sábado, 30 de agosto de 2008

Ciência imparcial?

Poderá a investigação científica ser realmente imparcial? A resposta óbvia é que não pode ser inequivocamente imparcial porque a ciência é feita por seres humanos e instituições humanas, que estão sujeitos à habitual cegueira facciosa.

Mas há uma grande, uma imensa diferença entre ver que a ciência, como tudo o resto, não pode ser inequivocamente imparcial, e celebrar esse facto alegremente. Isto é o primeiro passo para o totalitarismo; se tudo é inequivocamente faccioso, até a ciência, então eu tenho o direito de defender com unhas e dentes os meus interesses, que têm uma vantagem final que nenhuns outros interesses têm: são meus. Por outro lado, qualquer análise superficial das instituições científicas mostra que estas estão em parte feitas de maneira a contrariar a parcialidade e a procurar a máxima objectividade (leia-se em português, a este respeito, o prólogo de Jorge Buescu do seu livro O Mistério do Bilhete de Identidade). Fingir que não há diferença entre as instituições científicas e as religiosas, por exemplo, só pode ser fruto de confusão mental ou do tipo de facciosismo cego que está na moda imputar à ciência.

Precisamos de estar vigilantes, de procurar a verdade das coisas, de denunciar a mentira, a prostituição da ciência para fins políticos e ideológicos. E nesta tarefa nada nos ajuda a declaração sofística, baseada em imaginadas autoridades filosóficas, de que tudo é inequivocamente faccioso e que a objectividade é um mito. Argumentar que X não existe porque não existe um X puro é o tipo de falácia contra a qual temos de estar precavidos, pois é dela que nasce a ideia pós-moderna de que devemos celebrar a ideologização da ciência, da filosofia, da história e talvez até das quecas. Do facto de ninguém ser puramente bom, não se segue 1) que não há pessoas boas, e umas mais que outras, nem 2) que devemos celebrar a maldade, a inveja, a perversidade e a pura manipulação desavergonhada, nem 3) que não devemos procurar ser boas pessoas, dentro das nossas muito humanas limitações.

6 comentários:

Jorge Oliveira disse...

Esta questão é pertinente e quando mete quecas sobe logo de interesse.

De facto, quando eu era novo dei quecas em senhoras de todas as ideologias, de esquerda e de direita, ricaças e rapariguinhas do shoping, e a respectiva ideologia nunca foi impedimento.

Curiosamnte, já me conseguia tirar algum entusiasmo aquela amiga, por sinal uma mulheraça, que era muito supersticiosa e estava sempre a falar no horóscopo e coisas semelhantes. Felizmente ela ainda não tinha lido nada do Boaventura Sousa Santos.

Victor Gonçalves disse...

"Mas há uma grande, uma imensa diferença entre ver que a ciência, como tudo o resto, não pode ser inequivocamente imparcial, e celebrar esse facto alegremente. Isto é o primeiro passo para o totalitarismo;"

A tese é então: o totalitarismo origina o relativismo.

Muito inovador este raciocínio. Normalmente, nas genealogias ou arquelogias conceptuais tradicionais, relativismo e totalitarismo são "coisas" opostas, quase incomensuráveis entre si. Digo "quase" porque alguns momentos históricos mostram que quando o relativismo conduz ao anarquismo isto é por vezes superado através de experiências totalitaristas (exemplo da 1ª República portuguesa). Mas creio que Desidério não quis trazer a racionalidade histórica para o seu argumentário.

Mas como sou um defensor da inovação filosófica aceito esta supresa paradigmática (uso este conceito em honra dos seus hiper interesses epistemológicos), embora me pareça que devesse, precisamente para justificar o cognome de "Filósofo", esclarecer melhor essa nova relação entre relativismo e totalitarismo.

Fernando Dias disse...

A uma primeira análise parece-me exagerada a afirmação quanto ao primeiro passo para o totalitarismo. Tirando isso estou totalmente em sintonia com o texto. Na hipótese de o Desidério ter razão, poderemos concluir que a filosofia em geral é sempre benéfica à ciência e a uma sociedade aberta contra os seus inimigos? Para simplificar o meu comentário, remataria com a seguinte pergunta: Este artigo terá sintonias implícitas com Karl Popper e Hannah Arendt? E nesse caso o Desidério recomenda-nos que se leia estes autores no que concerne às suas ideias acerca do totalitarismo, como complemento deste texto e para ficar mais clara que a sua afirmação não é nada exgerada quanto ao primeiro passo para o totalitarismo?

:: rui :: disse...

Eu começo pelo fim, sobre o comentário do Desidério.
O que define uma pessoa boa? Sim, como se define o que é bom numa pessoa? Onde está o padrão que define bom numa pessoa? Há pessoas que dizem-se tão boas e que no entanto, estão tão apegadas aos seus interesses próprios que fico a pensar que se realmente elas são boas, então talvez eu seja muito bom (embora pense que não). Bom? Eu? Em relação a quem? Que padrão uso?

