação de ombrear com os profissionais de outros países, profissionais que têm desde muito cedo condições para o serem. Enquanto não percebermos que não podemos depender da «carolice» de alguns (e que estes por vezes fartam-se de serem os bombos da festa) e precisamos investir a sério no desporto, começando pelo desporto escolar porque os Centros de Alto Rendimento prometidos precisam de uma base alargada de recrutamento para resultarem, vamos continuar com reedições dos coros de lamentações e críticas a que assistimos este ano. Ou então, se acharmos que não vale a pena nem o esforço nem o investimento e que os «carolas» são q.b. para o país, convinha um pouco de pudor na forma como os criticamos já que de facto os atletas se representam a si próprios e não um país, que, com raras e honrosas excepções como Naide Gomes, Francis Obikwelu ou Nelson Évora, não investiu neles!
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6 comentários:
Obrigado Palmira pelo posts e pelos links para os artigos do pedro Sales.
Já me andava a irritar a sanha josnalística contra o Marcos Fortes e o seu comentário infeliz da caminha.
Gostei de ver que nos comentários do 0 de conduta se puseram os pontos nos iis:
O Marco Fortes é um amador que bate aos metros, por mera carolice, o recorde nacional de lançamento de peso.
Copio parte de um comentário que vale mesmo a pena saber:
o campeão nacional ficou em 33º. Tendo em conta a limitação do número de concorrentes por país, ainda assim poderemos afirmar que temos um lançador que estará certamente nos 50 melhores do mundo.
Podemos acrescentar que o nosso lançador é amador e que durante algum tempo não teve treinador… e treinava literalmente sozinho, isto é, sem treinador nem outros lançadores…
O antigo treinador por falta de meios económicos montou uma garagem de reparação de automóveis e porque é um russo porreiro abdicava de umas horas semanais para dar uma mãozinha ao nosso lançador.
Última perplexidade: porque se festeja o top 100 do tenista profissional Frederico Gil e não o Top 50 do Marco Fortes?
Só espero que o Vicente Moura, o único com intervenções verdadeiramente vergonhosas, que primeiro "descandidata-se" e, depois da medalha do Nelson afinal já não se descandidata, não volte a ser eleito Presidente do COP.
Ah, espera... dos tais laudos 15 milhões de euros só 4.5 milhões foram investidos na preparação dos atletas; o resto foi distribuído pelas federações e como são estas que escolhem o presidente do COP...
Ah, esqueci-me do Arnaldo Abrantes
um altelta que «declarou ter "bloqueado ao ver o estadio olímpico cheio" como justificação para a sua prestação, no entanto declarando também que isso "não é desculpa para esta fraca prestação e que foi bom ter apanhado esse banho de água fria para não se voltar a repetir" declarações que motivaram criticas do Presidente do Comité Olímpico Português».
Qual é que foi o crime do jovem de 21 anos, sem nenhuma estaleca nisto de ver um estádio com muitos milhares de espectadores e outras tantas cãmaras e objectivas apontadas? Só correu os 200 m em 21,26 s e tinha obrigação de bater o Bolt.
Pois, o nosso país que não tem nenhuma escola de velocidade ( o Obikwelu treina em Espanha) mas o que é isso?
O máximo dos máximos foi aquele atrasado mental do Guilherme Aguiar em declarações à SIC sobre os JO. Ele que chamou ignorante ao Marco Fortes, ao criticar as declarações de Arnaldo Abrantes, diz que
«O Arnaldo Abrantes já é para aí a 15ª vez que vai aos Jogos Olímpicos».
O anormal que se diz comentador desportivo nem achou esquisito que o Abrantes participasse nos JO desde... 1948, uma proeza memorável para qualquer um e então para quem nasceu em 1987 nem digo nada...
Concordo com o que a Palmira aqui escreve e também com o que o Pedro Sales escreveu. Queria no entanto ligar este tema a uma questão cultural que nos afasta daquilo a que se chama gestão por objectivos. Temos por hábito achar que o sucesso e insucesso são mais fruto do acaso que do planeamento e trabalho (daí talvez o pouco investimento no desporto em geral). Esta dificuldade em definir objectivos ambiciosos, mas realistas encontra-se presente em quase tudo. Não está na matriz cultural Portuguesa e na forma como nos organizamos, planear e executar em função de um resultado pretendido e essa alteração demorará gerações para se sentir de forma generalizada.
Fiquei contente quando vi definido, que eu saiba pela primeira vez, um objectivo de 4 medalhas e x (não me lembro exactamente quantos) pontos que nos levariam a um dado ranking. Não tão objectivo e transparente como o que li semanas antes dos JO no Times, em que preto no branco e em grande destaque (creio que até primeira página) se definiam os objectivos da delegação Britânica: x, y, z medalhas de ouro, prata e bronze detalhando-se depois no artigo quais.
