sábado, 22 de setembro de 2007

Criacionismo nas escolas irlandesas

Considerando que a Irlanda foi o berço de James Ussher, o arcebispo de Armagh que na sua obra de 1658, The Annals of the World, declarou que a Criação aconteceu no domingo 23 de Outubro 4004 a.C - e a expulsão do «paraíso» menos de um mês depois, a 10 de Novembro -, data da Criação em que acreditam piamente os criacionistas da Terra jovem, não é de espantar que os criacionistas da Irlanda do Norte tentem o que é o objectivo de todos os criacionistas: impor a todos desde os bancos da escola os disparates em que acreditam.

Na próxima semana o parlamento da Irlanda do Norte vai ser palco da discussão de uma proposta do DUP, (Democratic Unionist Party), que pretende que o criacionismo seja ensinado nas escolas. O Sinn Fein aparentemente concorda com a imbecil proposta já que a ministra da Educação, Catriona Rune, sossegou o DUP dizendo que dotará os curricula em revisão de «uma maior flexibilidade de forma às escolas incluirem o ensino de teorias alternativas à evolução».

As instituições científicas e jornalistas irlandeses ( e não só na Irlanda do Norte) já começaram não só a considerar a separação Igreja-Estado, nomeadamente no sistema de ensino, como a responder aos dislates criacionistas, anteriormente considerados uma idiossincrasia americana que nunca contaminaria solo britânico.

Assim, o 7º Conway Festival of Research da University College Dublin, que decorreu na quinta-feira 20 de Setembro sob patrocínio da Bio-Sciences, teve como estrela J. Steve Jones, do departmento de Genética da Universidade de Londres, que dissertou sobre «Why Evolution is Right and Creationism is wrong». Steve Jones, que considera o ensino do criacionismo equivalente a «iniciar uma aula de genética discutindo a teoria de que os bébés são trazidos por cegonhas», reiterou as preocupações expressas há um ano pela Royal Society em relação à posição anti-ciência dos fundamentalistas cristãos britânicos.

De igual forma, Gordon Brown começou a limpar os verdadeiros estábulos de Áugias legados por Tony Blair na Educação, nomeadamente afirmando o óbvio: que todas as versões do criacionismo são religião e não ciência e como tal não devem ser ensinadas como ciência. Claro que terá em mãos o problema das escolas públicas confessionais, muito acarinhadas por Blair e pela sua ministra da Educação, escolas confessionais que continuam a florescer - e que embora sejam obrigadas a receber alunos de outras confissões religiosas, podem rejeitar ateus e humanistas.

Como avisou no ano passado o National Union of Teachers, o sindicato que representa o maior número de professores na Grã-Bretanha, os fundamentalistas religiosos de todas as cores ganharam o controle das escolas públicas britânicas. Pode ser que Brown conceda o que pediram na altura, legislação «para prevenir a influência crescente das organizações religiosas na educação e ensino e o ensino de criacionismo ou desenho inteligente como uma alternativa válida à evolução».

Pessoalmente defendo que todos têm direito a acreditar que a Terra é plana, a Lua feita de queijo, que a gravidade é apenas uma «teoria» ou que a Terra foi criada fazem no próximo dia 23 de Outubro às 9 horas da manhã 6011 anos. Considero ainda que todos têm direito a propagandear as respectivas crenças, por mais cretinas que sejam, e delas retirar o «conforto espiritual» indispensável ao seu bem-estar psicológico e até fundar escolas (com dinheiro próprio), editar jornais e comprar canais de televisão devotados a ensinar que a Terra é plana, que o Sol gira em torno dela e assim temos dia quando o Sol está por cima da Terra e noite quando está por baixo. A acção da gravidade não deixa de se sentir porque existem pessoas que não «acreditam» na «teoria» da gravidade nem a Terra deixa de orbitar o Sol porque há quem tem «fé» no contrário! De igual forma, a vida da Terra não deixará de evoluir qualquer que seja o número de pessoas que acreditem piamente em mitologias sortidas.

Como verberou uma apoiante de Sherri Sheperd, «não há nenhuma lei que obrigue as pessoas a acreditar em algo só porque está provado e documentado», nem eu proponho que seja criada essa lei. Cada um é livre de acreditar no que quiser, por mais estapafúrdio que seja, mas as suas crenças pessoais devem manter-se afastadas das aulas de ciência das escolas públicas.

Enquanto deputado do DUP, Paul Givan não pode usar a sua posição política para impor como ciência as mitologias que ensina como cidadão nas aulas de catequese em Ravernet Mission Hall. Assim como outro eventual deputado não pode exigir que se ensine como ciência nas escolas públicas as riquissimas mitologias celtas que envolvem leprechauns, cluricauns, as batalhas de Magh Tuiredh ou os Tuatha Dé Danann!

