sexta-feira, 1 de agosto de 2008

LIVROS PARA AS FÉRIAS



Minha habitual crónica no "Público" de hoje:


Os livros costumam dividir-se convencionalmente em ficção e não-ficção. Mas há alguns que, embora parecendo não ficção, são pura ficção. Agora que é Verão, os escaparates das livrarias mostram com particular destaque vacuidades como, por exemplo, O Segredo (Lua de Papel) de Rhonda Byrne, que não cai dos “tops”, A Sabedoria de Oprah (Ésquilo), de Lisa Ashton sobre a famosa apresentadora norte-americana e Mais Luz (Pergaminho), de Alexandra Solnado, cujo delirante subtítulo Pergunte. O Céu Responde chega para mostrar que os vendedores de ilusões nacionais conseguem competir com os estrangeiros. Não ficção serão, espero, os livros de descontos, como Goodlife! The Discount Book (Livros do Brasil), novidades “literárias” muito apropriadas para os tempos de vacas magras.

Em contraponto, venho propor meia dúzia de títulos recentes, verdadeiramente de não-ficção, que poderão alimentar o espírito nesta época estival. Podem não estar nas montras nem ilustrar os prospectos, mas não deixam por isso de ser boas escolhas de Verão. Já percebeu o estimado leitor que não penso que as férias sirvam só para ler ficção. Agora que os dias são maiores, há mais tempo para nos embrenharmos em páginas que anseiam pela nossa atenção. Os livros escolhidos, que aparecem por ordem alfabética do último nome do autor, têm em comum, com uma única excepção, o facto de serem conjuntos de pequenos textos que se podem saborear devagarinho.

- Ana Paula Arnaut (edição), Entrevistas com António Lobo Antunes. 1979-2007. Confissões do Trapeiro, Almedina.

Dizem que há uma partição entre os leitores de Saramago e de Lobo Antunes. Se há não terei dúvidas em declarar a minha pertença ao segundo grupo. A visão sábia e o humor desconcertante do escritor galardoado no ano passado com o prémio Camões surgem neste volume de entrevistas - a jornalistas como Fernando Dacosta, Luís Osório ou Adelino Gomes - que a professora da Universidade de Coimbra compilou.

- Nuno Crato, A Matemática das Coisas. Do papel A4 aos atacadores de sapatos, do GPS às rodas dentadas, Gradiva.

O matemático, divulgador de ciência e incansável lutador pela educação nacional, que viu a sua acção recentemente premiada a nível europeu, troca aqui por miúdos alguns dos segredos da matemática. Com aquilo a que o júri internacional chamou o “estilo Crato”, a matemática deixou de ter segredos.

- Bjorn Lomborg, Calma! Uma visão revolucionária sobre o ambiente e o mundo, Estrela Polar. Da pena de um estatístico, cientista do ambiente e um dos cem maiores intelectuais do mundo (segundo as revistas Foreign Policy e Prospect) que já antes tinha irritado muitos ambientalistas com O Ambientalista Céptico, este livro, dedicado às gerações futuras, é o indispensável contraponto às ideias feitas por Gore e outros sobre o aquecimento global. Só peca pela capa, sensacionalista demais para o meu gosto.

- George Orwell, Por Que Escrevo e Outros Ensaios, Antígona. Numa tradução muito cuidada do filósofo Desidério Murcho, reúnem-se aqui alguns textos essenciais do que foi um dos maiores ensaístas do século XX. Porque escreve Orwell? “Escrevo porque há uma mentira qualquer que quero denunciar”.

- Edgar Allan Poe, Histórias Escolhidas por um Sarcástico, Saída de Emergência. Num excelente grafismo e numa boa tradução de José Manuel Lopes, este volume reúne, ao lado de algumas histórias ficcionais, deliciosos ensaios de índole sarcástica de um dos meus autores oitocentistas preferidos, mais conhecido pelas suas obras de terror e policiais.

- George Steiner, Os Livros que não Escrevi, Gradiva. Este novo ensaio do que é hoje um dos maiores intelectuais em todo o mundo (que só por engano não aparece na lista dos cem maiores intelectuais) é de leitura compulsiva, ensinando-nos que por vezes tão importantes como os livros que se escrevem são os que não se escrevem.

7 comentários:

AnaGF disse...

Boas sugestões, obrigada!

Desidério Murcho disse...

Obrigado pela escolha do Orwell, Carlos!

Jorge Oliveira disse...

Eu teria aconselhado o livro de Marlo Lewis Jr. "A Ficção Científica de Al Gore".
É um trabalho excelente de desmistificação do livro/filme "An Inconvenient Truth".

Filipe Moura disse...

Caro Carlos Fiolhais, se me permite, acho que está mesmo a dar demasiada importância àquela "lista" da "Foreign Policy e Prospect" ou lá o que é. (Mas o que é um dos "maiores intelectuais do mundo"?) Já o Ricardo Shciappa tinha dito (e bem) que só o facto de incluir o Lee Smolin lhe retirava grande credibilidade. A inclusão do Bjorn Lomborg só o confirma. Parece-me mais uma lista de individualidades "politicamente incorrectas" e com grande projecção mediática, maior do que a sua efectiva relevância científica. Deve ter sido essa projecção mediática o principal critério para estabelecer essa lista. Só lá falta o João Magueijo!
Desejo um Agosto muito ortodoxo a si e a todos os membros do De Rerum Natura.

JSA disse...

Subscrevo um pouco o comentário do Filipe Moura. Acrescento que o próprio Carlos acaba por desvalorizar a lista ao referir que não inclui George Steiner. Se o Carlos valoriza uma obra por ser d eum autor da lista, como é que pode desvalorizar a lista logo a seguir ao se lamentar por outro autor dela não constar?

Mercè Piqueras disse...

(Una vez más siento no poder expfresarme en portugués.) Aplaudo la elección de Orwell, un autor que nunca pasará de moda. Y aprovecho para informar de que el 9 de agosto se inicia la publicación "online" de su diario personal en forma de blog:
http://tinyurl.com/5a326x

Estuve en el comité evaluador del Premio Europeo de Comunicación Científica y quedé admirada del trabajo de divulgación de Nuno Crato. ¡Qué lástima que en España no se conozca su trabajo!

En cuanto a Bjorn Lomborg, no es un investigador en ciencias ambientales (el 2004 era un profesor asociado de ciencias sociales en la Universidad de Aarhus) y yo no me atrevería a considerarlo uno de los mayores (ni siquiera menores) intelectuales del mundo.

Lomborg es un hombre muy inteligente, que ha sabido sacar un gran beneficio de sus libros. En "El ecologista escèptico" utilizaba argumentos que convencían fácilmente, pero que no resistían un análisis profundo. Usaba estadísticas y datos que favorecían su tesis y consideraba sesgadas o erróneas las que le eran contrarias.

El 2004, en el Congreso Mundial de Periodismo Científico, en Montreal (Canadá) asistí a un debate entre Lomborg y David Schlinder, un ecólogo (un científico, no un ecologista). Lomborg al principio se mostraba muy seguro, pero al final se impuso la razón y Schindler, que estaba de acuerdo con algunas de las ideas de Lomborg, fue mostrando los errores en las deducciones del danés o en las extrapolaciones que no tenían en cuenta factores que podrían alterar los valores considerados.

No conozco este libro más reciente de Lomborg, pero el primero parece más de ficción que de ciencia.

jpt disse...

obrigado, dá a conhecer algumas edições a procurar. Apenas um senão, para quê a estafada clubice ALA-JS?

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