terça-feira, 1 de julho de 2014

FCT CONDENA METADE DAS UNIDADES DE INVESTIGAÇÃO EM PORTUGAL E NÃO APENAS 22%

Parafraseando o poema de Martin Niemöller

Primeiro vieram buscar os bolseiros 
e eu não disse nada 
porque eu não era bolseiro
Então vieram buscar os unidades de investigação razoáveis
e eu não disse nada
porque a minha não era razoável
Depois vieram buscar as unidades boas
e eu nada disse
porque a minha não era boa
Então vieram buscar-me a mim,
e nessa altura,
já não havia ninguém para falar por mim

Uma notícia recente dá conta de que 71 unidades de investigação, de um universo de 322, irão ficar sem qualquer financiamento, como consequência do processo de avaliação das unidades de investigação levada a cabo pela FCT.

Assim de repente pode não parecer mal. Num processo de avaliação, 22% de reprovações parece aceitável. Persistem no entanto, como é habitual em todos os concursos conduzidos pela actual direcção da FCT, dúvidas acerca da transparência e consistência do processo de avaliação, como se pode ler aquiaquiaquiaqui e aqui, por exemplo.

Mas voltemos aos números. Primeiro é preciso explicar que actualmente a escala de classificações da FCT tem seis níveis. A saber:

Excepcional 
Excelente 
Muito Bom 
Bom 
Razoável
Insuficiente.

Ou seja, a classificação de "Bom", sendo uma palmadinha nas costas semântica, é na prática uma sentença de morte. As unidades de investigação classificadas como "Bom" terão um financiamento base irrisório, nalguns casos de 5000€ anuais. E nos concursos para contratar investigadores nunca terão qualquer hipótese. Nenhum candidato a doutoramento, a pós-doutoramento ou Investigador-FCT terá a sua candidatura aprovada se a sua instituição de acolhimento tiver a péssima classificação de "Bom". "Bom" é mau. Lembremos que as taxas de sucesso destes concursos são actualmente de cerca de 10% e que candidatos com classificações superiores a 90% são recusados. Portanto, os centros com "Bom" terão uns trocos para comprar tinteiros e sacos de lixo, mas não poderão ter novos investigadores durante vários anos. À medida que os contratos e bolsas dos velhos investigadores terminarem, os equipamentos, nalguns casos fruto de avultados investimentos, ficarão a apanhar pó.

Assim, de um universo de 322 unidades de investigação:

- 154 não passaram à segunda fase e já têm a sua nota final. Desses, 71 têm "Insuficiente" ou "Razoável", ou seja não terão qualquer financiamento. Os restantes 83 têm "Bom", ou seja também estão lixados. Além de um financiamento irrisório, não poderão ganhar concursos para contratar recursos humanos. Isto significa que cerca de metade das unidades de investigação têm a sua actividade seriamente posta em causa.

- 168 centros passaram à segunda fase de avaliação. Não têm nota neste momento e poderão vir a ter qualquer classificação. Nada impede que algumas venham a ter "Bom" e a aumentarem o panteão zombie.

Este exercício de avaliação condena metade das unidades de investigação e não apenas 22%. Para já. Poderão ser mais, como resultado da segunda fase. É mais um processo de cortes arbitrários, tal como a redução do número de bolsas, disfarçado sob a capa da excelência, apregoada pela FCT.

Todos perdem com um tecido científico reduzido a metade. São metade das instituições de acolhimento disponíveis para concorrer a bolsas ou contratos de investigação, por exemplo.

É preciso que todos se unam contra esta arbitrariedade.

13 comentários:

Anónimo disse...

Olá David,
tens a certeza que as unidades que passam à segunda fase podem de facto acabar com uma classificação de menos que "Muito Bom"? É que não vi isto claramente explicado em nenhum documento da FCT.

Anónimo disse...

Está explicitado aqui: http://www.fct.pt/apoios/unidades/avaliacoes/2013/docs/UI&D-Fase1-AposAvaliacao-270614.pdf

Anónimo disse...

O adaptação do poema acima é no fundo a explicação do que se passou. Os bolseiros eram tratados com lixo e as pessoas "importantes" pensavam que nunca chegava a sua vez.

Anónimo disse...

A importação de computadores Apple para portugal vai diminuir!!!

Anónimo disse...

É tramado quando as unidades de investigação são avaliadas por um processo "científico". Antes, quando eram financiadas de acordo com a cor política, ou amizades ninguém levantava a voz. Agora que realmente se olhou para o que se estava a fazer e avaliou de acordo com parametros internacionais levanta-se a bandeira da arbitrariedade. Desde quando excelência significa quantidade? Talvez o melhor seja o David olhar para as borras que ficam na chavena de café e decidir que centros merecem ou não financiamento. Entre financiar moscas mortas ou financiar centros que realmente possam contribuir para a Excelência eu inclino-me para a segunda... E um cientista que o seja sabe bem que em ciência é assim que as coisas funcionam. Olhem para os nossos vizinhos, centros de investigação em Alicante, Valência, etc fechados por falta de financiamento, o mesmo em Inglaterra e França. Mas cá no burgo quando se tenta mudar o sistema já não se pode, porque afinal estava tudo a funcionar bem e ninguém sabia...

