Uma das críticas que, em finais do século XIX, o Movimento da Educação Nova endereçava à escola dita tradicional, era o seu fechamento em relação à sociedade. Fechamento que podia ser atestado, tanto pelos ensinamentos que transmitia, como pelas condições de frequência que impunha e, até, pelas características físicas que apresentava. Tinha sentido esta crítica, pois no século anterior, o currículo centrava-se em conteúdos que só muito remotamente tinham ligação com o progresso científico, técnico, artístico, literário que o Iluminismo havia proporcionado, sendo o internato rígido, em circunstâncias de austeridade, vigilância e punição, o regime mais comum, sobretudo nos estudos secundários.
À luz do entendimento emergente da criança, já não como um homúnculo mas como um sujeito específico e com direitos – entre os quais se contam o de beneficiar duma preparação adequada para se integrar, em termos pessoais e profissionais, no meio que a cerca – fazia sentido aproximar a escola da sociedade. E, apesar de Ferriére, um dos mais importantes ideólogos desse movimento, encarar a Escola Nova como um “internato familiar situado no campo", a preocupação com essa aproximação, conquistou mentalidades e concretizou-se em práticas várias durante todo o século XX.
De facto, muitas das correntes pedagógicas que se desenvolveram ou surgiram nesse século, não obstante as suas singularidades, partilham o pressuposto de que a escola e a sociedade têm de seguir o mesmo rumo. Assim, a escola, deve responder, de modo eficaz, às necessidades, desafios e orientações da sociedade, sendo que esta tem uma palavra a dizer na determinação dos desígnios daquela.
É este pressuposto que, no presente, me parece ter sido extremado, impondo-se à escola, com pretextos “politicamente correctos”, o imperativo de seguir e servir a sociedade, independentemente das características que ela tiver e das tendências que manifestar.
Ora, toda a sociedade que se preza deve deixar uma clara margem de liberdade à escola para que ela eduque os sujeitos não só para se manterem integrados nela, tal como existe, mas para que a conheçam, a discutam e, numa atitude crítica, a renovem. Ou seja, a sociedade deve deixar que a escola mantenha em relação a ela uma distância estratégica, ainda que isso possa vir a jogar contra si. Tal distância tem dado, de resto, notáveis resultados na evolução das diversas áreas do saber… Quando a escola é colocada ao serviço dos interesses políticos e religiosos totalitários, os resultados tornam-se pouco vantajosos para essas mesmas áreas.
Estamos perante um assunto que requer uma reflexão muito mais atenta do que aquela que fiz até aqui, mas ela serve para deixar um apontamento: a sociedade em que vivemos, que alguns apelidam de pós-moderna, não se apresenta com contornos totalitários, mas como relativista e subjectivista, concedendo aos “grupos de pertença” e ao “eu” um lugar de destaque. Daí que toda e qualquer decisão de políticos, argumentistas, escritores, educadores, etc. deva passar, ou dar a entender que passa, pela contemplação do “respeito” que se lhes deve, independentemente de quem são, do que pensem e do que tenham feito ou façam. E a escola vai no mesmo sentido...
Isto a propósito de o Canal Fox ter decidido não emitir, não só na Argentina, mas em toda a América Latina um episódio da famosíssima série Os Simpsons por nela se fazer referência à ditadura peronista sendo mencionados, entre outros aspectos considerados incómodos, o desaparecimento de pessoas. A justificação dada ao mundo já é corriqueira: procurou-se evitar reabrir "feridas dolorosas”, “tocar num tema sério que poderia ferir muitas sensibilidades”, que “o assunto dos desaparecidos é muito sensível e não pode ser parte de uma piada”.
Aceitando a pertinência desta última justificação, o problema não passa só, nem principalmente, por aqui. Na verdade, quando, em 2002, um dos episódios desta série dava a ver ao Brasil a cidade do Rio de Janeiro muito distante dos postais turísticos, os cariocas ficaram descontentes e ripostaram. Nessa altura, os responsáveis pela série devem ter percebido que para agradar é preciso ser crítico mas… mais soft.
Infelizmente, a escola percebeu também isso e tem vindo a adoptar a mesma lógica do respeito cego por tudo e por todos. Um dos exemplos mais dramáticos desta lógica, que terá consequências trágicas na preparação das novas gerações, foi a supressão das Cruzadas, da Escravatura e do Nazismo dos currículos de História porque… são temas delicados, que podem causar melindre aos alunos, às suas famílias, à sua etnia, à sua cultura... Com a Palmira lembrou no De Rerum, aconteceu em Inglaterra, e depois em França. Em Portugal demorará a acontecer? E se acontecer, reagiremos da mesma maneira “compreensiva”?
É que também entre nós a sociedade e a escola parecem estar sintonizadas no esquecimento. Na verdade, as seguintes palavras de George Steiner não destoam no nosso sistema educativo: “a escolaridade é de amnésia planificada”.
