terça-feira, 19 de agosto de 2008

"A Natureza e os Gregos"


Erwin Rudolf Josef Alexander Schrödinger, prémio Nobel da Física em 1933 é, como se sabe, um dos maiores representantes da Teoria Quântica.

À semelhança de outros grandes físicos, matemáticos e químicos do século vinte, com a passagem dos anos, e a par do intenso trabalho científico que desenvolvia, interessou-se progressiva e genuinamente pela origem do conhecimento, pela sua validade e implicações, pela sua evolução… Assim, com a cautela de um jovem estudante, revisitou os Gregos, onde tudo começou.

Dessa incursão decorreram duas conferências que proferiu em finais dos anos quarenta e que estão reunidas num livro intitulado A Natureza e os Gregos, publicado no início dos anos cinquenta, a que a Palmira já se referiu neste blogue.

Apesar de seis décadas nos separarem dessas conferências, a sua actualidade permanece, no que respeita às questões que Schrödinger levantou, à maneira como explicou a sua origem e as discutiu, à referência deferente a outros pensadores... Por todas essa razões aqui deixo um extracto da primeira:

“Quando, no início de 1948, realizei uma série de conferências públicas sobre o assunto que aqui abordo, sentia ainda a necessidade premente de as anteceder com vastas explicações e desculpas. O que eu expunha naquela altura e naquele local (isto é, no University College, em Dublin) viria a constituir uma parte do livro que têm à sua frente. Foram acrescentados alguns comentários do ponto de vista da ciência moderna e uma exposição breve daquelas que considero serem as características fundamentais e peculiares da actual perspectiva científica mundial. Provar que essas características são produzidas historicamente e traçar o seu percurso até à fase primitiva do pensamento filosófico ocidental, era o meu verdadeiro objectivo ao abordar e discutir esta última fase. Contudo (…) sentia-me pouco à vontade, particularmente porque essas conferências surgiram como resultado dos meus deveres oficiais como professor de física teórica. Havia a necessidade de explicar (apesar de eu próprio não estar convencido disso) que ao dedicar-me aos relatos sobre os antigos pensadores gregos e aos comentários acerca das suas opiniões eu não estava simplesmente a desenvolver um passatempo pessoal, recentemente adquirido; isto não significava do ponto de vista profissional, uma perda de tempo, que deveria ser relegada para as horas de lazer; que isso se justificava pela esperança de conseguir vir a ganhar algo mais para a compreensão da ciência moderna, e assim, inter alia, também para a compreensão da física moderna.

Alguns meses mais tarde, em Maio, quando discorria acerca do mesmo tópico no University College, em Londres (Conferências Shearman, 1948), já me sentia bastante mais seguro. Apesar de no princípio me sentir apoiado principalmente por académicos eminentes e dedicados ao estudo da Antiguidade, como Theodor Gomperz, John Burnet, Cyril Bailey, Benjamim Farrington (…), depressa tomei consciência de que não foram o acaso nem a predilecção pessoal que me fizeram mergulhar na história do pensamento de há vinte séculos mais profundamente do que outros cientistas tinham feito, mas sim a reacção ao exemplo e à exortação de Ernst Mach. Longe de seguir um estranho interesse pessoal, eu tinha sido involuntariamente arrastado, como por vezes acontece, por uma tendência de pensamento enraizado, de alguma forma, na situação intelectual da nossa época. De facto, durante o curto período de um a dois anos tinham sido publicadas várias obras, cujos autores não eram estudiosos dos clássicos, mas pessoas interessadas prioritariamente no conhecimento científico e filosófico da actualidade; todavia todos eles tinham dedicado uma parte bastante substancial do trabalho académico (…) à exposição e à descoberta das raízes primitivas do pensamento moderno em obras da Antiguidade.

Havia a póstuma Growth of Physical Science, do falecido Sir James Jeans, astrónomo e físico eminente (…). Havia a maravilhosa Histpry of Western Philosophy, de Bertrand Russell, cujos méritos não necessito, nem aqui posso, referir como merece: permitam-me que recorde simplesmente que Bertrand Russell regista na sua brilhante carreira o facto de ser o filósofo da matemática moderna e da lógica matemática. Cerca de um terço de cada uma destas obras trata de aspectos de Antiguidade. Uma obra agradável e de âmbito semelhante, intitulada The Birth of Science, foi-me enviada praticamente pela mesma altura de Innsbruck, pelo seu autor Anton von Morl, que não é um estudioso da Antiguidade, nem da ciência ou da filosofia; teve a infelicidade de ocupar o cargo de Chefe da Polícia do Tirol, na altura em que Hitler invadiu a Áustria (…)

Ora, se tenho razão ao dizer que esta é uma tendência geral da nossa época, podem naturalmente levantar-se algumas questões: como é que surgiu, quais foram as suas causas e o que é que significa realmente? Essas questões dificilmente podem ser respondidas de forma exaustiva, mesmo quando a tendência de pensamento que se analisa remonta a um período da história que já nos permitiu adquirir uma perspectiva equilibrada da globalidade da situação humana dessa época (…)

Acredito que (…) existem duas circunstâncias que poderão servir como explicação parcial para a tendência fortemente retrospectiva dos que se preocupam com a história das ideias: uma refere-se à fase intelectual e emocional em que a humanidade, em geral, entrou nos nossos dias; a outra é a situação invulgarmente crítica em que quase todas as ciências fundamentais se encontram envolvidas de uma forma cada vez mais desconcertante.”

Obra referida:
- Erwin Schrödinger (1999). A Natureza e os Gregos e Ciência e Humanismo. Lisboa: Edições 70.

Imagem retirada de:
http://www.tcd.ie/Physics/Surfaces/images/large_pictures/Schroedinger.jpg

2 comentários:

Fernando Dias disse...

A Helena Damião foi muito feliz ao colocar este post sob o signo de Schrödinger que termina com a interrogação em relação à “situação invulgarmente crítica em que quase todas as ciências fundamentais se encontrm envolvidas de uma forma cada vez mais desconcertante.”

De facto Schrödinger é um cientista pensador paradigmático pela sua abertura não só ao pensamento dos gregos antigos como de todos os antigos incluindo os orientais.

Para nós, hoje, poder-se-ia colocar a mesma interrogação: em que bases é que aceitamos o resultado da equação de Schrödinger que permite calcular a probabilidade de uma partícula elementar se encontrar aqui ou acolá?

“ a teoria atómica moderna se precipitou numa crise sem precedentes” (in A Natureza e os Gregos)

“O sujeito e o objecto são apenas um. Não se pode dizer que a barreira que os separa tenha sido eliminada na sequência da experiência recente nas ciências físicas, porque essa barreira não existe” (in O Espírito e a Matéria)

“Mais vale não considerar uma partícula como uma entidade que permanece e, antes, encará-la como um acontecimento instantâneo. Por vezes os acontecimentos formam cadeias que dão a ilusão de ser objectos permanentes” (in Ciência e Humanismo)

Anónimo disse...

Na realidade esta errado sao tres circunstancias pesquise melhor esta errado errado muito errado totalmente errado

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