segunda-feira, 25 de agosto de 2008

A génese das actuais ordens profissionais


O nosso habitual colaborador Rui Baptista volta ao tema, que sabemos polémico, da Ordem dos Professores:

“Entre a ordem e a sua execução há um abismo” (Ludwig Wittgenstein)

No meu post de 3 de Agosto passado A (Des)Ordem dos Professores apresentei razões para discordar do facto de o exercício da função docente não satisfazer os princípios que devem presidir ao conceito de profissão liberal, ainda que stricto sensu.

Acresce que sempre que surge a polémica a propósito da criação de uma futura Ordem dos Professores, surge, também, invariavelmente o argumento de que esta forma de organização profissional enferma de cumplicidade com o regime político deposto em 25 de Abril de que colho, como exemplo, um artigo de opinião do Professor Vital Moreira onde escreveu que as ordens profissionais “têm proliferado no nosso país apesar de terem a sua origem no sistema corporativista do Estado Novo” (“Público”, 5 de Julho de 2005). Ainda nesse jornal, em 22 de Julho desse ano, chamei a atenção para a evidência de “a Ordem dos Advogados ser anterior à Constituição Portuguesa de 33 que estabeleceu o regime corporativo no nosso país”. Escassos dias depois (26 de Julho), acrescentou Vital Moreira, no mesmo periódico, que “a Ordem dos Advogados foi criada num dos primeiros governos da Ditadura que precedeu e preparou o Estado Novo, sendo depois integrada na organização corporativa juntamente com as demais criadas”.

Em face desta dualidade de posições sobre a génese das ordens profissionais portuguesas, escoro-me nos seguintes argumentos:

1.º - A Ordem dos Advogados foi criada sete anos antes da implantação do Estado Novo, através do Decreto n.º 11.715/26, de 12 de Junho (site da Ordem dos Advogados: ‘Resumo histórico da Ordem dos Advogados’).

2.º - As Ordens dos Advogados, dos Médicos e dos Engenheiros ‘foram depois representadas, pelo decreto-lei 24.083, de 27.XI.1934, na Organização da Câmara Corporativa, representação que só a Ordem dos Advogados repudiou por considerar deprimente, da sua corporação, a subordinação’ (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 1936-1960, vol. XIX, p. 557).

3.º - Ainda na referida enciclopédia, é aditado que ‘todas as três ordens funcionam, mas somente a dos Advogados continua excluída da Câmara Corporativa’”.

Apesar da proliferação a que se assiste hoje de ordens profissionais (e de outras na forja), ainda persiste a ideia de que todas as anteriores a 25 de Abril foram geradas no ventre licencioso do Estado Novo. Esta como que uma espécie de ultima ratio a que se agarram em desespero de causa os sindicalistas que se arrepiam só em ouvir falar da criação de uma Ordem dos Professores como instituição dignificante do exercício docente e reforço de garantias de um ensino em mãos de profissionais com as devidas habilitaçõs académicas e com responsabilidades arroladas num código deontológico próprio que lhes defina os deveres profissionais e sancione o seu eventual não cumprimento.

Em período de intensa e prolongada agitação laboral e tensão social desgastante, em que se contam espingardas sindicais e se estabelecem acordos ocasionais que fariam corar de vergonha o próprio Fausto, assumem-se publicamente como opositores à criação de uma Ordem dos Professores algumas organizações sindicais com destaque para a Fenprof e para a Federação Nacional do Ensino.

Com excepção das acções em prol de uma Ordem dos Professores a cargo do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados e da Associação Nacional de Professores (esta última uma organização profissional não sindical, como ela própria se define), o desacordo, ou mesmo o receio, das estruturas sindicais em relação à criação dessa associação pública, é tanto mais desmedido por a Constituição Portuguesa, no seu artigo 267, n.º 4, estabelecer expressamente que “as associações públicas só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas, não podem exercer funções próprias das associações sindicais e têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos”. Ou seja, nunca a César o que não é de César!

3 comentários:

Armando Quintas disse...

algumas notas: o corporativismo é bem anterior ao estado novo, provem da idade média, a exemplo disso temos as corporações de oficios ou as chamadas guildas, consoante a terminologia, estão amplamente estudadas e discriminadas na abundante documentação da época.
Antes do estado novo já existia corporativismo, no entanto o que o estado novo fez foi organizar a sociedade de forma corporativa.
Há dois tipos de corporativismo aqui em discussão, o do estado novo, que servia pura e simplesmente para o regime dominar as profissoes, e o corporativismo actual, que serve para se manterem os privilégios dos profissionais das ditas ordens.
Pessoalmente não concordo com o modelo de corporações actual e considero-o inconstitucional, devido a essas entidades terem usurpado funções pertencentes ao estado, funções essas que agora lentamente têm vindo a ser recuperadas pelo mesmo, como por exemplo reconhecer ou não cursos do ensino superior bem como exames na ordem ou entradas automaticas, o problema é que não se sabe navegar no meio termo, ou o estado deve ser o pater familias de todos e é ele que manda ou então são as ordens que mandam quase mais que o proprio estado e só falta aprovarem ou reprovarem a abertura de cursos nas universidades.
A ordem profissional deve atender à qualidade da profissão e à formação integra e correcta dos seus profissionais, sem contudo exercer funções que não lhes pertencem, alem do mais não devem ser centros de interesses obscuros e capa de protecção para negligencias dos seus profissionais, não podem funcionar como verdadeiras mafias como têm funcionado sobretudo a ordem dos advogados até aqui.

Rui Baptista disse...

Caro Armando Quintas: Grato pelo seu lúcido comentário. Sei eu bem que as ordens profissionais têm um passado que remonta à Idade Média. Todavia, foi meu principal intuito reportar-me às ordens profissionais do "nosso tempo", sem sobre elas lançar o opróbrio de todas elas terem sido criadas durante avigência do Estado Novo. Esse o principal intenção do meu post. Bem basta os defeitos que lhes atribui (e como os quais eu concordo, em parte) e que fazem parte da própria imperfeição humana.

Aliás, a inconstitucionalidade das ordens profissionais existentes, e de outras a criar no futuro, foi levantada após o 25 de Abril sem que vingasse a tese.

Numa coisa estamos em perfeita consonância, quando escreve: "A ordem profissional deve atender à qualidade da profissão e à formação íntegra e correcta dos seus profissionais (...)". Julgo que o cumprimento de um código deontológico serve não só para atribuir direitos como para impedir o não cumprimento de deveres inerentes a esses direitos. Infelizmente, julgo pecha nacional atribuir os direitos para nós e os deveres para os outros. Ou seja, o mal não está nas ordens profissionais, mas no mau uso que delas se faz ou podem fazer.

Agora o que me parece mal é não discutir os asuntos como se houvesse temas tabus. Venham, pois, comentários a favor e contra a criação de uma Ordem dos Professores. A proletarização da função docente que desce à rua unicamnte para exigir condições laborais (vencimentos, horários de trabalho, etc.) não me parece cumprir cabalmente as necessidades de uma profissão exigente na qualificação dos seus profissionais e no destino que lhes é cometido no desenvolvimento cultural, social e político do país. Que fique bem claro: a existência de uma ordem profissional não colide com a necessária existência de sindicatos.

Elisa disse...

Olá! Estou fazendo uma pesquisa de mestrado sobre a influência de uma associação no desenvolvimento profissional de seus associados. Fazendo uma busca na internet me deparei com este blog muito interessante!!! Gostaria que vc me ajudasse com bibliografia referente a gênese das associações pra que eu possa enriquecer meu trabalho.
Atenciosamente,
Elisa

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