Obra referida:
Steiner, G. & Ladjali, C. (2005). Elogio da Transmissão: O Professor e o Aluno. Lisboa: Dom Quixote.
Imagem retirada de:
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQ1ti69xKKFRkwR9oZZ-DBI7suRoM81YYg_wS0XmMlNBD5Eyaj8-zbp2a_ya4yKoC04dp825f3GK3CC2cBShmqyS1-H5WOaDKiWuqfduFMrmpmtrW_4DHqUb0SAcDv23Hl9lguP0qHhSEd/s1600-h/bart-peron-copia.jpg
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
UM CRIME OITOCENTISTA
Artigo meu num recente JL: Um dos crimes mais famosos do século XIX português foi o envenenamento de três crianças, com origem na ingestão ...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
«Na casa defronte de mim e dos meus sonhos» é o primeiro verso do poema de Álvaro de Campos objecto de questionamento na prova de Exame de P...
2 comentários:
há de chegar o tempo em que portugal nos curriculos de história serão retirados temas como estado novo, perda da independencia após alcácer quibir, as derrotas nas guerras, mundial e colonial..
É todo um mundo novo, cheio de novos perspectivas que se abre às novas gerações.
Há que poupa-las a estas maçadas, a estes horrores prepetrados pelos seus antepassados.
A escola sofre da politização que lhe é inerente, durante o estado novo para formação da doutrina fascista e apoio ao regime, em democracia para servir os interesses das politicas de estado, manter as desiguladades iniciais que começam nas familias de formação e rendimento desiguais, e terminar por formar mão de obra barata para as empresas parasitárias que vivem à custa do estado.
A escola publica só não é suprimida porque têm que servir como um entretem e um instrumento de aparencias, tem que criar a ilusão de que permite nivelar a desigualdade social, quando no fundo perpectua-a seguindo as linhas politicas.
Quando me ensinaram históra, ensinaram que a mesma servia tinha como objectivo o estudo do passado, para compreender o presente e preparar o futuro.
Ao reescrever a história à maneira do pós modernismo e dos ditames politicos, a escola cerceia às novas gerações o conhecimento do passado, seja positivo ou negativo, autoriza-os a cometerem erros do passado, obriga-os a construir um futuro sem perceber o presente.
Por fim incita-os a reenvidicarem privilégios que afinal já seriam ou deveriam ser direitos basicos de qualquer cidadão e ser humano.
Reescrever a história à maneira do poder politico dá-lhes muita poder na sociedade, é por isso que a história é muito importante e como tal alvo de todas as politicas para a destruirem e silenciar, para doravante a verdade pertencer a uns quantos iluminados.
A escola está definhando miseravelmente sob o tutelado religioso; as aulas de Física são o principal alvo.
E a Sociedade, pelo menos a do bloco ocidental, está sob uma tal pressão escravativa que a democracia ao invés de rumar para a meritocracia está novamente sob o agouro da teocracia.
Neste exato instante a configuração do meu teclado foi alterada alheia à minha vontade (driblei o problema para conseguir postar).
Brincam o tempo todo, enervando, pisando, reprimindo, impondo toda espécie de prejuízo aos que se importam com o autêntico bem-estar humano.
O Artigo a seguir foi o alvo da pulhice que nos vigia o tempo todo.
A Psicologia da Escravidão
A coisa mais ridícula, estapafúrida, que se pode imaginar é esse negócio de SACRIFÍCIO imposto, aconselhado, pelas igrejas.
Imagine o absurdo:
Quando uma pessoa tem o direito de pegar uma vida como assassina, para DAR a um embuste presunçoso; para aplacar o gosto de sei lá o que? Ou, “agradar” sei lá o que com mortes?
Trazendo isso pra cá, pra hoje:
Como você vai “agradar” um sádico embuste, que requer prejuízo para você, pra enfeitar e gloriar uma estúpida fantasia de soberba?
Quando tiram de você, prejudicando-o pessoalmente , também prejudicam sua cidade, os seus filhos, a sua casa, o seu país.
MEUS CAROS;
Quando um filho nasce, você não pede nada a ele; o trabalho que lhe dá por viver, não faz você exigir sacrifício dele para recompensá-lo, com carinho, assistência, e suporte de todo tipo, como se você fosse um interesseiro, uma espécie de condicionamento de cachorro.
Um filho que faz o que queremos não é nosso filho, é nosso ESCRAVO; é nosso bibelô, é uma caricatura de nosso envaidecimento pessoal. Quando indicamos o que ele pode fazer, nós o educamos com opção; se um dano ocorrer por sua ação não o desgraçamos com desatenção; enquanto vivermos é altruísmo da humanidade, de nossa espécie, assistirmo-nos com princípios de Justiça entre nós; entre você e seu filho, entre os outros.
Haddammann Veron Sinn-Klyss
Enviar um comentário