Contrariamente ao que pretende o exorcista oficial do Vaticano, o padre Gabriele Amorth, não é verdade que «É matemático, quando se abandona a Fé, entregamo-nos à superstição», bem pelo contrário, isto é, quando se abandona a razão pela fé, escancaramos as portas à superstição e ao obscurantismo! O ataque cerrado à ciência e à racionalidade pelos fundamentalistas de «fés» sortidas que se tem verificado um pouco por todo o mundo, que resultou numa nova era de obscurantismo em que «a verdade deixou de ser importante, e os dogmas e a irracionalidade passaram outra vez a ser respeitáveis», é uma realidade que necessita ser combatida.

E, como tão bem diz o Carlos, isto não vai lá com truques de magia, muito menos de pensamento mágico! Os leprechauns da razão adormecida e a ignorância concomitante só podem ser combatidos com as velas de Sagan: educação alicerçada no pensamento crítico e racional aliada ao desfazer de mitos, fraudes, superstições e crendices.

26 comentários:

Anónimo disse...

"a Criação aconteceu no domingo 23 de Outubro 4004 a.C - e a expulsão do «paraíso» menos de um mês depois, a 10 de Novembro "

Tão pouco tempo? Eh pá. Realmente, não fomos feitos para viver em paraísos celestes.

Fernando Martins disse...

Texto excelente - eu, como católico, gostei imenso.

Palmira F. da Silva disse...

Caro Fernando:

obrigado pelo comentário :-) Fico sempre mais animada quando vejo que há crentes que não têm problemas em admitir que os criacionistas de todas as cores prestam um péssimo serviço à religião. Porque isto não vai lá com magia mas com o trabalho de todos, crentes e não crentes!

Espanta-me sempre que tantos fiquem ofendidos por se criticar o criacionismo! Não sei exactamente se por wisful thinking, o pensamento mágico do Desidério, acreditam mesmo que o problema vai desaparecer se cruzarmos os braços e permanecermos impávidos e serenos face às irracionalidades tonitruantes de uma minoria fundamentalista

CC disse...

A religião existe. Deus é que não.

Abraço.

Anónimo disse...

A teoria do "criacionismo vs. evolução" fecha a porta à busca da verdade. São dois fundamentalismos que se defrontam.

Joana disse...

Lá está o anónimo Jónatas Machado no paleio oco de advogado!

Será que ao fim de tanto tempo a ser gozado em toda a blogosfera ainda não percebeu que as tácticas bacocas de chamar fundamentalismo à ciência só convence o pessoal na catequese?

Estive a ler os comentários do post do pharyngula que a Palmira linka e fiquei parva! Há dois anos que os fanáticos do DUP (Ian Parsley, o fundador do DUP, é também o pastor fundador da Free Presbyterian Church) andam a tentar impingir o criacionismo com a converseta mole do costume. Se calhar também tinham por lá crentes como aqueles que acham que falar no criacionismo é um ataque à religião!

Mas não se pense que é só evangélicos e protestantes nesta do criacionismo: há muitos católicos na mesma onda. Esta revista jesuíta diz que a laicidade é pior que os talibans!!! Pelo menos é o que se lê quando diz que a laicidade «It is more totalitarian than any religious fundamentalism».

Acho giro que o editor Fergus O'Donoghue chame à ciência anti-clericalismo e diga que estes anti-clericais têm «tendency to view science as a solid body of thought» o que «distorts a vast and very rich field».

Todo o problema irlandês se resume à religião e à segregação religiosa nas escolas e pelos vistos está para ficar!

Palavra Alada disse...

o Mundo é mesmo um lugar estranho...

Unknown disse...

O post é excelente, para católicos e para ateias :)

Eu gostei daquela do exorcista, uma "profissão" nada supersticiosa, a queixar-se da superstição alheia :))) Parece um vidente de búzios queixar-se da crendice dos videntes de cristais :)

Não sei se sabem mas o senador americano com mais piada apresentou uma queixa em tribunal contra Deus para marcar um ponto sobre processos judiciais rídiculos. Bem, teve não uma mas duas respostas :) Uma testemunhada pelo arcanjo Gabriel e tudo. O número de telefone dum gabinete jurídico dos Corpus Christi não responde aos repórteres...

Pedro Brandão disse...

Excelente texto.
Parabéns...

LCR disse...