Anónimo disse...

o tipo de coisa que está a acontecer com a avaliação dos centros de investigação não é melhor nem pior do que já havia acontecido com o concurso investigador FCT 2013 e com as bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento. Os sinais foram dados há 1 ano. Foi pena que a atenção institucional tenha sido limitada. E agora? há que lutar conjuntamente como deveria ter acontecido antes desta gigante bola de neve

Anónimo disse...

Com a máfia internacional das publicações, da indexação e das citações de grandes equipas uns aos outros? Até lambem as botas aos editores, e se fosse só isso. Já está tudo em tribunal e a ligação da FCT à essas empresas também.

Anónimo disse...

Não digo que o sistema científico de citações seja perfeito, mas neste momento é mais perfeito que qualquer outro sistema. Tem margem para melhorar, e é saber os seus próprios defeitos que distingue a ciência de outras "ciências". O funcionamento deste sistema permite que jovens com grande capacidade consigam ser bons cientistas sem necessitar de "cunhas", por outro lado consegue deitar abaixo instituições consolidadas. Como cientista que sou prefiro que apenas os melhores sejam financiados, não concordo com o favorecimento da mediocridade que a sociedade actual favorece.

Anónimo disse...

Na minha opinião está enganado. Um sistema perfeito seria um em que a ciência não fosse realizada para publicar artigos e sobreviver, mas sim pela procura do conhecimento em diferentes áreas. O sistema como está montado leva ao esquecimento de diferentes áreas cientificas menos frequentadas e logo menos impactadas, bem como à troca de fluidos entre editores e investigadores e no mínimo amizades interesseiras. Eu tenho uma certa vergonha deste sistema e dos colegas altamente qualificados que entram nestes esquemas. Mediocridade são alguns artigos impactados elaborados de uma forma especializada para publicar. Para um cientista não há nada mais medíocre...tirando o facto de se prostituir cientificamente.

Anónimo disse...

ou se calhar deixaremos de ter computadores, é que um país sem conhecimento brevemente será um deserto comercial, e nessa altura não poderá usar deste meio para publicar piadinhas, por exemplo

Anónimo disse...

Os bolseiros bem como os docentes do ensino superior tem o que merecem. Durante anos foram metendo nas universidades os familiares, os amigos e os pupilos. Construiram um sistema no qual o mérito fundado nas competências e saberes pouco ou nada tem haver com o acesso e progressão nas carreiras. Pior, sendo que a função das universidades enquanto instituição de ensino 'e a reprodução de valores, este sistema do vale tudo e do nepotismo foi transmitido ao resto da população. Algum dos senhores que estão a protestar contra os cortes nos departamentos de investigação bem como nas bolsas de um modo geral se interessou pela desqualificao dos diplomas pre-bolonha?! Da privatização das bolsas dos estudantes economicamente desfavorecidos? Algum dos senhores rejeitou a cunha para aceder a uma bolsa, a uma nota e por fim ao lugar de docente? Todos sabemos que a figura do concurso publico nao passa de um simulacro, mesmo quando estão em causa a avaliação das teses. Temos o pais que merecemos. Paulo Pereira PAULO.RESENDE.PEREIRA@GMAIL.COM

Alberto Simões disse...

Aqui o principal problema é a "pescadinha de rabo na boca". As unidades com avaliação fraca não terão financiamento. Sem financiamento não há bolseiros. Sem bolseiros muita da mão de obra deixa de existir, já que grande parte dos "investigadores" são docentes universitários que muitas vezes já têm demasiadas horas lectivas. Ora, assim, estas unidades de investigação irão continuar com este tipo de notas. Por outro lado, as que têm boas notas, têm dinheiro, conseguem contratar mais mão de obra, e voltamos ao mesmo.

Claro que há outros problemas como, por exemplo é apontado pelo Paulo Pereira num dos comentários. Mas mesmo que consideremos a não existência de cunhas, e de que tudo funciona "legalmente", veremos que este tipo de política é em tudo semelhante à política económica, em que os ricos continuam ricos, e os pobres continuam mais pobres.

Unknown disse...

Para uma pessoa relativamente desconhecida conseguir obter uma bolsa investigação, seja que universidade for é extremamente difícil. Quando me falaram neste facto já em 2007, decidi experimentar e os resultados falam por si: mais de 150 tentativas e apenas 5 resultados positivos. Em 80% das negativas, o problema não foi devido à experiência ou currículo. Como ganhar quando o concurso é deliberadamente criado para inserir um aluno (sem qualquer experiência ou currículo) ou simplesmente para dar continuidade a alguém que já se encontra na unidade de investigação. Alguns casos em que participei são verdadeiramente escandalosos, tanto na avaliação dos participantes como no próprio edital.
Deviam ter vergonha.

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...