sexta-feira, 22 de agosto de 2008

O cheiro do cancro

Retirando amostras dos cheiros da pele. Crédito da imagem: Monell Chemical Senses Center, Philadelphia.

Terminou ontem em Filadélfia o 236º Encontro da American Chemical Society, ACS, onde foram apresentadas os trabalhos mais recentes da comunidade química norte-americana. Um dos trabalhos apresentados, «First detection of 'odor profile' for skin cancer may lead to rapid, non-invasive diagnostic test», poderá levar ao desenvolvimento a breve trecho de uma técnica de diagnóstico de cancro de pele absolutamente revolucionária.

Apenas nos Estados Unidos, são diagnosticados mais de um milhão de cancros de pele por ano. Os carcinomas espino-celulares e basocelulares são a forma mais comum de cancro da pele, normalmente não fatais: a maioria das mortes relacionadas com cancro de pele são devidas a melanomas, que dão conta de cerca de 5% dos casos diagnosticados. As pessoas que se suspeita poderem desenvolver cancros de pele necessitam submeter sinais suspeitos a exames e biópsias frequentes de forma a que eventuais tumores possam ser detectados numa fase inicial. O trabalho de Michelle Gallagher, uma post-doc do Monell Chemical Senses Center, em Filadélfia actualmente a trabalhar na Rohm & Haas, poderá permitir o desenvolvimento de testes de diagnóstico simples e não invasivos.

Há muito que se suspeita que os tumores libertam um cheiro único graças a uma série de estudos que indicam que os cães podem cheirar melanomas e outros cancros. Por exemplo, Armand Cognetta, um dermatologista de Tallahassee, na Florida, treinou um cão para encontrar amostras de melanomas escondidas numa sala assim como detectar melanomas na pele de pacientes enquanto Carolyn Willis, do Amersham Hospital em Inglaterra, os utilizou para detectar cancro da bexiga.

«Os cães cheiravam qualquer coisa mas ninguém conseguiu descobrir exactamente o quê», referiu Michelle Gallagher que, sob orientação de George Preti, um químico da Monell, tentou descobrir quais os compostos químicos em causa.

Para isso, a equipa trabalhou com 11 doentes aos quais tinham sido diagnosticados carcinomas basocelulares e com um grupo de controle escolhido de acordo com a idade, género e etnicidade dos pacientes. Ambos os grupos foram «limpos» de odores de fontes externas com uma semana de lavagem com produtos sem aroma e roupa fornecida pelos cientistas.

Depois da limpeza, as amostras de cheiro foram recolhidas com o auxílio de um funil dotado de um filtro absorvente colocado sobre a pele dos voluntários durante 30 minutos. A pele foi ainda lavada com uma solução alcoólica para recolher compostos não voláteis.

A equipa detectou quase 100 compostos químicos diferentes emanados pela pele usando técnicas de cromatografia em fase gasosa e espectrometria de massa. Os perfis químicos da pele saudável e cancerosa eram diferentes quer no tipo quer nas concentrações de VOCS (Volatile organic compounds, compostos orgânicos voláteis).

«Descobrimos dois compostos químicos em particular cujo perfil era significativamente diferente quando se comparava um paciente com cancro e um saudável» explicou Gallagher, sublinhando que «estão presentes os mesmos compostos químicos em ambos os casos, mas junto aos tumores certas substâncias químicas aumentam, enquanto a presença de outras diminui, em comparação com o perfil das pessoas saudáveis».

Os autores não indicaram quais as substâncias químicas em causa uma vez que pretendem procurar outros marcadores, nomeadamente associados também ao carcinoma espino-celular e ao melanoma, e patentear a sua descoberta. Se forem bem sucedidos, os narizes electrónicos em desenvolvimento poderão então ser utilizados em testes de diagnóstico com sensores parecidos com os que são utilizados nos aeroportos para detecção de metais.

Estão actualmente em desenvolvimento outros meios de diagnóstico assentes na detecção de VOCs associados ao metabolismo de células cancerígenas, nomeadamente os «Breathalyzers» para detectar cancro de pulmão.

Mas as possibilidades de diagnóstico possiblitadas pelos compostos químicos exalados não se restringem a patologias dos pulmões. Actualmente a FDA tem aprovados dois destes testes, um que utiliza os níveis de óxido nítrico no ar expirado para detectar asma e o outro que analiza níveis de hidrocarbonetos para avaliar as probabilidades de um paciente rejeitar um transplante cardíaco.

Michael Phillips, o médico CEO da Menssana Research, que comercializa os últimos testes, indica que poderão estar disponíveis em breve Breathalyzers para despistar doenças sortidas, de diabetes a problemas cardíacos e renais. O TR-580, o tricorder médico da série Guerra nas Estrelas, poderá assim passar da ficção científica para a realidade.

5 comentários:

JSA disse...

O post dos Gato Fedorento deu já mais de uma dezena de comentários. Os que reflectem sobre religião chegam a ir aos 50. Estes, sobre química e ciência pura (tal como ali em baixo os das células solares) não dão discussão nenhuma. Nem sequer perguntas. É pena.

Se bem percebi, esta técnica foi criada apenas para melanomas. A Palmira fala também do "Breathalizer" para o cancro do pulmão. Por outro lado, um dos cães parece que detectava o cancro na bexiga. Será que todos os cancros provocam a libertação dos mesmos marcadores? Isso seria realmente interessante, até numa perspectiva de diagnóstico.

Ainda sobre os animais, aqui há tempos li um artigo sobre um gato que parecia detectar quais os pacientes terminais que morreriam no próprio dia (aninhava-se junto a estes e não ligava aos restantes). Pergunto-me se o faria também pelo odor. Se sim, seria também uma forma de ajudar pacientes usando cuidados paliativos.

Apenas mais uma técnica que pode ser usada directamente em humanos. Obrigado pelo post, Palmira.

Palmira F. da Silva disse...

Olá JSA:

Pelo que percebi do que li na pesquisa para este post, o que se passa é que as células cancerosas têm metabolismos e comportamentos diferentes a muitos níveis das células saudáveis e os VOCS são produtos destes comportamentos.

Mas penso que marcadores devem ser diferentes consoante o tipo de cancro já que se trata de células especializadas com expressões génicas e síntese de proteínas diferentes. Mas, claro, alguns VOCs podem ser metabolitos de algum pathway comum.

cmendes disse...

É muito raro vir a este blog e não sair de cá com mais um pedaço de informação interessante, com a curiosidade estimulada para procurar mais infomração ou com mais um livro que aponto na minha lista "a ler". Hoje não foi excepção. Obrigada

Armando Quintas disse...

Esta questão é bem interessante, exige uma maior investigação sobre o olfato dos animais, não só dos cães, como funciona e de que forma se pode sintetizar num instrumento robótico que detecte outras doenças, e inclusivê outras coisas como ameaças à saude pública e à segurança.
Até agora têm-se falado muito do cão, gostaria de apelar para outro animal um tanto ignorado pelos estudos talvez devido à sua maior dificuldade de treinamento para tarefas: o gato, quais são as reais capacidades do gato e sobretudo nesta temática?

Unknown disse...

Fiquei impressionado pelo resultado do trabalho de investigação da equipa do honrado professor George Preti, da Monnel.

Representa para mim, e para todos a quem este problema é, avassaladoramente, real uma janela de esperança para um melhor método de diagnóstico e tratamento.

Engraçado poderem-se usar animais de estimação para detectar os tais VOCs. Poderão estes VOCs ser encarados como uma impressão digital da doença ?

Muito impressionante e verdadeiramente esclarecedor.

Obrigado professora Palmira

Luis Dias

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