É verdade que o obscurantismo está de volta. Mas não me parece que tal se deva às religiões. A estupidez não é própria da religião, mas da pobreza de espírito. A mesma que paga Big Brothers. Ou populismos em política. É uma velha guerra. Importa perceber quem está de que lado da barricada, e que a divisão não passa pela religião vs. agnosticismo, mas pela exigência intelectual vs. facilitismo. Exija-se que os alunos escevam sem erros ortográficos e saiam a tabuada, argumentem em filosofia e não libertem opiniões 'criativas' por tudo e por nada, e talvez... Mas confesso: sou pessimista. As massas e o espírito nunca se deram bem.

LCR disse...

os dois erros ortográficos do meu comentário foram partidas do teclado! juro!

Anónimo disse...

Pois eu sou optimista! Se, por um lado, em pleno século XXI, e com o conhecimento da queda de tantos deuses no passado, se insiste não em acabar com eles, mas sim em substituí-los e acabar com o conhecimento científico nas escolas, por outro lado, não trocava o tempo presente por nenhum outro do passado: apesar de tudo as "velas de Sagan" nunca foram tão fáceis de acender, pelo menos aqui no blog têm ardido bem :) e espero que continuem a arder, pois são uma excelente forma de combater os obscurantismos que a nossa espécie insiste em inventar.

guida martins

Anónimo disse...

Prezada Palmira:

Se é vedade que a rir se castigam os costumes (para dar um certo ar de erudição de uma língua morta:"Ridendo castigat mores"!), acerca do despertar de um novo ser para a vida transportado de Paris no bico de uma cegonha, conta-se uma deliciosa anedota:

Duas crianças,um rapazinho e uma menina, perguntam à avó com malícia: "Avó, como é que nascem os meninos?" A avó, um tanto ou quanto atrapalhada, dá-lhes a explicação da cegonha!O irmãozito virando-se para a irmãzita, diz: "Explicamos à avó, ou deixamos a velhota morrer na inorância?"

Anónimo disse...

É um tique de tjota - e da ICAR - falar das falsas religiões, embora o deus seja o mesmo: o deus de Abrão ou Abraão [Gén, 17:5].

5 - E não se chamará mais o teu nome Abrão, mas Abraão será o teu nome; porque por pai da multidão de nações te tenho posto.
[Edição revista e actualizada, de João Ferreira de Almeida]

5 - E não te chamarás mais pelo nome de Abrão, e teu nome tem de tornar-se Abraão, porque vou fazer-te pai duma multidão de nações.
[TNM]

As tjotas causticam especificamente uma falsa religião ... Qual será ?

As religiões não passam de embustes esfarrapados, forjados por humanos ao longo de milénios.
Mas para consumo passado o "prazo de validade", que nunca tiveram ...

Anónimo disse...

Alunos de 13 - 14 anos, interrogados recentemente por mim, acham que a religião tem pouco ou nada a ver com a promoção de saúde.
Provavelmente tem, mas no sentido negativo: Quem é adepto de certas religiões tem comportamentos manifestamente contra a saúde.

A questão da laicidade e da pseudo-neutralidade do que é ensinado nas escolas públicas é complexa.
A nossa denúncia deixa de fora, esquece, as crianças de inúmeras escolas confessionais, e não devia.
Por exemplo, uma pessoa que foi imbuída, numa escola confessional, dos «valores» católicos, segundo os quais usar o preservativo é um pecado condenado pela ICAR, não terá legitimidade em processar a dita cuja instituição, no caso de vir a ser contaminada pelo vírus HIV e contrair SIDA?
Uma pessoa não é formada para a compreensão da ciência, em certas instituições, portanto não poderá seguir uma carreira científica se tiver «aprendido» as patranhas do «criacionismo». Portanto, essa pessoa não ficará defraudada porque não teve oportunidade de aprender ciência a sério e portanto ser capaz de seguir uma formação superior compatível com os seus gostos e sua vocação, por exemplo, medicina, biologia, bioquímica, etc...
Será decente o Estado manter o «paralelismo pedagógico» a essas instituições, sabendo que elas «ensinam» patranhas?
Não será isso mesmo anti-constitucional?
Como se explicam as enormes ajudas directas e indirectas de que beneficia o ensino religioso (quase totalidade do ensino privado em Portugal e noutros países está nas mãos de uma ou outra congregação religiosa, principalmente católicas): apenas pelo enorme poder dos grupos de pressão pró-religiosos que ocupam os corredores e os gabinetes do ministério da educação e de muitos sectores do estado.
Manuel Baptista

Anónimo disse...

A religião existe. Deus é que não.

Eu, que sou ateu, concordo totalmente com a subtileza deste comentário.

Cumprimentos.

André disse...

