Na sequência dos meus posts “Dogmatismo, Mas de Quem?” e “O Que Fazer com os Dons Casmurros?” vamos fazer um passatempo sugerido pelo leitor Medina Ribeiro. Oferecemos dois exemplares do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, às duas melhores respostas e comentários a esta pergunta:
O que podemos fazer para potenciar a inovação académica, sem com isso abrir as portas ao puro disparate?
Contam as respostas que tenham data até terça-feira, às 23:59. O que conta é a data e hora que surge no próprio comentário, por isso fique atento à diferença entre essa data e a data do país em que vive.
Bom trabalho!
segunda-feira, 11 de agosto de 2008
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8 comentários:
O que é um disparate?
Que não se tenha medo dos erros ou dos disparates que se diz por aí ou que nós próprios dizemos.
O que trava a inovação académica é a corrupção, nomeadamente a fraude, o compadrio, o tráfico de influências e muitas vezes a extorsão. Os erro e os disparates quase não contam.
José Simões
Meu caro Desidério Murcho, posso dizer com propriedade que me sinto Desvanecido com a sua coragem em colocar esta questão.
Já dá parte do que eu penso ser uma resposta num comentário ao seu post anterior qd chama a atenção para a importância da Filosofia.
A capacidade de inovar treina-se como outra capacidade qualquer. Ela tem de ser exercitada ao longo de todo o percurso escolar em vez de ser combatida.
O ensino não deve ser dogmático mas questionante; é mais importante colocar os problemas do que ensinar as soluções.
Para mim foi muito importante ter lido uma selecção de textos de filósofos quando era estudante do liceu - que diferença profunda entre os textos originais e os resumos que do pensamento desses autores se fazia noutros livros!
Depois disso foi muito importante, crucial, ter lido textos do Einstein e do Poincaré.
Ou seja, parece-me muito importante ler textos de pessoas que buscam a resposta para questões que não foram colocadas antes.
Por outro lado, é preciso perder o medo ao disparate.
Essa é uma terrivel obsessão. Não se têm ideias «boas» sem antes se ter uma série delas erradas. As ideias erradas são o terreno onde nascem as boas ideias.
Raras são as ideias «boas», mas todas as ideias são úteis!!!!
Em determinada altura tive de ensinar «adultos» a mexer em computadores; depressa percebi que o principal problema era o medo de errar. Procurei mostrar isso às pessoas, mostrei-lhes como aprendem as crianças, os filhos deles - errando continuamente até que percebem como se deve fazer. Algumas pessoas conseguiram ultrapassar o medo de errar e aprenderam rapidamente; outras nunca admitiram que errar fosse aceitavel e nunca conseguiram dominar o computador.
Os educadores, os professores, têm de dominar o seu horror ao erro. Talvez seja uma caracteristica genética, que se desenvolve com a idade; seja como for, há que fazer um esforço consciente nesse sentido.
Quando eu comecei a minha vida profissional, existia um verdadeiro horror à mudança. Qualquer tentativa de mudar qq coisa era encarada como um insulto, um acto anarquista ou terrorista.
Isso tem vindo a ser substituido pelo oposto - o que causa horror, angustia, é demasiado tempo sem nada mudar. O mundo está em constante evolução e estar «parado» é sinal de alarme.
Da mesma forma o horror a ideias «diferentes» tem de ser substituido pelo horror à ausência de novas ideias.
Por último, temos de ter presente que «Inteligência» é um processo em dois passos: geração de hipóteses e selecção. Quem não faz «geração de hipóteses» não pode produzir «Inteligência».
Quando alguém dá uma ideia «disparatada», logo surge outro alguém a tentar humilhar; ora é esse acto de criticar quem gera uma ideia errada que tem de passar a ser criticado - uma ideia errada é frequentemente útil, a ausencia de ideias é que não tem utilidade nenhuma.
E temos de ter presente que o nosso cérebro reaje automaticamente contra ideias diferentes daquelas em que acredita. Temos de saber isso e aprender a controlar essa reacção.
