sábado, 30 de agosto de 2008
Algo de novo debaixo do Sol
«I don't understand it Dr. von Tappeiner. The paramecia were all wiggling just fine a minute ago, but now these over by the window seem to be dead.» Oscar Raab, 1898.
Num jornal de São Paulo da semana passada descobri um artigo muito interessante que dá conta de um novo tratamento luminoso para o cancro de pele. António Cláudio Tedesco, do departamento de Química da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto trabalha no que se designa por terapia fotodinâmica (Photodynamic Therapy ou PDT). O cientista brasileiro conseguiu obviar ao principal problema desta técnica aumentando a sua especificidade por nanoencapsulamento do fotossensibilizador. Os testes clínicos - já no final da Fase II - da pomada que desenvolveu estão a ser conduzidos, com muito sucesso, nos hospitais universitários da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Esta técnica basicamente envolve a activação com luz de um fotossensibilizador químico administrado topica ou sistemicamente, para tratamento do cancro e outras doenças ou para a destruição de vírus, bactérias ou fungos. Esse sensibilizador fotoquímico é uma espécie química que no estado excitado transfere facilmente energia para o oxigénio dando origem a oxigénio singuleto que destrói os tecidos onde se encontra. E esse é o problema que Tedesco resolveu já que se o fotossensibilizador não for muito específico são destruídos tecidos saudáveis.
A PDT é especialmente utilizada em dermatologia, nomeadamente no caso de lesões tumorais ou pré-tumorais extensas e superficiais em que os tratamentos cirúrgicos convencionais envolvem a remoção da pele doente dando origem a cicatrizes igualmente extensas, o que não acontece com a PDT.
As propriedades terapêuticas da luz são conhecidas desde o início da História mas o interesse na utilização terapêutica da luz permaneceu suspenso até finais do século XIX, início do século XX, especialmente depois de Niels Finsen ter recebido o Nobel da Medicina em 1903 pelo seu tratamento «solar» do lupus vulgaris.
De facto, os registos históricos mais antigos que temos indicam a importância do Sol, um deus em inúmeras mitologias. Muito antes do culto de Rá em Heliopolis, as civilizações pré-históricas adoraram o Sol e endereçaram-lhe preces. O uso da luz como agente terapêutico pode ser assim traçado ao culto do Sol. A influência do deus do Sol grego, Helios, permaneceu mesmo depois do advento da racionalidade grega, por exemplo na metáfora do Sol de Platão e no facto de o pai da História, Heródoto, ser também o pai da helioterapia, importada pelos romanos que transformaram os helioses gregos em solaria.
Os antigos egípcios usaram igualmente a fototerapia para tratamento de algumas afecções dermatológicas, como referido no papiro de Ebers, o mais extenso dos papiros médicos do Antigo Egipto. Nomeadamente, utilizaram o precursor da PDT quando prescreviam cicuta negra no tratamento da lepra branca ou vitiligo. A cicuta negra contém 8-metoxipsoraleno, um fotossensibilizador que ainda hoje se utiliza. De igual forma, os psoralenos da Psoralea corylifolia são o princípio activo dos tratamentos milenares prescritos para esta afecção na Índia e na China. O Atharva Veda prescreve o uso das sementes negras da beivechi ou babachi (Veisuchaika no original, alguns dos muitos nomes com que a planta é conhecida), seguido da exposição directa ao sol para tratamento do vitiligo.
Os solaria acompanharam a queda de Roma e a helioterapia só foi recuperada parcialmente por Avicena no século XI. Mas na Europa medieval e renascentista a exposição ao Sol era evitada já que escurecia a pele e uma pele nívea era uma marca de nobreza. Aliás, foi muito comum as classes mais altas utilizarem pós para tornar mais pálida a tez, prática que não era muito saudável quando os pigmentos branqueadores de eleição eram compostos de arsénio ou de chumbo. Na Inglaterra isabelina, o ceruse veneziano era utilizado não só para conferir uma pele branca, realçada por «beauty marks» artisticamente aplicados, como nos «tratamentos» capilares que conjugados com a mistura de óleo de vitriol (ácido sulfúrico) e extracto de ruibarbo usada para aclarar os cabelos explicam as testas proeminentes dos retratos desta época.
A Revolução Industrial começou a alterar a relação entre status social e cor da pele já que a palidez começou a ser associada aos trabalhadores que passavam o dia encerrados em fábricas e longe da luz do Sol. Assim, o bronzeado perdeu a sua conotação «trabalhadora» e nos loucos anos 20 o efeito terapêutico do Sol que fazia furor na comunidade médica pelo menos desde o Nobel de Finsen foi promovido socialmente por socialites como Coco Chanel.
Em 1904, pouco depois do Nobel de Finsen, Hermann von Tappeiner, director do Instituto Farmacológico da Universidade Ludwig-Maximilians em Munique e um dos pioneiros da fotobiologia, cunhou o termo acção fotodinâmica (photodynamische Wirkung) para descrever o que o seu estudante de doutoramento Oscar Raab descobrira uns anos antes. Raab verificara que a letalidade da acridina para os protozoários Paramecia era mais dependente da exposição à luz do que de variações controladas da concentração do corante.
Entre 1903 e 1905, o grupo de von Trappeiner aplicou topicamente vários corantes, como eosina, eritrosina, fluoresceína, ou vermelho do Congo, seguida de exposição à luz para o tratamento de aflições dermatológicas sortidas, ptiriase versicolor, psoríase, carcinoma basocelular, sífilis, lupus, etc. Embora tenham obtido alguns resultados favoráveis no tratamento desses problemas, as dermatites secundárias e o advento de outras técnicas fizeram a terapia fotodinâmica cair novamente no esquecimento até ser recuperada na clínica Mayo por Lipson e Schwartz em meados do século XX e no início do século XXI assumir a importância de que o trabalho de Tedesco é um exemplo.
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