Boas

O post está muito bom. Eu acho que devia haver alguma consciência por parte de algumas pessoas antes de pensarem em fazer uma lavagem cerebral às crianças nas escolas. O problema aqui, é que antes de elas chegarem a esse nível de ensino, já sofreram essa lavagem em casa, através da família, dos amigos e dos vizinhos. Como alguém aqui já disse, as religiões não passam de embustes, forjados por humanos ao longo de milénios e ainda por cima sem prazo de validade. Se alguém achar que ensinar ciência nas escolas públicas tb é lavagem cerebral, tudo bem(embora não partilhe dessa opinião), mas devia-se apenas estimular o sentido crítico das crianças e jovens,e fazê-los questionar de modo a que quando se interessassem por algum assunto o estudassem profunda e sériamente, seja este a ciência ou a religião.
Obviamente que não estou a partilhar TUDO o que REALMENTE penso.
Mas a unica coisa que realmente critico é a seguinte: acreditem nas parvoeiras que quiserem, mas ao menos não andem a influenciarem-se uns aos outros, apenas porque, imbuídos de altruísmo, pensam que os estão a salvar de sabe-se lá o quê (aos outros e a eles também).
Sejam doidos sozinhos e matem-se sozinhos, e falem sozinhos, mas vivam e deixem morrer.

Um Abraço

Graça disse...

Cícero teria afirmado um dia que numa conversa privada, entre amigos, era perfeitamente possível negar a existência dos deuses (romanos). Mas em público, nos discursos à população, nunca!...

JSA disse...

Convém lembrar aqui uma coisa: na Inglaterra, as "public schools" são, na verdade, privadas. É um termo antigo (ver a wikipedia), mas pode causar enganos. Os ingleses não têm dúvida sobre o assunto, mas para os outros causa frequentemente confusão.

Já se as escolas privadas deveriam ser autorizadas a usar currículos próprios sem qualquer controlo, isso é outro assunto.

Anónimo disse...

Contrariamente ao que se sugere, não foi só James Usher que chegou a essas datas sobre a criação.

Isaac Newton, um dos maiores cientistas de todos os tempos, chegou a resultados muito semelhantes.

Qualquer pessoa que estude com atenção o relato bíblico só pode chegar a uma conclusão muito semelhante.

E na verdade, o carácter recente mesmo das civilizações mais antigas (a idade da civilização egípcia tem vindo a ser revista em baixa) é inteiramente compatível com o relato bíblico.

Contrariamente ao que se pensa, não existe nenhum método fidedigno de medir a idade da Terra.

Os registos históricos mais antigos de que dispomos (que contém a história efectivamente observada) têm cerca de quatro mil anos.

A partir daí cada um reconstroi o passado de acordo com a sua visão do mundo.

A extrema sintonia do Universo e a complexidade inabarcável do DNA (que contém informação e vários níveis de meta-informação) demonstram que o Universo só pode ter sido criado instantaneamente por uma inteligência sobrenatural.

Os processos naturalistas aleatórios não explicam a origem da matéria, da energia, do espaço, do tempo, da informação, da vida, da inteligência, da linguagem, da consciência, dos sexos, etc.

Se alguém quiser demonstrar o contrário, tem a palavra.

almariada disse...

A explicação do surgimento das espécies a partir de alterações de espécies anteriores não explica a criação. O que está realmente em causa é a criação do ser humano. Se tantas espécies lhe são anteriores é preciso as alterações sejam uma evolução. Afinal a humana é a espécie melhor, não é? Nisto estão de acordo evolucionistas e criacionistas.

JSA disse...

caro anónimo: o contrário já foi demonstrado cabalmente centenas (milhares?, centenas de milhar?) de vezes. Se não aceita as conclusões é problema seu.

JSA disse...

almariada: o ser humano não é melhor nem pior que outras espécies. aliás, é difícil dizer que será melhor que uma barata, que pode viver em quase qualquer ambiente. o ser humano é apenas mais um. daqui por umas centenas de milhar de anos, se não for aniquilado pelo caminho, lá irá dar noutra coisa qualquer e lá irão esses futuros seres pensar que são o pináculo da evolução (caso sejam aquilo que hoje designamos de "racionais", claro está).

almariada disse...

Falta um "que":
Se tantas espécies lhe são anteriores é preciso QUE as alterações sejam uma evolução.

almariada disse...

Ser racional é pensar que se é o pináculo da evolução? :)

JSA disse...

na minha opinião não. mas há muita gente (criacionistas, essencialmente) que estão convencidos que ser-se racional é a prova que se é o pináculo da evolução, perdão, da criação. claro que talvez possa ser verdade, mas aí resta provar que eles serão realmente racionais... :)

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