O "caso Finlândia", mais do que um "caso", foi um milagre. Usando aquilo que todos os países têm (escolas, alunos e professores, currículo e novas tecnologias), mas com menos tempo lectivo e esforço de todos, conseguiam-se resultados de aprendizagem nunca vistos em lado algum. Resultados que, note-se, não podiam ser inventados ou manipulados pois eram obtidos no jovem, mas já sacrossanto, PISA.
Ao longo de mais de uma década não havia quem não invocasse o "caso" com uma enigmática atitude de espanto e de aceitação tácita. Jornalistas e académicos procuravam, como podiam e sabiam, desvendar o segredo-receita, políticos estavam atentos para o seguir. Gente de todo o mundo fazia (talvez ainda faça) visitas-peregrinações ao local para verificar a veracidade dos números. E, sim, essa gente afiançava ter visto a luz. De tal modo assim era que nunca me atrevi a questionar as pessoas minhas conhecidas que tiveram "a experiência": qualquer dúvida que apresentasse não compensaria o risco de ser mal interpretada, afinal quem "acredita" não tem dúvidas.
O correr dos anos encarregou-se de esfumar o entusiasmo, a Finlândia foi-se apagando do imaginário colectivo e isto por diversas razões. Entre elas contam-se: o progressivo abaixamento dos resultados académicos à vista de toda a gente, estudos como o que mencionei há algum tempo (aqui) e que retomo mais abaixo, mas, sobretudo, e esse é meu modesto entendimento, a superação da ideia da escola como local de ensino e de aprendizagem.
A verdade é que, na última década, a ideia de escola-empresa, delineada pelo mentor-empresário saiu da penumbra e tomou as rédeas da política educativa. A própria OCDE, mãe do PISA, tem recomendado (leia-se, imposto) essa ideia, a qual determina as decisões de cada país que com ela colabora em matéria de educação escolar pública. E, tal como seguimos as promessas finlandesas, que enquadrámos na "educação do horizonte 2020", neste momento seguimos as promessas da "educação do horizonte 2030".
Poderíamos ter ficando mais atentos, ter adoptado algum cepticismo, como diz Filipe Oliveira, num artigo que escreveu para o jornal online Observador, publicado no passado dia 27 de Fevereiro, e que intitulou O logro finlandês. Mas não, apenas mudámos um pouco a agulha da nossa bússola.
Como disse acima, retomo, com as palavras desse meu colega e amigo, o estudo mencionado, o qual, indo além superfície, constitui um suporte de pensamento, único remédio para a demagogia, que na área da educação tem rédea solta.
"Aquando da publicação do relatório final [do PISA], em 2001, o mundo da educação foi surpreendido pela insuspeita Finlândia. O parente pobre da península escandinava tinha obtido resultados admiráveis nas três componentes avaliadas, rivalizando com a Coreia e com o Japão, países com sistemas de ensino reconhecidamente muito exigentes e competitivos, e que ocupavam, no ranking do PISA 2000, as duas primeiras posições em matemática.
Decisores políticos e cientistas da educação viraram naturalmente a sua atenção para este pequeno país. Aparentemente, após várias reformas, os currículos finlandeses prescreviam no ano 2000 uma cultura de ensino “centrada no aluno”, programas de estudo flexíveis e grande autonomia curricular local, pouca ou nenhuma avaliação ou prestação de contas (...), eliminação das retenções, mais foco em trabalhos de grupo, tempos escolares e trabalhos de casa reduzidos, e, de forma mais geral, menos horas dedicadas ao estudo e à escola (...). Estava encontrada a fórmula para o sucesso. Afinal era possível formar alunos com características cognitivas muito semelhantes às dos alunos asiáticos, mas com maior conforto para todos e sobretudo com muito menos trabalho (…).
Após este sucesso inicial, os resultados da Finlândia começaram a baixar consistentemente em todas as áreas avaliadas. Primeiro de forma ligeira, e posteriormente de forma mais abrupta. Em 2018 e em matemática, os alunos finlandeses exibem um desempenho apenas ligeiramente acima da média da OCDE. Pode ler-se no relatório final do PISA 2018 dedicado à Finlândia, que «Os resultados continuam em declínio desde 2006 (…) A tendência de descida não mostra sinais de abrandamento em nenhuma área. Em matemática, a velocidade do retrocesso é idêntica em todos os níveis de desempenho» (...).
Paradoxalmente, estes factos não têm feito manchete, parecendo existir uma tendência para os encobrir ou para os justificar de forma desajustada e até caricata, como por exemplo com o aumento do número de famílias de imigrantes residentes na Finlândia. Na verdade, esse efeito existe, mas vários estudos confirmam que tem um impacto extremamente pequeno.
O que aconteceu na Finlândia? O que levou a resultados tão bons no ano 2000 e ao posterior declínio? Quais teriam sido os resultados dos finlandeses em hipotéticos testes PISA realizados antes do ano 2000? Numa tentativa de responder a estas importantes questões, e através de uma cuidadosa compilação de micro-dados oriundos de testes estandardizados, Nadir Altinok, Claude Diebolt e Jean-Luc De Meulemeester elaboraram uma nova base de dados internacional sobre qualidade do ensino, de 1965 a 2010, convertendo os desempenhos em pontos PISA.