Mas talvez o primeiro passo seja mesmo a academia questionar-se. Será que quer realmente inovação? Não irá isso criar instabilidade?
Não preferirá ser como o Leonardo da Vinci disse que era? Lá no fundo? Porque, lá no fundo, somos sempre movidos pelo nosso interesse; e é preciso que as condições exteriores façam com que a inovação seja do nosso interesse.
Bem, isto foram só algumas generalidades... lamento não poder nesta altura dar uma contribuição mais sólida... mas se tivesse que resumir tudo numa única frase, diria:
Experimente abrir as portas ao puro disparate e depois tente aguentar-se sem voltar a fechar as portas!
Creio que o desafio que nos lança Desidério, como disse alf, tem a restrição ao disparate a mais.
Quando nos "arriscamos" a potenciar a inovação temos de abrir totalmente as portas, porque não sabemos, seria ilógico sabê-lo, o que no novo é ou não conforme à realidade (verdade como adequatio), pode ou não construir novos mundos sustentáveis (próximo do construtivismo de Nelson Goodman).
Derrida dizia em relação à hospitalidade algo que pode interessar-nos aqui: a palavra hospitalidade está semanticamente ligada a hostilidade. Neste sentido, quem recebe generosamente deve estar consciente que o hóspede o pode sacrificar. Mas é precisamente este risco que destaca a eticidade da hospitalidade.
Mutatis mutandis, quem se dispõe a estimular a inovação deve estar preparado para que surgem muitos disparates, deve, aliás, nem sequer estigmatizá-los à partida. Em vez de exigir interpretações ou construções inéditas deve apenas abrir todas as possibilidades à EXPERIMENTAÇÃO. O tempo, como sempre, encarregar-se-á de mostrar a qualidade dessas experimentações.
Assim, os professores (talvez mais do que a academia) devem estimular para o risco de pensar diferente. Devem habituar os alunos a exporem sempre duas soluções para os problemas: 1- a tradicional (o que está dentro do paradigma epistémico dominante); 2- uma extraordinária, isto é, uma solução nova, tolerando sempre a fragilidade da fundamentação ou da metodologia.
É neste último caso que academia deve desenvolver novas ideias, quase uma nova ideologia. Se até hoje ela esteve presa a uma vontade de verdade conservadora, repetidora, deve agora, sem perder rigor (não defendo um espontaneísmo sem regras), orientar-se mais para a resolução de problemas, de novos problemas (os velhos, solucionados, podem servir apenas de exemplares).
Ora, os problemas não resolvidos estão muito mais disponíveis, num princípio eficientalista, para novas soluções do que os já resolvidos. Volta a ser uma questão lógica.
Portanto, superar as naturais resistências académicas à inovação acontecerá quando se impuser (auto-impuser) a sua abertura ao mundo dos problemas que diariamente fazem o mundo.
1) - O que podemos fazer para potenciar a inovação académica, sem com isso abrir as portas ao puro disparate?
Melhorar a formação e as condições de trabalho dos agentes dessa inovação: os investigadores (aqui incluo os investigadores estudantes e professores, ou seja, os mais novos e os mais velhos).
1.1) - Como podemos melhorar as condições de trabalho dos investigadores?
