Penso que a divulgação da ciência, da história, da filosofia, da literatura é importante, pelo menos por duas razões.
Em primeiro lugar, porque muitas vezes o ensino formal é muito mau. Lembro-me de aulas de ciências absolutamente mentecaptas, mas lembro-me também de excelentes livros de divulgação científica, como os de Carl Sagan, Jorge Buescu, Carlos Fiolhais, ou Nuno Crato. Por outro lado, as pessoas passam por vezes pela escola numa altura em que não têm ainda apetência para certas coisas, a que mais tarde darão mais valor. É importante satisfazer a curiosidade dessas pessoas, formá-las e informá-las.
Em segundo lugar, porque toda a escolha baseada no desconhecimento é na realidade uma mentira. As pessoas não escolhem geralmente a homeopatia ou a astrologia; apenas não têm a mínima noção do que distingue a ciência do estupro intelectual. Não fazem ideia do que é investigar as coisas seriamente, por contraste com fingir que é verdade o que gostaríamos que fosse verdade. É importante fazer divulgação porque é importante dar liberdade de escolha às pessoas.
Pessoalmente, não me afecta muito se a generalidade da população acredita ou deixa de acreditar na alquimia, na numerologia, no exorcismo, na astrologia, no criacionismo ou no Pai Natal. Preferia que não houvesse tanta gente a acreditar nessas e noutras coisas, mas desde que não me chateiem muito, não me afecta. Mas parece-me que não devemos esquecer as pessoas que acreditam em tolices porque nunca ninguém lhes disse, com distanciamento e imparcialidade, que são tolices e porquê. Talvez eu esteja enganado, mas dado que os conhecimentos que tenho resultam na verdade de uma longa cadeia generosa de pessoas que me ensinaram o que sei, parece-me que tenho algum dever de partilhar esses conhecimentos com os outros. E se os outros estão sedentos desse conhecimento, vale a pena perder algum tempo com isso, mesmo que pareça que não estão sedentos -- este é um daqueles casos em que só depois de beber nos apercebemos de que estávamos realmente sedentos.
sexta-feira, 22 de agosto de 2008
Divulgação, ensino e sociedade
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10 comentários:
Concordo inteiramente com a linha de raciocinio, mas devo dizer que há muita gente que prefere a certos estimulantes ao saber, nesta nossa sociedade os intelectuais ainda são encarados como os "cromos" os "tótós" cuja imagem do cinema fez ora tender entre o cientista louco à imagem de einstei com a sua cabeleira, ou jovens timidos, de aparelho, oculos fundo de garrafão, fechados no quarto mas sem contacto com o mundo e acanhados sobretudo em relação ao sexo oposto onde perdiam sempre para os membros viris do desporto rei, nos EUA o futebol americano.
O porque destes esteriotipos e destas preferencias?
O que eu vejo é há muita gente que pura e simplesmente não quere aprender, prefere viver na mentira a que chamam realidade, são os perfeitos alienados de um hipotetico cenário horweliano.
Falta de estimulo em idade precoce?
A Filosofia tem, desde o movimento Aufkärung, a missão de desconstruir os mitos e ilusões que permanecem no ser humano. Crenças sim (não seria possível viver sem elas), mas controladas pelo "tribunal da razão", como queria Kant.
Apesar disso, o racionalismo (uma espécie de crença absoluta na razão lógica) também constituiu alguns mitos. O principal, ainda com muitos créditos, é o de que tudo é explicável a partir do raciocínio humano. Outro bastante importante, é o de que se aliarmos a tecnologia à ciência os problemas práticos do ser humano, das doenças à crise energética, serão mais tarde ou mais cedo resolvidos. Também acredita que conhecer racionalmente o mundo e o homem desenvolve os valores morais bons. Como dizia Nietzsche em O Nascimento da Tragédia: "O optimismo teórico [traduzido hoje por racionalismo] acredita não apenas que pode conhecer o ser como ainda corrigi-lo."
Gosto muito dos conceitos, das explicações lógicas, dos raciocínios inteligentes, mas não retiro todos os limites à razão. Pensar que tudo pode ser explicado racionalmente não passa de uma crença.