O resultado para a Finlândia é o seguinte: Ao que tudo indica, a grande aceleração deu-se durante os anos oitenta e noventa. Na verdade, aquilo que os currículos e documentos oficiais prescreviam aquando do PISA 2000 estava longe de estar implementado no terreno: a grande descentralização e autonomia local teve início em 1985 e ficou oficialmente concluída, a muito custo, em meados dos anos 90. É importante precisar que a escola finlandesa era ainda extremamente tradicional durante essa última década de progressos, e que os professores se mostravam muito renitentes em adotar as reformas propostas, apesar das frequentes admoestações do Estado. Em 1996, quatro anos antes do PISA 2000, um grupo de investigadores britânicos visitou 50 escolas finlandesas, reportando: «Turmas inteiras, seguindo linha por linha os manuais, a um ritmo ditado pelos professores. Filas e filas de alunos, todos fazendo a mesma coisa ao mesmo tempo, que fosse uma aula de artes, de matemática ou geografia. Movemo-nos de escola em escola e as aulas eram idênticas em todas elas. (…) Não detetámos grandes evidências de uma metodologia centrada no aluno ou de aprendizagem autónoma.».
É curioso o facto de estas 50 escolas terem sido justamente escolhidas por serem “as mais inovadoras” e que mais acompanhavam as novas diretivas finlandesas. Com todos estes elementos, é no mínimo difícil atribuir o sucesso dos alunos finlandeses às ideias dos documentos oficiais em vigor no ano 2000. É interessante notar que os testes psicotécnicos aplicados aos recrutas do exército finlandês mostram, grosso modo, a mesma aceleração e os mesmos progressos durante os anos oitenta e noventa, e subsequentemente uma quebra importante das suas capacidades cognitivas: Estes e muitos outros dados podem ser encontrados na excelente monografia Real Finnish Lessons – the true story of an education superpower, da autoria do Professor Gabriel Sahlgren."
3 comentários:
Volta Hermano Saraiva, Volta Afonso QueirÒ, Volta professor Martinez!
_Os vossos amados filhos finalmente ganharam coragem para vos fazer JUSTIÇA
Mais uma vez repito, que o problema, para lá de o Conhecimento não ser Valorizado socialmente em todos os extractos sociais (basta, vez a valorização do binómio futebol / reality shows (telenovelas, etc) face ao restante tempo de antena), o problema essencial das Salas de Aula portuguesas tem mais a haver a-socialização / ausência de de regras comportamentais por parte dos alunos, o que deixa os Professores num dilema: ou transmitem conhecimentos (o que é francamente impossível sem um mínimo de "comportamento de Sala de Aula" por parte dos alunos, ou, procuram incultar esse comportamento, e não dão Matéria.
Basicamente o problema da quadratura do Círculo, ou da Circolatura do quadrado.
Daí a minha insistência na Infantil, Pré-primária e Primária, quer para moldar o comportamento em sala, quer nas matérias dadas.
Tudo o resto, são variações para notícias .....
“O parente pobre da península escandinava tinha obtido resultados admiráveis nas três componentes avaliadas, rivalizando com a Coreia e com o Japão, países com sistemas de ensino reconhecidamente muito exigentes e competitivos, e que ocupavam, no ranking do PISA 2000, as duas primeiras posições em matemática.”
Sem vontade, sem dinheiro e sem trabalho, nada se faz!
O grande desígnio português foi, desde o século XV, espalhar a santa fé católica pelos quatro cantos do mundo. Hoje, podemos dizer que fomos bem sucedidos na evangelização dos novos mundos que demos ao mundo. Já no campo da industrialização do país, que tem raízes remotas na revolução científica do Renascimento, não fomos tão bem sucedidos, ora porque escolhíamos o caminho errado do progresso económico (por exemplo, expulsando os judeus), ora porque nos obrigavam a entrar em guerras que não eram nossas (por exemplo, fizemos parte da Armada Invencível que foi clamorosamente derrotada).
Os protestantes finlandeses, assim como os pagãos orientais do Japão e da Coreia do Sul são países altamente industrializados e ricos, porque escolheram, ou foram obrigados, em alguma fase das suas histórias, a trilhar os caminhos do desenvolvimento que o sistema capitalista aliado ao conhecimento científico e tecnológico proporcionam.
Concluindo: para a Igreja Ocidental se espalhar pelos novos mundos, a partir dos Descobrimentos portugueses e espanhós, foram necessários muitos missionários bem formados por um sistema de ensino exigente; para que os países se industrializem e enriqueçam as suas populações têm de ser bem formadas por sistemas de ensino exigentes.
Atualmente, em Portugal, a maioria da população já não liga patavina à religião Católica. Não estará a solução do problema da educação em Portugal ligada a uma conversão em massa ao Protestantismo, acompanhada por um reforço substancial na carga horária das disciplinas científicas dos curricula escolares e pelo regresso dos exames autênticos?
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