Ainda assim foi este passo positivo, de definirmos um objectivo que provavelmente levou a tantas críticas. Porque tornou a ambição visível; naturalmente porque falhámos os objectivos, mas pelos resultados anteriores dos nossos atletas não me parece que os objectivos forrem irrealistas; e se calhar porque apesar do desporto viver pela sua natureza muito centrado nesta cultura de objectivos, é mais numa óptica técnica e não de sistema, não havendo ainda ao nível do atletas e dirigentes, com excepções naturalmente (mas porque haveriam um atletas portugueses não ser em média portugueses culturalmente) uma verdadeira cultura de gestão a este respeito (até algumas das declarações dos atletas revelam essa falta de foco e uma certa ingenuidade); também porque os analistas não têm eles próprios uma cultura de gestão de objectivos e não analisam o quadro global. Ou seja como se definiram objectivos pretendemos (e ainda bem) cobrá-los mas esquecemos que para se atingirem objectivos tem que haver um planeamento e meios adequados aos resultados pretendidos.
Em países onde esta lógica de objectivos, meios e resultados está enraizada, a sociedade é mais exigente e as pessoas percebem que há um papel individual a assumir para cada um. Tudo isto falta ainda, apesar de existirem cada vez mais bolsas onde assim não é, em empresas, em investigação e até n facto de se terem tornado claros os objectivos para a delegação olímpico. Por isso oponho-me ao que muitos apontaram como erro e que teria sido revelarem-se os objectivos. Pelo contrário, necessitamos funcionar cada vez mais desse modo. E esse é um papel transformador da sociedade que nos cabe a todos.
Parabéns pelo seu post, Palmira. Gostaria de desenvolver todos os tópicos que abordou em relação ao panorama do desporto nacional, mas como reflecte integralmente sobre aquilo que penso a propósito do assunto, não vou alongar-me, para já, no comentário. De qualquer forma, é com muita satisfação que vejo outras pessoas a denunciarem a precariedade das condições em que trabalham os nossos atletas.
Outra nota para a Rita, para lhe dizer que concordo inteiramente com o que disse acerca da continuidade do senhor Vicente Moura na presidência do COP.
Parabéns a todos os atletaes portugueses, que, sem apoios estruturais à prática das suas modalidades, respresentaram muito dignamente o nome de Portugal. Só temos de estar-lhes gratos.
Apesar de tudo isto estar certo, convem não esquecer que algumas desculpas foram realmente esfarrapadas. Não posso criticar Marco Fortes pela sua prestação, mas posso criticá-lo pelas suas declarações. Se foram ironia é uma coisa, se foram reais, ou seja, se ele realmente não funciona bem durante a manhã, é outra totalmente distinta. Não será culpa dele, mas as declarações não ajudam. Obviamente que os atletas não são futebolistas, para quem fazer declarações é parte do trabalho.
Seja como for, há uma enorme falta de cultura desportiva em Portugal e, mais ainda do que no desporto escolar, está presente nos adultos. Note-se: não é difícilo colocar crianças e jovens a fazer desporto. Há muitos que o fazem, mesmo sem desporto escolar e a ter de fazer alguns quilómetros para praticar a sua modalidade. Foi o meu caso durante o secundário, em que treinava a quase 20 km de distância de onde morava e obrigava os meus pais, no final de um dia de trabalho, a ir-me buscar no fim do treino.
Onde falta a cultura é nos adultos, para os quais os desporto é feito em frente a uma televisão ou, no máximo, num ginásio (o que não é desporto, apenas exercício físico). Quase não há locais onde praticar desporto de forma amadora em Portugal em idade adulta. Fora os clubes de futebol, que têm campeonatos até aos distritais, temos um deserto. Pessoas que queiram juntar-se para jogar basquetebol ou voleibol até aos 50 ou 60, treinando uma ou duas vezes por semana e com uns 15 ou 20 jogos por ano, não têm onde o fazer. E falo de duas situaçõe que vejo aqui na Holanda, onde vivo.
Claro que quando os próprios pais não têm incentivo para praticar desporto, será muito mais difícil ver as criança e jovens a fazê-lo. Primeiro porque os pais não dão exemplo. Segundo, porque os pais não compreendem a necessidade de fazer os esforço.
Isto é uma das coisas (a par das que foram sendo apontadas) para o estado do desporto em Portugal. É cultura, acima de tudo. O resto (falta de incentivos ou de atenção às outras modalidades) são apenas sintomas que agravam o efeito de bola de neve.
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