A maioria da juventude actual consegue saber tudo se se conseguir resumir numa mensagem de telemóvel ou num jogo, tá meu!
Em séries televisivas também é possível, se as enchermos de imberbes "louras", vestidas com os fatos das irmãs mais novas, em poses dignas das revistas cor de rosa, tipo Morangos e similares.
Felizmente isso é apenas a maioria da juventude pelo que temos que cuidar daqueles que querem saber alguma coisa e que lutam por atingir níveis intelectuais dignos do ser humano e não dos primatas.
É difícil mas não é impossível, especialmente quando as políticas ajudam negativamente.
Olá.
Tenho a impressão que estamos a confundir várias coisas. Pois, todos procuramos saber e conhecer o que possa ser melhor para nós. Mas nem todos temos acesso a livros desses autores ou ser ensinados pelos melhores professores e por isso, muita gente vai procurar colmatar essa falta com toda uma série de escolhas que poderão não ser as melhores, mas que à falta de melhor, é o que procura. Dizer que não lhe afecta muita gente a crer em determinadas coisas é o mesmo que dizer que está preocupado por realmente a generalidade das pessoas realmente escolher crer nessas coisas. E como não pode andar a espalhar a melhor mensagem a essas tantas pessoas, sente-se impotente e chama tolas às pessoas por crerem no que crêem. Estamos a deixar as coisas bem piores do que estavam. É o mesmo que comparar com o ministro que diz que a violência veio para ficar. Toda a gente vai ficar bem "melhor" (pior) com esta afirmação, não?
Meu caro Desidério, pensar em círculos não leva a lado nenhum, tem de haver um início para as coisas, e esse início tem de ser claro como a água. Se não for assim, realmente, andamos aos círculos tentando preencher com ideias próprias e emprestadas os buracos que vão aparecendo no caminho. Se esse caminho já não lhe diz nada, você sabe qual é realmente o caminho a tomar.
Bem haja.
Rui, esta sua afirmação é pura e simplesmente falsa: "todos procuramos saber e conhecer o que possa ser melhor para nós". A generalidade das pessoas está muito mais preocupada em onde vai passar férias, no que se passa na telenovela ou nos jogos olímpicos do que em procurar saber seja o que for. E as pessoas têm o direito de ser assim. Têm o direito de dedicar a maior parte das suas vidas a frivolidades; qual é o problema? O importante é que quem quer realmente conhecer melhor as coisas, quem tem interesse no conhecimento, tenha oportunidades para desenvolver esse interesse. É para essas pessoas que se faz divulgação; não faz sentido tentar enfiar a ciência, ou a filosofia ou a história ou a música erudita pela garganta abaixo de quem se interessa mais por cerveja, jipes, roupas de marca ou passatempos.
Vejamos, se a generalidade das pessoas está muito mais preocupada em onde vai passar férias, no que se passa na telenovela ou nos jogos olímpicos, o que foi realmente que as levou a estar mais preocupada com essas coisas? Como eu falei, é importante ver o início e isso realmente a generalidade das pessoas não pensa mas não deixa de reflectir como iniciou a sua forma de ver as coisas. No entanto, mesmo nestas situações, a generalidade das pessoas procura saber ou fazer o melhor para elas: as melhores férias, a melhor telenovela, ou as modalidades olímpicas com os melhores atletas. Ninguém faz as coisas por fazer e mesmo os que dizem que fazem, têm uma intenção de as fazer por acharem que assim é melhor para eles. Para tudo há explicação e no entanto, quando a explicação não se adequa à forma de ver as coisas de alguém, esta é rejeitada em favor de outra melhor. Agora, como disse, andar em circulos não leva a lado nenhum. Mas há quem ache que sim, e isso não deixa de ser o melhor para essa pessoa. Se observamos o início do pensamento dessa pessoa, veremos a explicação para que tal aconteça. Ou é sim ou sopas, não há nada no meio ou neutro como muitos querem mostrar.
Rui, parece-me que está a pressupor duas coisas.
