Há uma tendência para fazer críticas à "razão" ou à "razão lógica". Muitas vezes, essas críticas são meros disparates. Vejamos porquê.
O racionalismo não é uma crença absoluta na “razão lógica”; na verdade, a expressão “razão lógica” nada quer dizer. Quem não conhece a lógica, por exemplo, não faz a mínima ideia de como é possível pensar sem usar o princípio do terceiro excluído, ou da não contradição. Para saber como se faz essas coisas é preciso estudar lógica. Além disso, a avaliação crítica e cuidadosa de todas as ideias é precisamente o que se faz quando não deixamos adormecer o intelecto por palermices tonitruantes, pelo que é absurdo pensar que alguém que seja racional aceita a racionalidade sem nada se perguntar sobre o que ela é ou quais os seus limites. Se alguém quiser estudar a racionalidade e os seus limites tem uma ampla bibliografia à sua disposição, mas quem escreve essa bibliografia não são gurus que exigem dos discípulos apenas a repetição acrítica de mantras.
Ninguém provavelmente alguma vez defendeu que tudo é explicável pelos seres humanos, pela simples razão de que é evidente que somos tolos e muitíssimo limitados. Mas nenhuma conversa sobre os limites da racionalidade pode ter como conclusão legítima a ideia de que há um acesso privilegiado à verdade que só algumas pessoas têm e que é “diferente” da maneira normal como todos sabemos se está ou não a chover ou em quantos pedaços podemos dividir um bolo para toda a gente ficar com o mesmo. A falácia aqui é sempre a mesma: criticar o raciocínio com o fim de fazer parar todo o pensamento e preparar as pessoas para toda e qualquer palermice que se reivindica infalível e como tal insusceptível de crítica.
É incoerente criticar quem tem uma crença injustificada nos poderes da razão, ao mesmo tempo que se defende que há ideias que não carecem de justificação — as nossas preferidas, ou as mais bonitas, ou as dos autores que preferimos porque têm bigode ou porque são carecas. Eu também sou careca, mas o que eu digo não é divino e deve ser cuidadosamente criticado pelas pessoas. Se é mau — e é — ter uma crença injustificada nos poderes absolutos da razão, também é mau ter uma crença injustificada nos limites da razão. E se é mau ter crenças injustificadas em geral — e é —, então o tipo de trabalho cuidadoso que temos de fazer é pensar articuladamente, sofisticadamente, deitando mão de tudo o que nos possa ajudar a ver com mais clareza — em vez de deitarmos poeira lexical para o ar, para depois qualquer tolice retrógrada e muitas vezes fascista soar como a Verdade Final.
sábado, 23 de agosto de 2008
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7 comentários:
Caro Desidério,
Nem só de proposições racionalmente justificadas vive o ser humano.
Um abraço,
Alfredo
Pois não. Só que isso é completamente irrelevante para o que eu escrevi. As pessoas precisam de água, por exemplo. Mas isso nada tem a ver com o que está em causa.
Desidério:
O acesso privelegiado à verdade é justificado pela fé. Melhor dizendo. Essas verdades que a razão não consegue justificar, são justificadas - para aqueles que acreditam nela - pela fé.
A fé é uma tipo de crença que a razão não consegue explicar. Pelo menos eu não conheço esses estudos.
Ainda assim, se a fé pode ser melhor que a razão em algum ponto, é no facto que as pessoas podem dormir mais tranquilas tendo fé em Deus do que buscando razões através da ciência.
Renato, uma coisa é justificar algo à toa, outra coisa é saber se essa justificação é boa ou aceitável. Justificar algo pela fé só é aceitável se a própria fé for justificável. Se não houver razões para pensar que a fé é justificável -- se as pressoas têm fé só porque estão a sonhar alto, porque gostariam que existisse um deus -- então, justificar seja o que for pela fé não é aceitável.
Isto conduz-nos, pois, a um dos temas centrais da epistemologia da religião: saber se a fé é justificável ou não. Plantinga e Swinburne têm trabalhos importantes sobre isto, defendo o primeiro uma tese arrojada chamada "epistemologia reformada".
Estamos a falar de que razão: pura, impura...?
Fico bastante surpreendido que uma pessoa que debata um tema destes escreva «na verdade, a expressão “razão lógica” nada quer dizer»... ponto.
Este senhor Desidério (com todo o respeito), acho que teria grande sucesso na literatura, pois tem bastante verve e escreve bem (sintaticamente), mas quanto ao «pensamento» em si, é muito fraquinho - no fundo, e desculpem a arrogância, o que faz é deitar «poeira lexical para o ar», enredado num labirinto de conceitos e teorias de que perdeu o fio de Ariana.
Esta para a razão a feminista e a razão lógica a feminina.
Dou fé que as duas são mulheres!
Querido Desidério Murcho a tolice nem é má, nem assombra.
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