a) - Em primeiro, os investigadores mais novos, porque parece que são os que mais necessitam dessas melhorias. De facto, as condições actuais dos jovens investigadores são socialmente injustas. Pois, em geral, os estudantes que seguem investigação são aqueles que mais se esforçaram e melhores resultados obtiveram ao longo da sua carreira académica e a recompensa são salários inferiores (ou iguais), precário apoio social (nem se quer têm subsidio de desemprego!) e instabilidade profissional (são "obrigados" a mudar de país de 3 em 3 anos) - onde está a recompensa da excelência/mérito? Tudo isto faz com que alguns dos melhores estudantes optem pelo mundo empresarial em vez da investigação, e, àqueles que seguem investigação, provoca uma tal instabilidade/insegurança na vida pessoal que chega a interferir na opção de constituição de família. Portanto já vai sendo tempo de:
a.i) - Criar (mais) posições de investigação exigentes, (relativamente) duradouras e (relativamente) bem pagas. Os recentes contractos de 5 anos são um bom começo, mas é preciso dar-lhes continuidade quer na atribuição de mais contractos, quer na definição daquilo que acontece no final desses 5 anos;
a.ii) - Melhorar muito significativamente o apoio social aos jovens investigadores;
b) Agora, quanto aos investigadores mais velhos, por vezes queixam-se de que têm que dedicar muito tempo à burocracia e/ou ao ensino. Portanto, seria bom que eles tivessem que fazer apenas a burocracia e/ou o ensino realmente necessário e que, consoante as suas apetências e os seus méritos, lhes fosse dado a escolher que outros trabalhos para além da investigação têm que fazer: a burocracia e/ou o ensino (e já agora, incluamos aqui também a divulgação, que é muito importante que haja tempo para fazê-la bem!).
c) De resto, todos os investigadores desejaram melhor/mais "material" de trabalho, quer seja material de laboratório ou acesso a jornais/revistas. Isto pode parecer trivial, mas devem haver várias instituições (em Portugal) onde é difícil/impossível aceder a alguns dos mais importantes jornais/revistas.
1.2) - Como melhorar a formação dos investigadores?
a) - Melhores aulas, dadas por melhores professores:
a.i) Aulas onde se ensine e estimule os alunos a pensar e não apenas a mecanizar exercícios e decorar respostas para os exames. Aulas mais exigentes na apreensão dos conceitos!
a.ii) Aulas cujos conteúdos sejam definidos por um conjunto de especialista, com base na sua importância, relevância e utilidade e não apenas por um professor (com base nas suas preferências pessoais). Melhor articulação entre os conteúdos das diferentes cadeiras (em particular entre as cadeiras experimentais e teóricas).
a.iii) Aulas dadas pelos melhores professores. Devia haver competição entre os professores para darem as aulas e deviam ser os melhores a dá-las. E o que é feito da prometida formação pedagógica dos professores universitários! Tem que acontecer e, quando acontecer, tem que ser uma formação pedagógica séria e não de fachada!
a.iv) Mais abertura e honestidade entre alunos e professores na expressão e compreensão dos significados/sentidos, dos objectivos, das origens, dos limites e das dúvidas daquilo que estão a ensinar/aprender.
b) As aulas e professores a que me refiro no ponto anterior são as/os universitárias/os, mas é bem sabido que o problema da qualidade de formação dos estudantes vem de trás, do ensino secundário (e básico e primário). Portanto, também é preciso melhorar (e muito) o ensino nestes níveis. Mas isto é outra história. Mesmo assim, creio que as sugestões do ponto anterior também se aplicam a este níveis de ensino. No entanto, isto não é suficiente pois há outros problemas que é preciso ter em conta, mas esta não é a ocasião para isso.
1.3) - Notas finais:
a) Parece-me que uma outra medida muito importante para potenciar a inovação e a qualidade académica seria passar a dar muito mais importância à qualidade do que à quantidade de trabalho dum investigador.
b) Também me parece importante que aumente o contacto entre o mundo académico e a sociedade civil (empresas e público em geral), pois isto permitirá uma melhor compreensão mútua. Por um lado, o mundo académico poderá perceber melhor quais as necessidades da sociedade civil e adaptar-se a isso. Por outro lado, a sociedade civil perceberá melhor a necessidade/utilidade da investigação e fará mais investimentos nela (no caso das empresas) e (o público geral) compreenderá melhor e apoiará mais o (necessário) aumento do investimento público em investigação.
c) Uma última sugestão (esta mais pessoal): às vezes, quando estamos encalhados num problema, é preciso afastarmo-nos dele, irmos fazer outras coisas que gostamos de fazer. Para depois, quando voltarmos, podermos olhar para ele de outra maneira. Portanto, este parece um "remédio simpático" para potenciar a inovação: ir divertir-se com outras coisas, para ganhar novos pensamentos que nos permitam encarar um problema doutra maneira!
d) Mas pronto estas minhas palavras, são só palavras (e, para vós, provavelmente, palavras repetidas, já ouvidas/lidas noutros sítios) que, tal como todas as outras, carecem de discussão e, se aceites, só resultarão quando cada um de nós, no seu papel (estudante, investigador, professor, ministro, empresário, cidadão), as puser em prática.