Maldade? Inveja? Perversidade? Isso é mau? Quem diz que é mau? Quais são os olhos que definiram isto como mau? E até onde vai a maldade? Ou a perversidade? Bem, fico com tantas questões que talvez não conseguisse dormir com a falta de respostas.... simplesmente dizer que deveremos ser bons dentro das nossas limitações humanas deixa muito a dizer. Um homem pode espancar a mulher e dizer que é bom homem... a mulher até merecia! Outro pode assaltar um banco e dizer que é bom. Precisava para comer e dar aos filhos. Bom? Afinal, quem diz o que é bom? Se não temos um padrão para definir esta questão, então como poderemos desenvolver questões ou produtos que nos ajudem a resolver as nossas dificuldades. Ainda agora recebi um email de uma senhora que tirou um curso de literatura moderna... e que agora está dentro do campo do auto-conhecimento, com cursos de Reiki, e vidas passadas, e terapias várias... diz que o que ela faz é bom. Segundo alguns dos participantes deste fórum, talvez o que ela faz nao seja tão bom assim. Poderá ter começado a fazer algo bom... mas parece que neste momento, talvez já não o faça... então, o que se passou? Somos assim mesmo bons? Deveremos fomentar esta bondade em nós mesmos? Sob que padrão?

Desidério, na Bíblia, inspirada por Deus, diz que bom há só um, Deus. Mais ninguém é bom... ninguém! Todos merecemos morrer por vivermos nos nossos pecados, todos temos corações enganosos, perversos até! No entanto, Deus, na sua grande misericórdia enviou o Seu Filho, Jesus Cristo, para morrer por todos os pecadores. E só assim poderemos ser restaurados e desenvolver alguma bondade, através do Espírito Santo que vive em nós.

Eu poderia contar-lhe um pouco do meu passado... mesmo que nao me conheça de lado nenhum. Eu realmente era mau... e acha que era bom. No entanto, tinha práticas repugnantes. Nem as menciono de tão repugnantes que eram. Poderia ter recorrido a qualquer uma destas terapias para me resolver esta questão. No entanto, aceitei que Jesus morreu por mim e comecei aos poucos a ser restaurado destas práticas. Como? Através do Espírito Santo dentro de mim. Talvez não se explique pela ciência, mas o facto é que começou a desaparecer todas as vontades e vicios corruptos... E tudo, sem recorrer a drogas, medicamentos, ou qualquer destas terapias. Foi obra do Espírito Santo de Deus.

Meu caro Desidério, a ciência é sempre parcial pois tem sempre uma base em que se apoia. E isto vai afectar a forma como actuamos... e para onde caminhamos. Podemos até começar num caminho aceitável... mas Deus está cá para se manifestar a quem não se volta para Ele. E os resultados estão à vista.

Fica bem..

:: rui :: disse...

Só queria acrescentar que não estou a condenar o uso de drogas ou medicamentos testados por métodos cientificos para resolver certas questões de ordem física. Mas, a minha questão prendia-se com a ordem mental e isto, não queria colocar medicamentos a resolver algo que só iria complicar mais a questão...ou seja, talvez não resolvesse. A ciência tem dado um contributo muito positivo na prevenção e cura de muitos problemas... mas é importante conhecer o campo que vai trabalhar sob pena de se alargar a outros campos que não vai ajudar em nada a que se melhore a situação. Os limites da ciência precisam de ser conhecidos pois só assim saberemos o que trabalhar.

Gil Teixeira disse...

Meus Amigos,

Desidério Murcho talvez "alevante" uma problemática quiçá próxima do seu sobrenome, falta de viço. A parcialidade na ciência nem sequer faz sentido, uma vez que a base desta deve ser a realidade objectiva. Todavia, a putativa questão pode ser vista em dois momentos, a montante e a jusante. A montante quando se misturam uns pózinhos de subjectivismo na dita base de trabalho. A jusante quando se acrescenta o "mas" do foro pessoal ao resultado da experimentação científica. Em ambos os casos a ciência irá ficar inquinada com o magano do subjectivismo.

Veja-se, por exemplo, as viagens do eléctico espacial a Marte. Um mortal menos esclarecido sabe que naquela rocha só há rocha, e nem uma gota de água que possa ser transformada em tintol, e que nada justificava a pipa de massa que a NASA gstou em tal passeio. Outro mortal com aleijão mental também sabe que a teoria da evolução do pobre Carlos Darwin não vale um caracol furado, e que o ser humano anda a passear-se em solo terreno há roda de dez mil anos. (Só o felizardo do Metusala à sua conta papou 969 bolos de aniversário...O malandro aos 187 anos ainda molhava o bico). Base cientítica, excluindo as anedotas dos judeus? As evidências da ciência. Base acientífica? As tergiversações dos pseudo-cientistas, evolucionistas(?) e big-banguistas de serviço.

Assim sendo, a confusão com o ocultismo, ou ciências(?) religiosas como se quiser, está fora do tema, por duas ordens de razões, como dizia o velho Einstein, o chefe do universo não vai à bola com o jogo dos dados, e o mercado as religiões assenta exactamente nas heresias dos pastores, dos rebanhos e das ovelhas, o dito subjectivismo.

Moral da história, Murcho não tem razões para estar murcho, psicologicamente falando, entenda-se. A cîência, se o for, como o azeite, há-de vir sempre ao de cimo.

Abraços

Gil Teixeira
Lisboa

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