Primeiro, que se as pessoas se preocupam com frivolidades, é porque estão mal informadas ou foram mal formadas. Isto é um tique de muitos intelectuais que têm dificuldade em compreender que a maior parte da população não é igual a eles. A generalidade das pessoas está-se pura e simplesmente nas tintas para algo mais complexo do que um jogo de futebol. E têm esse direito. E esta pessoas são a esmagadora maioria da população.
Segundo, o Rui está a pressupor que as pessoas escolhem sempre o melhor para si mesmas. Isto é falso. Só seria verdade se fôssemos omniscientes, mas não somos. Grande parte das nossas vidas é dedicada a tentar corrigir más escolhas que fizémos no passado.
A minha mensagem simples é esta: o divulgador tem o dever de dar a conhecer coisas às pessoas que de outro modo não conheceriam. Mas compete às pessoas escolher essas coisas ou rejeitá-las e temos de respeitar tanto uma coisa quanto a outra. Por exemplo, eu acho que tenho o dever de esclarecer as pessoas que muitos filósofos encaram Heidegger ou Foucault como filósofos completamente desinteressantes, e Lacan como um impostor intelectual. Agora se as pessoas concordam ou não com isso é lá com elas, e se querem continuar a estudar esses autores tudo bem. O mesmo acontece com a bruxaria ou a religião ou o exorcismo. Eu tenho o dever como intelectual de informar as pessoas que muitos filósofos, cientistas e intelectuais pensam que essas coisas são puras palermices. Mas compete às pessoas abraçar essas palermices ou não, conforme quiserem.
Caro Desidério, o que o faz dizer o que diz? E porquê que o que diz faz parte do seu dever? Quem lhe incutiu esse dever? E o que procura obter com isso?
O divulgador tem o dever de divulgar no mesmo sentido em que um taxista tem o dever de transportar as pessoas de carro. Mas é óbvio que se as pessoas não forem divulgadoras, não têm tal dever.
Pode-se perguntar por que razão algumas pessoas dedicam tempo a divulgar história, filosofia, física, biologia, astronomia, matemática ou química. Provavelmente, diferentes divulgadores terão diferentes respostas. Quando perguntei à mulher do Carl Sagan por que razão ele fazia o que fazia, ela respondeu-me que ele sentia que muitas pessoas que poderiam gostar de ciência não gostavam por falta de informação e formação adequada. Esta é uma boa razão para ser divulgador. Outra boa razão para ser divulgador é que seja quem for que sabe seja o que for só o sabe porque outras pessoas divulgaram esses conhecimentos; por isso faz sentido quando chega a nossa vez sermos nós a fazer essa divulgação.
Quanto à questão de saber por que razão eu digo o que digo, não sei a que se refere do que eu disse! :-)
Desidério, a questão que me apresentas é muito vaga e pode ser dada a muitas interpretações. Uma pessoa fazer as coisas porque é dever, parece ser algo que força as pessoas a fazer o que têm que fazer. E se força, então poderá quem não queira receber. Outros fazem as coisas porque sentem que não há informação passada. Mais uma vez, poderá ser algo forçado nas pessoas que recebem que o fazem porque alguém sentiu que necessitavam de informação. Ou seja, a intenção não foi nada racional, mas sim emocional a resposta dada por quem procura divulgar a informação. No final, vejo que tudo não passa de emoções a dominar sobre a razão, se realmente tudo não passa de deveres sem que haja uma resposta racional para que esses deveres sejam devidamente cumpridos, ou um sentimento que falta algum tipo de informação em determinada franja da sociedade. Quando lhe perguntei sobre o que o faz dizer o que diz, era no sentido de perceber de onde você parte para dizer o que diz. (Não lhe perguntei porque razão você diz o que diz, mas o que o faz dizer o que diz). Simplesmente dizer que tal autor ou tal prática é repugnante porque você diz que é devido à experiência que tem, ou conhecimento adquirido não faz as coisas ficarem melhores pois a maior parte da humanidade não tem possibilidade de ter essa sua experiência ou conhecimentos. No entanto, se as questões tiverem um começo bem definido e sólido, é possivel que se possa ouvir quem fala, ficar convencido e serem-lhe acrescentado tudo o resto que precisa para viver. As emoções ficam para segundo plano. Os deveres também.
Fica bem.
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