Para terminar, as minhas felicitações por esta iniciativa. Esta é uma questão que diariamente passa pela cabeça de muitos investigadores e estou certo que todos eles terão boas ideias para a resolução deste problema. Seria bom que houvesse mais discussão sobre o assunto para se encontrarem as melhores medidas e que, uma vez encontradas, estas fossem colocadas em prática.
Parece que estamos todos em grande consonância. Mas o dionísio disse uma coisa muito importante, que eu tenho tentado explicar noutras ocasiões mas nunca fui compreendido. É o seguinte:
há sempre pelo menos duas possiveis interpretações para todo o resultado observacional ou experimental!
E, mostra-me a experiência, a primeira que nos vem à cabeça é normalmente errada. Procurar encontrar sempre pelo menos duas explicações é meio caminho andado para inovar, para fazer grandes descobertas e para adquirir um «insight» dos fenómenos inatingível doutra forma.
E ainda frisando o que diz o dionísio, eu lembro-me da minha experiência na área tecnológica. Uma empresa tecnológica tem de inovar constantemente, se não o fizer fecha as portas. Quem trabalha nesse ambiente respira inovação. Estive numa onde um colega escreveu um cartaz que dizia "estão proibidos os desvios criativos de qualquer espécie"; afixava esse cartaz em alturas em que uma encomenda especial obrigava a um grande esforço de produção (a empresa concebia e produzia equipamentos); mas isso era a excepção, motivadora de risos, o resto do tempo era virado para a inovação.
A inovação é tão entusiasmante e viciante que tinha de mandar as pessoas para casa porque elas não queriam sair do trabalho; às vezes esqueciam-se mesmo de ir a casa, ficavam a noite toda «só a fazer mais um teste» a um qualquer circuito ou programa. Inovar gera uma extraordinária sensação de realização pessoal. As pessoas vivem entusiasmadas e partilham esse entusiasmo umas com as outras.
Mas a Academia não é pressionada para inovar; as empresas têm um mercado que tem problemas a resolver e é fácil traçar objectivos de inovação: mas e a Universidade? Eu não sei responder a essa pergunta. Tenho a sensação de que falta um enquadramento que solicite a inovação na Universidade, e que a inovação que existe resulta apenas de esforços individuais. Parece-me que falta um enquadramento e um projecto colectivo. Ao contrário de uma empresa tecnológica, a universidade não depende da inovação para sobreviver, ela tem outra missão, a de organizar, transmitir e disponibilizar o conhecimento; e esta missão basta para a justificar.
A inovação na universidade parece-me surgir assim da necessidade de afirmação individual, é uma necessidade dos indivíduos e não da instituição.
Portanto, uma sugestão que me ocorre é o maior desenvolvimento de projectos de investigação colectivos e que a universidade mantenha uma cultura de orgulho pelos sucessos conseguidos. Como fazem as empresas tecnológicas.
Caros leitores
Obrigado a todos pelos comentários, alguns dos quais bem esclarecedores e merecedores de discussão e atenção. Hesitei entre três de vocês, mas como só temos dois livros, tenho de fazer uma escolha difícil.
Considero que os melhores comentários são os do Alf e do r, mas todos os comentários me parecem importantes e interessantes. Peço ao leitor r para libertar o seu perfil para eu poder contactá-lo por email, com instruções sobre o recebimento do Dom Casmurro, oferta do Sorumbático Medina.
Espero que tenham gostado e espero que continuem a discussão. Eu próprio direi alguma coisa sobre isso num post futuro.
Pede-se aos vencedores que, até domingo (17 Ago 08), escrevam para medinaribeiro@iol.pt indicando morada para envio dos livros.
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